Byju’s: de maior edtech do mundo a pedido de insolvência e saída de CEO no Brasil

Startup de ensino de programação para crianças online, que já chegou a ser avaliada em US$ 22 bilhões, atrasa pagamentos e perde segundo CEO no país em dois meses

Logos for the BYJU'S learning application, developed by Think and Learn Pvt.
Por Marcelo Sakate - Isabela Fleischmann - Anto Antony (Bloomberg News)
26 de Janeiro, 2024 | 07:12 PM

Bloomberg Línea — Salários atrasados, perda de alunos, falta de comunicação com os funcionários e saída abrupta do CEO no Brasil - o segundo que deixa o cargo em cerca de dois meses. Essa é a situação daquela que já foi a mais valiosa startup de educação do mundo e empresa que já teve o maior valor de mercado da Índia, a Byju’s, que enfrenta agora pedido de insolvência por parte de credores.

A startup indiana que se notabilizou como uma escola global de programação para crianças com aulas online deixou de realizar um pagamento em um empréstimo de US$ 1,2 bilhão e os credores pediram insolvência, segundo um comunicado por e-mail na quinta-feira (25).

Nesta sexta-feira (26), o CEO da empresa no Brasil, Roberto Moreno, que havia assumido no fim de 2023, deixou a companhia sem comunicação prévia. O seu e-mail corporativo foi até “descontinuado”, segundo pessoas a par da situação que falaram à Bloomberg Línea.

Foi o mais recente capítulo da crise financeira da startup fundada por Byju Raveendran, que já foi avaliada em US$ 22 bilhões, mas que agora enfrenta a fúria de seus credores.

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Presente no Brasil há pouco mais de dois anos, a Byju’s no Brasil promoveu ondas de demissão no último um ano e meio e deixou de pagar parte do 13º salário aos seus funcionários em 2023, segundo relatos de profissionais que passaram ou ainda estão na empresa e que falaram à Bloomberg Línea sob condição de anonimato, porque temem serem ainda mais prejudicados com a situação.

Em 30 de novembro, o então CEO da Byju’s para o Brasil, Fernando Prado, comunicou a sua saída da empresa, e indicou um substituto, Roberto Moreno, então VP de Operações, que até esta sexta-feira no começo do dia ocupava o cargo de executivo-chefe.

“Terei um contato com a Índia apenas na segunda-feira [dia 29]. Hoje é feriado na Índia. O Roberto deixou a organização. Não tenho outra possibilidade a não ser aguardar o direcionamento. Peço que aguardem, serão comunicados quando tivermos informações mais concretas”, disse um profissional da empresa em comunicado aos funcionários visto pela Bloomberg Línea nesta sexta.

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A Bloomberg Línea entrou em contato com a Byju’s no Brasil e foi direcionada para o suporte da matriz indiana. Nesse canal, recebeu uma mensagem automática com a resposta de que a equipe não trabalha nesta sexta por causa de um feriado local.

A operação da Byju’s no Brasil sempre foi dependente de “cash burn”, ou seja, de queima de caixa, de acordo com uma pessoa familiarizada com o assunto que falou à Bloomberg Línea em condição de anonimato porque as conversas são privadas. Funcionava com o envio de capital da matriz na Índia, o que passou a atrasar no fim de 2023, segundo essa mesma fonte.

A Byju’s começou a funcionar no país com cerca de 300 profissionais, oferecendo aulas de programação online para crianças por meio do produto Byju’s Future School.

Além da Índia, a startup também atua no México, nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Austrália, na Nova Zelândia e na Indonésia e adotou uma estratégia de expansão com aquisições.

Essa pessoa com conhecimento do assunto que falou à Bloomberg Línea em condição de anonimato disse ainda que a empresa enfrentou recentemente problemas para o pagamento aos colaboradores, o que levou à mudança do calendário do mesmo de quinzenal para mensal em janeiro.

No último dia 12 de janeiro, a Byju’s comunicou aos funcionários do Brasil que “não se confirmou a chegada do dinheiro [em geral enviado da Índia] para que fosse realizado o pagamento parcial do débito”, em comunicado visto pela Bloomberg Línea.

Um funcionário respondeu o chat de comunicados oficiais interno alegando estar sem limite no cheque especial e com contas atrasadas e “que nunca imaginou uma situação dessas de quem se diz a maior do mundo”.

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No último dia 15, a empresa informou que não havia recebido atualização oficial da matriz na Índia. Nesta semana, na terça-feira (23), o então CEO para o Brasil informou que estava em busca de informações com Elvis Mookken, head internacional da Byju’s, e com Arjun Mohan, CEO da Índia, “porém, ainda sem um posicionamento concreto”, conforme outro comunicado visto pela Bloomberg Línea.

Byju Raveendran, da Byju'sdfd

Disse ainda que as informações que tinha eram a de que a matriz indiana estava em negociações para providenciar um financiamento a fim de cobrir os débitos da operação brasileira, “porém não fecharam a data exata para envio”.

A situação se agravou com a falta de pagamento às professoras de programação, que são contratadas como pessoas jurídicas, o que criou um “efeito dominó”, dado que elas passaram a cancelar aulas já agendadas.

No site Reclame Aqui, há diferentes reclamações nos últimos dias com alegações de inadimplência contratual, pedido de rescisão e devolução de dinheiro e professoras sem pagamento.

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“Soubemos hoje da crise da Byju’s e ficamos apreensivos com o abandono das aulas da professora de quem nosso filho tanto gostava”, contou um cliente da Byju’s no Brasil.

