Drogas no trabalho: nos EUA, já existe até coaching para orientar uso ‘produtivo’

Elon Musk, CEO da Tesla, admitiu usar alucinógenos em baixa quantidade durante tarefas corporativas, e movimento da microdosagem ganha adeptos no mercado

Três pessoas em uma tenda improvisada. Dois homens e uma mulher.
Por Tiffany Kary
06 de Abril, 2024 | 12:07 PM

Bloomberg — Ajudar empresários a tentar otimizar seu desempenho usando drogas alucinógenas é um ramo excêntrico e crescente do setor não regulamentado de US$ 5 bilhões de coaching executivo e de vida.

Neuroestimulantes, cafeína e estimulantes de outros tipos ajudaram nas tarefas, mas com o advento da inteligência artificial, a produtividade está se tornando menos valiosa. Os alucinógenos podem auxiliar com o tipo de pensamento divergente e criativo que é mais necessário agora”, diz Paul Austin, um “coach de microdosagem” magro e barbudo de 33 anos e fundador da Third Wave, que oferece cursos que custam até US$ 14.000 para certificar guias do gênero.

Há novas preocupações sobre a credibilidade da pesquisa científica sobre alucinógenos e sobre os efeitos da dosagem diurna no local de trabalho. Ainda assim, drogas como a psilocibina, ou cogumelos, e o MDMA, ou ecstasy, estão despertando um otimismo generalizado em alguns setores. Acredita-se que estas substâncias abrem as pessoas para novas ideias ou mudanças, o que é um grande atrativo para os coaches.

Alguns instrutores trabalham abertamente em resorts em países como a Jamaica, que não proibiram as drogas, enquanto outros operam discretamente em casas particulares ou Airbnbs nos Estados Unidos, onde essas drogas são ilegais em nível federal, mas as autoridades fazem vista grossa. Eles atendem a um aumento no interesse popular e, muitas vezes, aos anseios particulares de diretores de fundos hedge, empresários ou executivos ambiciosos.

PUBLICIDADE

“Acredito que a psilocibina me ajuda a ser uma pessoa melhor e, portanto, me ajuda a ser um líder melhor”, diz Jim MacPhee, um consultor de liderança de 66 anos que se aposentou como diretor de operações da Walt Disney World da Walt Disney (DIS) em 2021. Ele não incentiva seus clientes a usar drogas, nem endossa o uso ilegal ou recreativo, mas diz que suas duas experiências durante a aposentadoria em um retiro no exterior o ajudaram a ficar mais “ligado” em seu trabalho de consultoria.

Leia mais: América Latina inicia sua batalha contra o vício em fentanil e opioides

O uso de drogas relatado por Elon Musk, Sergey Brin e o executivo do Cash App, Bob Lee, chamou a atenção para o fato de que o mundo dos negócios é afetado pelo aumento do uso de psicodélicos. Preocupações comuns, como a hipersugestibilidade e as alterações na função executiva do cérebro, são ampliadas quando se trata de pessoas em posições de poder.

PUBLICIDADE

“Eles o tornam mais vulnerável e sugestionável aos outros”, diz Sandra Dreisbach, cofundadora da Ethical Psychedelic International Community, que incentiva a integridade entre as pessoas que trabalham com as drogas. “Enquanto isso, você fica mais propenso a fazer grandes mudanças significativas. As pessoas podem se sentir inclinadas a pedir demissão do emprego, deixar o parceiro ou fazer grandes mudanças no estilo de vida.” Ela aconselha qualquer pessoa a esperar uma semana, ou até meses, após uma experiência psicodélica antes de tomar decisões importantes.

Mesmo nos círculos financeiros tradicionais, os coaches estão encontrando clientes ansiosos. Em uma reunião que combinava cetamina e meditação em Nova York no segundo semestre de 2023, um cofundador de 56 anos de um fundo hedge que só quis dizer seu nome como Joseph sentou-se no chão de um loft suavemente iluminado e ouviu o líder da sessão, Zappy Zapolin, falar sobre suas funções anteriores na Drexel Burnham Lambert e na Bear Stearns antes de se tornar um “concierge” psicodélico para celebridades e, depois, para o mundo dos negócios.

“Isso tem tudo a ver com o desempenho máximo”, disse Zapolin a Joseph e a algumas dezenas de outras pessoas, antes de uma sessão leve de exercícios de movimento Qi Gong, acupuntura e pastilhas de cetamina – além de um copo para cuspir por causa da salivação intensa que elas induzem.

