Bolicoin: Os nomes por trás da cripto venezuelana que dizem fugir de perseguição

Diretores e desenvolvedores da Bolicoin conversaram com exclusividade com a Bloomberg Línea sobre como querem se desvincular do governo em meio às críticas

Jorge Castillo e Asdrúbal Velásquez, da equipa Bolicoin, juntamente com outros representantes numa videochamada
26 de Junho, 2022 | 12:36 PM

Caracas — Embora a Venezuela esteja agora entre os países com a maior adoção de criptoativos, há sete anos o país tinha pouca ou nenhuma noção sobre o uso de criptomoedas - e mesmo assim, em meio à falta de informação e pouca prática, viu o nascimento de uma delas, com a particularidade de ser descentralizada.

A Bolívarcoin, hoje Bolicoin, foi desenvolvida no país sul-americano antes mesmo da criação do Petro, criptomoeda oficial ancorada ao preço do barril de petróleo, como busca de solução para uma crise econômica e social sem precedentes.

O white paper do Bolicoin descreve o ativo dessa forma desde 2015, sendo até recentemente, o único registro que explicava a sua existência. Os rostos por trás do ativo foram mantidos sob segredo por medo de serem perseguidos. Agora, no entanto, eles consideram sua presença pública necessária, para dar atenção a um mercado crescente, mas igualmente complicado.

Cinco de seus representantes concordaram com uma entrevista à Bloomberg Línea, sendo três deles do exterior e outros dois de Caracas - que destacaram a proteção que permitiu que essa criptomoeda com nome patriótico fosse transferida para seus usuários, evitando o inverno criptográfico que o Bitcoin vem enfrentando.

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“O preço do Bolivarcoin é pouco conectado ao preço do Bitcoin porque, pelo que percebemos, o Bolivarcoin é usado como ativo de proteção, então as pessoas, ao não venderem, mantêm o seu valor. O preço do Bolivarcoin está subindo hoje em relação ao inverno criptográfico que estamos vivenciando e isso é bastante interessante”, diz Johan Correa, engenheiro de computação e integrante da equipe do Bolivarcoin, que relaciona esse comportamento com a maturidade dos usuários que usam o criptoativo.

O número de usuários atendidos pelo Bolivarcoin é impossível de rastrear. Mesmo assim, seus representantes se baseiam nos dados coletados por meio de seguidores no Facebook, que já ultrapassam 80 mil, ou em um canal de discussão aberto no Telegram, com 1.000 participantes.

De acordo com Asdrúbal Velásquez, diretor da Bolicoin, as transações, que tiveram uma curva de crescimento em 2017, atualmente se estabilizaram, com tendência de queda em grande parte devido a um processo de acumulação que está sendo percebido entre os usuários.

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O Bolicoin, cujo valor de referência até hoje é de 0,01 bolívares digitais, embora não tenha conseguido atrair um grande número de participantes em seu início, se manteve estável ao longo do tempo, e isso faz parte do valor agregado do ativo, segundo seus desenvolvedores.

A perseguição que existiu, em algum momento, contra aqueles que estavam ligados às criptomoedas, antes da criação do petro, não só se tornou um obstáculo ao crescimento, mas também uma necessidade de estabelecer mudanças de impacto, dizem eles.

Assim, diante da dissociação governamental que queriam transmitir ao seu público, a equipe da Bolicoin decidiu mudar seu nome - embora sem se distanciar do principal herói venezuelano Simón Bolívar -, tornando-se também um guia de ensino para o usuário de criptografia no país e resistindo aos empecilhos ao longo do caminho.

“Não há moedas venezuelanas criadas, a partir desse momento que ainda existam em sua totalidade. Elas estão mortas e nós resistimos (...) ainda estamos em fase de emissão, estamos em 69% de todas as moedas Boli mineradas”, diz Velásquez, acompanhado por Jorge Castillo, também integrante da equipe Bolicoin.

Eles consideram que o objetivo inicial de ajudar os venezuelanos a poupar já foi alcançado nos piores anos econômicos do país. Agora, em uma nova fase, já com as moedas oficiais distribuídas entre toda a população, eles podem focar na ampliação de seu uso, contando com uma cadeia de blocos e credibilidade que contribui com sua descentralização.

A abertura do mercado externo já foi iniciada e Rodolfo Becerra, Johan Correa e Gerson Contreras estão trabalhando nisso.

Não se propõe a troca ou aproximação com o Estado venezuelano, embora pouco antes do nascimento do petro, tenham acontecido algumas conversas com representantes do Bolicoin e de outras moedas, num exercício de monitoramento.

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Depois disso, os desenvolvedores do Bolicoin perceberam alguma movimentação do Banco Central da Venezuela (BCV) que poderia ser parte de algum experimento do governo. “Tentamos nos comunicar com alguém do BCV e não recebemos resposta. O impacto, no entanto, é grande, porque de alguma forma, eles podem ter percebido que é uma moeda que poderia ser uma solução para os venezuelanos”, acrescenta Velásquez.

Sobre o propósito real e futuro do petro, Rodolfo Becerra, um dos desenvolvedores do Bolicoin, sustenta que o ativo oficial do governo não é exatamente um criptoativo, e sim uma moeda digital, com um livro criptográfico que justifica algumas das más decisões em torno dela.

“Pode ser muito bom em termos de conceito, mas assim como aconteceu com os videogames, quando decisões ruins são tomadas ou você tem uma má reputação ou a entidade que administra essa moeda faz algo errado, quem é afetado é quem tem a moeda - e voltamos ao mesmo processo da moeda fixa. Se o governo no poder não é muito bem visto internacionalmente, os investimentos caem, os juros sobem, a inflação aperta”, ressalta Becerra.

--Essa notícia foi traduzida por Ana Carolina Siedschlag, editora da Bloomberg Línea

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Raylí Luján

Jornalista venezuelano. Coordenei a edição impressa de El Nuevo País e escrevi para o jornal El Nacional. Colaborei para meios digitais como Prodavinci e ganhei o prémio Roche 2021 pelo trabalho colaborativo #HuirMigrarParir, juntamente com La Vida de Nos.