“A professora abandonou o curso e meu filho está sem aulas, comprei o pacote com o curso de inglês com 96 créditos e ainda restam 37 créditos para serem cumpridos”, disse outra cliente em uma publicação, seguida de que estavam “sem aula e sem contato com a empresa”, “aulas marcadas não estão sendo realizadas e professor diz que não recebe desde dezembro de 2023 e pediu desligamento”.

Outra pessoa familiarizada com as operações da Byju’s no Brasil disse à Bloomberg Línea que as demissões começaram em fevereiro de 2022. Essa pessoa descreveu que houve falta de transparência por parte da alta liderança e destacou a deterioração da situação em 2023, com problemas que incluíram dificuldades em pagar fornecedores, advogados e atrasos nos salários.

Não há informações claras sobre a situação nos Estados Unidos ou em outros países onde a empresa opera, conforme essa pessoa com conhecimento do assunto, que disse ainda que há uma falta de transparência e comunicação por parte da alta liderança da Byju’s. Esse quadro de incertezas tem causado insegurança e angústia entre os colaboradores, muitos dos quais pais e mães de família.

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Os credores já assumiram o controle das unidades da Byju’s em Singapura, enquanto a empresa contesta as ações nos Estados Unidos.

O pedido de insolvência ocorre no momento em que a edtech em dificuldades busca levantar mais de US$ 100 milhões de investidores existentes por meio de uma nova emissão de ações no próximo mês, a um preço que avalia a empresa em menos de US$ 2 bilhões, informou a Bloomberg News no início desta semana. Representaria, portanto, uma queda de 90% em relação ao pico.

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A empresa, que enfrenta uma crise de liquidez há vários meses, usará os recursos para pagar fornecedores e estabilizar os negócios, segundo a Bloomberg News.

“Esta é uma mensagem para todas as startups - cuidado com as dívidas”, disse Srinath Sridharan, pesquisador de políticas e consultor corporativo baseado em Mumbai. “Os detentores de ações podem cancelar o valor de suas ações, mas os devedores têm recursos [por meio da lei de insolvência e falência].”

De Zuckerberg à Naspers

O CEO, Byju Raveendran, atraiu capital de alguns dos maiores investidores do mundo da tecnologia, incluindo a Iniciativa Chan Zuckerberg de Mark Zuckerberg, a Silver Lake Management e a Naspers (Prosus), que também investe no iFood.

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Em conferência com os acionistas no dia 23 de novembro passado, a Prosus disse que voltou a atenção significativamente para os três negócios de ativos problemáticos no portfólio: o Stack Overflow, a Skillsoft e a Byju’s.

“Estamos trabalhando todos os dias para tentar melhorar o retorno lá. Essas situações, no entanto, na nossa opinião, não são emblemáticas de uma mudança na nossa visão do investimento global na tese para Edtech. Edtech é um setor muito amplo, que consiste em educação do ensino fundamental ao médio, qualificação corporativa e assim por diante”, disse Ervin Tu, CEO da Prosus, à época.

A Bloomberg Línea procurou o B Capital Group, de Eduardo Saverin, e a Prosus, ambos investidores da Byju’s, mas não obteve retorno até o momento.

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Prejuízos crescentes

A empresa de tutoria online começou a perder dinheiro depois que o boom nos negócios durante a pandemia perdeu força.

Raveendran hipotecou sua própria casa, assim como propriedades de membros da família, para arrecadar dinheiro e pagar os funcionários, conforme relatado pela Bloomberg News em dezembro. “Os inúmeros problemas enfrentados pela Byju’s são inteiramente autoinfligidos”, disse o grupo de credores em um e-mail na quinta-feira (25). “Por meses, buscamos evitar exatamente esta situação.”

“Acreditamos agora que a gestão da Byju’s não tem a intenção ou capacidade de cumprir suas obrigações nos empréstimos a prazo”, disse o grupo.

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“No entanto esperamos que o processo de resolução de insolvência corporativa da Índia ajude a estabilizar a Think & Learn [nome da empresa por trás da plataforma da Byju’s] e resulte na implementação de um plano de resolução que leve em consideração os interesses de todas as partes interessadas.”

O pedido foi apresentado nesta semana a um Tribunal Nacional de Empresas da Índia, disseram pessoas familiarizadas com o assunto, pedindo para não serem identificadas, pois o documento ainda não é público. O Moneycontrol noticiou anteriormente o pedido de insolvência.

Byju’s: ‘não há fundamento’

“A validade das ações dos credores, incluindo a aceleração do empréstimo a prazo, está pendente e sob contestação em vários processos, incluindo perante o Tribunal Supremo de Nova York”, disse a Byju’s em uma resposta por e-mail para a Bloomberg News na quinta-feira (25). “Portanto, qualquer procedimento dos credores perante o NCLT é prematuro e sem fundamento.”

A Byju’s Alpha é uma holding que os credores precisam controlar para proteger seus direitos, disse um advogado a um tribunal de Delaware no início deste ano. Os credores acusaram a empresa de esconder US$ 533 milhões em um “fundo hedge obscuro”, de acordo com documentos judiciais.

-- Com informações da Bloomberg News.

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Marcelo Sakate

Marcelo Sakate é editor-chefe da Bloomberg Línea no Brasil. Anteriormente, foi editor da EXAME e do CNN Brasil Business, repórter sênior da Veja e chefe de reportagem de economia da Folha de S. Paulo.

Isabela  Fleischmann

Jornalista brasileira especializada na cobertura de tecnologia, inovação e startups