Como engenheiros do Brasil se tornaram chave para Stellantis se manter competitiva

Gigante das marcas Fiat, Jeep e Peugeot amplia contratação de profissionais qualificados de países emergentes com salários que são uma fração do que é pago nos EUA ou na França

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Por Albertina Torsoli - Gabrielle Coppola
02 de Maio, 2024 | 09:50 AM

Bloomberg — A Stellantis mudou sua estratégia de recrutamento e passou a contratar a maioria de seus engenheiros em países como Brasil, Índia e Marrocos, à medida que as grandes montadoras de automóveis lidam com uma competição por custos mais baixos e uma demanda em desaceleração.

A fabricante das marcas Fiat, Chrysler, Jeep, Peugeot e Citröen tem contratado engenheiros em países onde o custo por funcionário equivale a cerca de 50.000 euros (US$ 53.000 ou R$ 270 mil) ou menos por ano, de acordo com pessoas familiarizadas com o assunto que falaram à Bloomberg News. O custo da mão-de-obra em centros como Paris e Detroit pode ser até cinco vezes esse valor.

Segundo fontes da indústria automotiva brasileira que falaram à Bloomberg Línea, esses são valores pagos em geral para engenheiros com nível de experiência sênior ou grau de especialização mais alto.

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As montadoras ocidentais estão sentindo a pressão da desaceleração da demanda por veículos elétricos enquanto lutam para fabricar carros mais acessíveis. Fabricantes como a Tesla (TSLA) e a Volkswagen estão reduzindo empregos e transferindo parte da produção para locais mais baratos.

Enquanto a pressão é maior entre as marcas de mercado em massa, as montadoras de automóveis premium, como a BMW, também estão contratando na Índia e em outros lugares para aproveitar o talento local.

A Stellantis (STLA) é atualmente uma das mais agressivas e agora pretende ter cerca de dois terços dos engenheiros da empresa em países de baixo custo a longo prazo, disseram as pessoas, que falaram sob condição de anonimato.

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O impulsionador por trás dos cortes de custos da Stellantis são veículos como o Citroen ë-C3, modelo elétrico de 23.300 de euros, que deve começar as entregas no segundo trimestre.

Fabricar veículos acessíveis ao consumidort significa que a empresa deve buscar mais economias, com o CEO global, Carlos Tavares, advertindo em janeiro sobre a “desconsideração da realidade de sua situação de custo”. No total, a Stellantis pretende introduzir 25 novos modelos este ano.

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Após a apresentação nesta semana das receita do primeiro trimestre, as ações da Stellantis recuaram 10,5%, a maior queda em quatro anos, depois que a diretora financeira Natalie Knight disse que os retornos na Europa estão sofrendo com a demanda em declínio.

“Sempre há mais potencial quando se trata de disciplina de custo”, disse Knight. “Vamos continuar a otimizar nossos custos de trabalho - isso é algo que tem sido importante tanto no lado administrativo, quanto em menor escala, no lado operacional.”

De olho em talentos e experiência

A remuneração anual de engenheiros nos Estados Unidos ou na França costuma ficar entre US$ 150.000 e US$ 200.000, incluindo benefícios, disseram várias pessoas à Bloomberg News.

Engenheiros em países como México, Brasil ou Índia podem “custar” de 20% a 30% desse valor, disseram eles. Além de tentar economizar dinheiro, a Stellantis busca adquirir experiência em áreas como software, inteligência artificial e química de células de bateria, disse um porta-voz.

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A indústria é um campo de jogo global em “profunda transformação com novos players chineses surgindo”, disse o porta-voz da montadora.

Na sede nos EUA, em Auburn Hills, no estado do Michigan, a Stellantis cortou cerca de 400 empregos de engenharia assalariados no mês passado, incluindo pessoas que trabalhavam em calibração de veículos, eletrônica e controles. Enquanto isso, a empresa busca contratar engenheiros eletrônicos para trabalhar no México.

A Stellantis também planeja contratar cerca de 500 engenheiros para se somarem aos quase 4.000 que já possui no Brasil, disse Emanuele Cappellano, presidente para a América do Sul. Os engenheiros, muitos dos quais estão baseados em Betim, no estado de Minas Gerais, se concentram em projetos globais, disse ele.

Em alguns casos em outros países, essa mudança causou problemas durante o desenvolvimento.

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Por exemplo, no sistema de direção da plataforma “Smart Car” desenvolvido originalmente pela Tata Consulting Services, da Índia, segundo as pessoas. Dezenas de engenheiros franceses e italianos tiveram que ser levados para trabalhar em correções, disseram as pessoas.

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A falta de recursos de engenharia também causa problemas no lançamento de produção na fábrica de caminhões da empresa em Sterling Heights, no estado de Michigan, de acordo com Mike Spencer, presidente do sindicato United Auto Workers local. Mais cortes estão planejados para os próximos meses.

A Stellantis se junta a concorrentes como a Renault na busca por talentos em engenharia e software nos mercados emergentes. Seu arquirrival eliminou cerca de 1.500 posições de engenharia na França nos últimos anos e vem expandindo centros na Romênia, no Brasil e na Coreia do Sul.

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O CEO global da Renault, Luca de Meo, elogiou o “alto nível de competência” da Índia em áreas como engenharia em nuvem, inteligência artificial e direção autônoma durante um evento recente à imprensa.

As decisões das montadoras estão alimentando tensões políticas. A Stellantis enfrenta crescente pressão na Itália, onde o governo se opõe aos planos de eliminar milhares de empregos.

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Enquanto isso, profissionais na Itália e na França reclamam que as medidas de redução de custo de Carlos Tavares aumentaram a carga de trabalho, as condições insalubres em certas fábricas, a falta de equipamentos de trabalho e geraram aquecimento insuficiente.

Vários consultorias especializadas em assessorar acionistas criticaram Tavares por receber um pacote de remuneração de 36,5 milhões de euros - o maior entre os CEOs de montadoras tradicionais - enquanto prega a frugalidade para a equipe da Stellantis em meio aos planos de eliminar milhares de empregos adicionais.

A Glass Lewis alertou para o potencial “risco de reputação” para a empresa devido à diferença entre a remuneração da alta administração e a pressão sobre o restante da equipe.

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- Com a colaboração de Leonardo Lara.

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