Já pensou em compostar suas roupas íntimas?

Já que revender roupas íntimas não é bem uma opção, marcas estabelecidas estão experimentando soluções para mantê-las fora dos aterros

Empresa americana está apostando em produtos 100% algodão para facilitar decomposição após descarte
Por Olivia Rockeman
05 de Dezembro, 2022 | 03:13 PM

Bloomberg — Enquanto as marcas de vestuário são pressionadas a conter o enorme problema do desperdício de moda, muitas estão se voltando para programas de revenda que permitem que os consumidores tenham descontos em produtos usados. Mas as empresas que fazem roupas íntimas normalmente não têm essa opção: quando uma roupa íntima já não pode mais ser usada, a solução óbvia é jogá-la fora, levando a bilhões de quilos de tecido no lixo ao longo do tempo.

E se houvesse uma solução?

A empresa californiana Kent afirma que há. Há dois anos, a empresa vende uma linha de roupa íntima “totalmente compostável” feita de 100% algodão pima, com fibras mais longas e conhecido por durar mais do que as misturas tradicionais de algodão. Os clientes podem comprar roupa íntima da cuecas Kent por cerca de US$ 25 online ou nas lojas Madewell, e na Nordstrom e Anthropologie durante o ano que vem.

Quando a roupa íntima da Kent puder ser descartada, é possível fazê-lo em uma composteira comum ou ao enviar o produto de volta para a empresa, que tem uma parceira no sul da Califórnia que faz a compostagem. Desde seu lançamento em 2020, a Kent diz ter vendido 17,5 mil pares e no início deste ano a empresa recebeu US$ 200 mil e uma menção valiosa do investidor Daymond John no programa de TV Shark Tank.

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No que diz respeito a vestuário, a roupa íntima pode até parecer simples. Mas representa bem os desafios que as empresas enfrentam para tentar dar uma nova utilidade a roupas usadas. Enquanto o segredo de Kent é usar 100% algodão – com nada de outros materiais, corantes sintéticos ou amaciantes – os clientes tendem a preferir roupas íntimas que também são elásticas, o que requer o uso de spandex ou elastano. Nenhum deles é compostável ou reciclável, e ambos têm um ponto de fusão baixo, o que dificulta o uso das trituradoras utilizadas no processamento de tecidos em unidades de reciclagem têxtil, diz Jessica Schreiber, fundadora e CEO da Fabscrap, uma empresa com sede em Nova York especializada em reciclagem e reutilização de tecidos.

A maior parte das roupas íntimas vem de “recursos não renováveis baseados em combustíveis fósseis”, diz Rachel Kibbe, diretora executiva do American Circular Textiles Group, que está pressionando para uma regulamentação política na indústria têxtil, e CEO da empresa de consultoria Circular Services Group. “Eles possibilitaram a elasticidade, o suporte e a função que os consumidores passaram a adorar. Mas também não são recicláveis. A tecnologia não existe”. O problema é particularmente pungente para a roupa íntima feminina, que geralmente tem fibras elásticas em toda a trama, enquanto cuecas masculinas muitas vezes têm uma faixa elástica que é mais fácil de remover.

As roupas íntimas e outras peças de vestuário elásticas que chegam às instalações de reciclagem de têxteis raramente são trituradas; em vez disso, elas são transformadas em enchimento para produtos como assentos de carro e camas para pets. As marcas de roupa íntima, como a Knickey e a Parade, realizam programas de devolução para downcycling, e os clientes que entregam roupas íntimas antigas recebem um desconto ou crédito para sua próxima compra. Mas a demanda por esse tipo de enchimento é muito inferior ao fornecimento das roupas íntimas, sendo necessárias outras soluções.

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“Queremos que todos os produtos tenham um fim de vida fácil, mas isso é mais difícil para algumas áreas e para as roupas íntimas”, diz Michelle Tarry, vice-presidente de compras responsáveis e sustentabilidade da American Eagle Outfitters, proprietária da marca Aerie de roupa íntima. “É a elasticidade: muitos desses produtos contêm spandex, que dificulta a reciclagem dos produtos”.