Joseph disse que experimentou pela primeira vez a cetamina por gotejamento intravenoso para estresse no trabalho e depressão em uma clínica no início de 2023, quando o desempenho de seu fundo estava fraco. “Isso ajudou a mudar minha mentalidade e a perceber que minha vida não gira em torno de meus resultados financeiros”, disse.

Riscos

O uso de psicodélicos traz riscos, como distorções perceptivas duradouras ou uma sensação de distanciamento da realidade, de acordo com o Instituto Nacional de Abuso de Drogas dos EUA. Na Califórnia, as visitas hospitalares relacionadas a alucinógenos aumentaram 54% de 2016 a 2022, de acordo com pesquisas recentes.

A descriminalização também não eliminou o risco legal: as apreensões de psilocibina nos Estados Unidos aumentaram 247% de 2017 a 2022, segundo um estudo realizado no início deste ano.

A Third Wave treinou cerca de 200 guias psicodélicos desde 2021, cerca de um quinto deles coaches executivos. Em um retiro no outono passado nas montanhas do Colorado, que descriminalizou as drogas psicodélicas, Austin liderou o “Psychedelic Trailblazers Mastermind”, um fim de semana de US$ 3.500 com a presença de muitos dos alunos da Third Wave, que incluiu trabalho de respiração, exercícios de olhar e palestras que induzem à intimidade – tudo isso levando a uma viagem em grupo com uma das variedades mais poderosas de psilocibina, a Ghost.

PUBLICIDADE

Um dos participantes, Michael, que pediu para ser identificado apenas pelo primeiro nome, trabalha em Chicago, onde clientes corporativos pagam por suas sessões tradicionais de coaching executivo. Mas ele também já realizou cerimônias clandestinas em casas particulares usando MDMA, ou ecstasy, e psilocibina. As drogas tiram o ego da pessoa do caminho, disse ele. “Com os psicodélicos, as pessoas se abrem completamente”.

Michael, assim como cinco outros coaches que trabalham com psicodélicos entrevistados para esta reportagem, recusou-se a entrar em mais detalhes, citando a confidencialidade do cliente e seus próprios riscos legais. Muitos disseram que trabalharam com outra pessoa que serviu as drogas de fato.

Uma instrutora, Lauren Mugglebee, disse a um grupo na Mastermind que usa dispositivos do tipo vape com doses graduadas de “jaguar” inalável, uma versão sintética do derivado do veneno de sapo 5-MeO-DMT. Conhecida como “viagem de negócios” por sua curta duração, a droga também é chamada de “molécula de Deus” por seus efeitos poderosos. Ela disse que a droga é propícia ao abuso, mas é eficaz: “Sou uma coach, não uma terapeuta. Estou procurando coisas para agirem como um catalisador”.

Oriente Médio

Ronen Aires, membro da Entrepreneurs’ Organization, um grupo para empreendedores que possuem empresas que geram pelo menos US$ 1 milhão em receita anual, disse que deu palestras recentes sobre alucinógenos para grupos da EO em Omã e Bahrein.

PUBLICIDADE

Outro membro da EO e coach executivo que ajuda clientes com psicodélicos, Mark Worster, disse que já falou sobre o uso dessas drogas em 18 grupos da organização na Índia, quatro nos Estados Unidos e um no Nepal. Quando terminar uma turnê pela Índia nesta primavera, ele estima que terá alcançado cerca de 1.000 membros da EO. Uma porta-voz disse que a organização não tem uma posição, oficial ou não, sobre o possível uso de psicodélicos pelos membros nos negócios.

A mistura de drogas e as chamadas personalidades do tipo A (mais proativas, ambiciosas, impacientes) pode criar suas próprias armadilhas, com empreendedores potencialmente exagerando e querendo lançar sua própria experiência psicodélica em escala. A adição de coaches executivos à mistura torna-a ainda mais potente.

“Os coaches têm como objetivo ‘encontrar sua paixão e seu porquê cósmico’”, disse Jules Evans, que dirige o Challenging Psychedelic Experiences Project, uma organização sem fins lucrativos que estuda experiências difíceis com as drogas. “Isso, combinado com esses fortes imperativos em que as pessoas parecem receber mensagens da própria droga, pode levar as pessoas a becos sem saída”, disse ele. “Elas podem ser instruídas a construir arcas ou investir todo o seu dinheiro em psicodélicos ou criptomoedas”.

Veja mais em Bloomberg.com