Como o etanol se tornou um desafio para o governo incentivar o carro elétrico

Elevada penetração de carros movidos com o combustível de fonte renovável, importante para o agronegócio, deve limitar o apoio federal à eletrificação

Etanol ou gasolina ou carro elétrico? Alta penetração do etanol é considerada uma barreira para o avanço da eletrificação no país (Foto Victor: Moriyama/Bloomberg)
Por Dayanne Sousa - Leonardo Lara - Simone Iglesias
20 de Julho, 2023 | 03:04 PM

Bloomberg — Por duas décadas, os carros flex, solução única no mundo para reduzir emissões de carbono, ajudaram o Brasil a ostentar uma boa margem de diminuição da poluição gerada por automóveis em comparação com outros países com mercado automotivo de porte semelhante.

Agora, isso pode se tornar um empecilho. À medida que muitas das outras principais economias do mundo elaboram planos detalhados para alcançar o fim da venda de carros com motor a combustão, o Brasil resiste.

Quando o governo divulgar a atualização da sua política para o setor automotivo no próximo mês, o Rota 2030, traçará um caminho para reduzir a dependência de carros movidos só a gasolina, disse Uallace Moreira Lima, secretário de Desenvolvimento Industrial, à Bloomberg News. Mas não vai mexer nos modelos flex.

”O Brasil será o último entre seus pares a eletrificar”, disse Eder Vieito, analista sênior de commodities da Green PoolCommodity Specialists.

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E isso é por causa do etanol. Desde que foram lançados há 20 anos, os carros flex tornaram-se dominantes no Brasil, respondendo por 84,5% de todas as vendas de automóveis em junho, de acordo com a Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).

No mesmo mês, os carros elétricos representavam menos de 0,5% do mercado. Em comparação, quase um em cada quatro veículos novos de passageiros vendidos na China neste ano será movido a bateria, estima a GlobalData.

Mesmo nos Estados Unidos, consumidor inveterado de combustíveis fósseis, os elétricos representarão quase 8% das vendas em 2023, de acordo com estimativas da GlobalData.

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Emissões de CO2 do ciclo de vida do segmento médio ICE e BEV produzidos em 2020dfd

Até 2030, os elétricos a bateria representarão cerca de apenas 7% dos veículos leves vendidos no Brasil, projeta a consultoria Bright Consulting, muito abaixo da média mundial esperada, de 37%. A adoção mais lenta de elétricos no Brasil não é fruto do acaso.

Grandes montadoras, a indústria açucareira e autoridades do governo estão se esforçando para manter o etanol nos tanques de combustível dos motoristas.

Esse apoio assume várias formas, como impostos mais baixos, um programa federal de crédito de carbono que recompensa as usinas, além da falta de investimento em infraestrutura de carregamento ou produção de baterias, necessário para tornar a adoção ampla dos elétricos uma realidade.

Mudar de rumo seria complicado para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Se o país eliminar gradualmente os carros flex, perderia o enorme impulso econômico gerado pelo setor sucroalcooleiro, em um país onde o agronegócio representa cerca de um quarto do PIB.

No entanto, continuar com modelos flex populares, acessíveis e fabricados localmente, significa inibir os elétricos, que estariam entre os mais limpos do mundo, já que mais de 80% da eletricidade do Brasil vem de fontes renováveis, como energia hidrelétrica, eólica, solar e biomassa. Isso faz com que um elétrico no Brasil seja mais limpo do que um flex ao longo de sua vida útil.

Até agora, o governo Lula está tentando apoiar ambas as tecnologias. Para apaziguar a indústria sucroalcooleira, manterá os incentivos para o etanol e, ao mesmo tempo, busca atrair fabricantes de carros elétricos da China, salientando as reservas de metais para baterias do país, sua classe média em expansão e o acesso a outros mercados latino-americanos.

Esta estratégia funcionou com pelo menos duas das maiores montadoras da China: a BYD e a Great Wall Motor, que estão trazendo linhas de montagem para o país. Mas até elas planejam adicionar alguns híbridos movidos a etanol às suas linhas de veículos que serão produzidos no Brasil, no que parece ser um gesto diplomático — e inteligente.

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A discussão sobre carros elétricos é “muito importante para o Brasil e para o mundo”, disse o ministro dos Transportes, Renan Filho. Mas o etanol também deve fazer parte da conversa, acrescentou. “Etanol emite muito menos.”

- Com a colaboração de Tatiana Freitas e Beatriz Reis.

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