É claro que o spandex não é o único culpado. A maioria das roupas íntimas femininas também contém poliéster e nylon – cada vez mais predominantes na produção têxtil como uma alternativa barata às fibras naturais como o algodão. Algumas roupas íntimas também contêm altos níveis de BPA e PFAS, que podem estar associados a problemas endócrinos e câncer de próstata e de mama em altos níveis, de acordo com Jimena Díaz Leiva, diretora científica do Centro de Saúde Ambiental.

“Outra consequência [de materiais como poliéster e nylon] é que eles liberam microfibras em ambientes naturais, tanto na produção a montante quanto na lavagem”, diz Kibbe. “Ao se decomporem, esses materiais liberam enormes quantidades de gases estufa, como o metano, em nossos ecossistemas”.

Maioria vai para aterros sanitários, mas algumas peças acabam incineradas ou recicladasdfd

A Kent não está sozinha: diversas varejistas de roupas íntimas estão procurando formas de reduzir a pegada ambiental de seus produtos. A The Big Favorite, da Filadélfia, que também faz suas roupas íntimas 100% algodão pima, oferece um programa de retorno e está trabalhando para reciclar o algodão de roupas usadas em fios que produziriam roupas novas, diz a fundadora e CEO Eleanor Turner. A gigante de roupas íntimas Victoria’s Secret está buscando maneiras de reutilizar as sobras de spandex de seus produtos enquanto também pesquisa materiais biossintéticos feitos de milho e Tencel, um tecido derivado do eucalipto.

A roupa íntima que pode ser compostada está longe de ser uma solução mágica e apresenta seus próprios desafios. A maioria dos americanos não tem acesso a uma composteira e, por enquanto, muitas composteiras coletivas só aceitam restos de alimentos. Os analistas também expressaram preocupações sanitárias sobre a compostagem de roupas íntimas que se tornam parte de um sistema que também é usado para cultivar alimentos.

As roupas íntimas compostadas da Kent são usadas na agricultura regenerativa, e a CEO Stacy Grace diz que o acesso limitado à compostagem é a razão pela qual a Kent investiu em sua própria infraestrutura. Ela também observa que um cliente da Kent envidou esforços para conseguir que suas roupas íntimas fossem aceitas em composteiras coletivas em Boston. Mas os consumidores em potencial ainda podem achar esquisito colocar suas roupas íntimas em composteiras junto com cascas de banana e borra de café, e há um desconforto compreensível na ideia de enviar roupas íntimas usadas de volta para as empresas.

Mais difícil que reciclar roupas íntimas é reciclar um sutiã. Isso porque os sutiãs contêm pequenos pedaços de plástico e metal que têm que ser removidos peça por peça, um processo trabalhoso e caro. Seu enchimento também é normalmente feito de poliuretano, que não pode ser reciclado.

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Uma desmontagem mais fácil ajudaria. Uma empresa chamada Resortecs faz costuras solúveis por calor, por exemplo, embora no momento seja muito caro para a maioria das marcas implementar em escala. E mesmo isso não seria uma solução para fechos de plásticos e arames.

“Essas peças são muito pequenas e seria um desafio significativo obter o volume desses materiais que justifique o custo de processamento”, diz Kibbe.

Ao contrário da roupa íntima, porém, existe um mercado para sutiãs de segunda mão. A Aerie, por exemplo, tem um programa de devolução em mais de 400 lojas que doam sutiãs usados para Free the Girls, um programa que apoia as vítimas do tráfico sexual. A Victoria’s Secret também tem um programa de devolução em 14 lojas da Flórida para produtos exceto acessórios e roupa íntima.

Além de apresentar menos preocupações sanitárias do que a roupa íntima, os sutiãs tendem a ser muito mais duráveis. De fato, embora a melhoria da reciclabilidade das roupas íntimas exija inovação tanto nos materiais quanto nos métodos de descarte, no momento o foco na durabilidade pode ser a melhor maneira de manter as roupas íntimas fora dos aterros por mais tempo.

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“Estes artigos que normalmente as pessoas não querem substituir, elas só os substituem porque ficam desgastados “, diz Laura Balmond, líder de moda na Fundação Ellen MacArthur. “Deve haver um grande foco em como aumentar a durabilidade das coisas”.

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