Aos 82, bilionário luta para manter a maior seguradora da Itália sob controle do país

Francesco Gaetano Caltagirone, dono de uma fortuna de US$ 8,5 bilhões, explica por que tem trabalhado contra um negócio entre a Generali e a gestora francesa Natixis

Francesco Gaetano Caltagirone
Por Sonia Sirletti - Alessandra Migliaccio - Julia Janicki
01 de Junho, 2025 | 08:06 AM

Bloomberg — Os blocos de apartamentos que Francesco Gaetano Caltagirone construiu por toda Roma desde os anos 1960 são tão onipresentes que o magnata da construção civil às vezes é chamado de o “Oitavo Rei” da cidade.

Agora, o líder de 82 anos de um império empresarial que se estende do setor de cimento aos de mídia, bancos e seguradoras está envolvido em uma batalha que definirá o futuro das finanças italianas — e de sua própria herança.

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O bilionário do setor imobiliário, que detém a terceira maior participação na maior seguradora da Itália, a Assicurazioni Generali, se opõe a um acordo de parceria que o CEO da Generali, Philippe Donnet, quer fazer com os proprietários da gestora de ativos Natixis, da França.

Com o apoio da empresa de investimentos da família bilionária Del Vecchio e do governo italiano, Caltagirone está determinado a manter a seguradora — e sua pilha de € 36 bilhões em títulos soberanos italianos — firmemente sob controle italiano. Sua visão é ajudar a construir um campeão financeiro ancorado na economia doméstica.

“O que construí será suficiente para sustentar gerações, e ganhar € 1 a mais ou a menos não significa mais nada para mim”, disse ele à Bloomberg News na sede de seu conglomerado perto da Piazza Barberini, em Roma. “Comecei a pensar no bem comum. Garantir que a Generali não caia nas mãos erradas é algo que importa. Também importa ajudar a saúde financeira deste país e desta cidade.”

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Caltagirone, filho de pai siciliano e de mãe de Tampa, na Flórida, vem de uma família que ganhou destaque como incorporadores imobiliários em Roma sob o ditador Benito Mussolini, antes de se mudar para a Argentina após a Segunda Guerra Mundial.

Após a morte precoce de seu pai, a família retornou à Itália, onde ele obteve um diploma de engenharia e reviveu o negócio durante o boom econômico dos anos 1960. Aqueles próximos a ele ainda se referem a ele como “l’ingegnere” (o engenheiro).

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Uma figura polarizadora, Caltagirone é conhecido por seu estilo corporativo assertivo e fortes laços com a política conservadora.

Seus investimentos em finanças geraram debate — vistos por alguns como proteção do capitalismo familiar enraizado, e por outros como defesa dos interesses das partes interessadas.

Ele tem um patrimônio líquido de cerca de US$ 8,5 bilhões, e quase metade de sua riqueza está investida na Generali, de acordo com o Bloomberg Billionaires Index.

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Agora, sua expansão nas finanças nas últimas duas décadas e as participações-chave que construiu na Generali e nos bancos Monte dei Paschi di Siena e Mediobanca o deixaram em uma posição de comando na complexa onda de fusões e aquisições que está impulsionando o setor bancário e de seguros italiano este ano.

A origem da Generali

A Generali, maior seguradora da Itália e terceira maior da Europa, tem sede em Trieste, cidade portuária no mar Adriático, e opera em mais de 50 países nos segmentos de seguros, gestão de ativos e imóveis.

Fundada em 1831, a Generali hoje permanece vital como gestora das poupanças das famílias italianas e detentora de dívida soberana — daí seu significado estratégico para a primeira-ministra Giorgia Meloni e o governo.

A Generali desempenha um papel central em uma rede de participações cruzadas, dando-lhe influência significativa na onda de negociações financeiras italianas.

Billionaire Caltagirone Is at the Center of Italy's Bank Deals

Desencadeada pela oferta do Banco BPM pela Anima Holding no final de 2024, pelo menos sete bancos e seguradoras estão envolvidos em batalhas de aquisição — contribuindo para a maior transformação nas finanças europeias desde a crise da dívida da zona do euro.

De longe, o acordo mais importante para a Generali — e, por extensão, para Caltagirone — é a oferta hostil de aquisição lançada pelo Monte Paschi para adquirir o Mediobanca, que é o maior acionista da seguradora Generali.

Se bem-sucedida, provavelmente a aquisição removeria o CEO da Mediobanca, Alberto Nagel, que há muito tempo é aliado do CEO da Generali, Donnet, e entregaria sua participação na Generali a um banco efetivamente controlado pelo governo e seus aliados, incluindo Caltagirone.

Isso aumentaria a participação conjunta do grupo na Generali para aproximadamente 30% e lhe daria influência incomparável sobre seus assuntos.

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Alberto Nagel, o CEO da Mediobanca, rejeitou a oferta do Monte Paschi, dizendo que seria “destrutiva” para sua empresa — e fez sua própria oferta pelp Banca Generali, o braço de private banking da seguradora.

Em resumo, uma aquisição do Monte Paschi efetivamente entregaria a Caltagirone a vitória em sua longa campanha para mudar a governança da Generali e reduzir o controle da Mediobanca, após tentativas fracassadas no passado.

Interesse nacional

Caltagirone argumenta que a parceria com a Natixis desmantela a capacidade da Generali de tomar decisões de investimento e controlar riscos. O que é pior, de sua perspectiva, é que as decisões sobre como as poupanças italianas são aplicadas agora seriam tomadas de Paris, disse ele à Bloomberg News.

A Generali rejeitou as críticas tanto do governo italiano quanto de Caltagirone sobre o acordo, dizendo que a joint venture é equilibrada em relação à governança, e que a propriedade dos ativos permanecerá nas mãos das respectivas seguradoras. A empresa disse que o acordo é necessário em uma indústria onde escala importa.

Mas a memória da crise da dívida soberana italiana de 2011 significa que muitos nos círculos políticos do país veem a Generali como mais do que apenas um negócio, incluindo o partido Irmãos da Itália, da primeira-ministra Meloni.

Naquele episódio, grandes bancos nacionais e seguradoras — pressionados pelo governo do então primeiro-ministro Mario Monti — atuaram como um baluarte contra investidores que estavam despejando os títulos do país.

A experiência também foi marcante na formação da primeira-ministra, que viu seu mentor político Silvio Berlusconi derrubado pelos mercados financeiros.

O espectro levantado por Caltagirone agora é — se a nação enfrentasse tal situação novamente, poderia contar com gestores de ativos na França para ajudá-los?

“Você está demolindo uma estrutura construída ao longo de dois séculos para gerenciar poupanças em troca de uma parceria frágil”, disse Caltagirone à Bloomberg News. “Não há justificativa econômica válida.”

A defesa de Caltagirone da identidade italiana da Generali e seu papel como detentora de títulos do estado reflete uma das causas profundas da fragmentação financeira da Europa — a ligação entre finanças nacionais e governos nacionais.

Embora alguns formuladores de políticas, incluindo o ex-primeiro-ministro italiano e presidente do Banco Central Europeu Mario Draghi, tenham pedido por uma verdadeira “união dos mercados de capitais” por mais de uma década, pouco progresso foi feito.

“Caltagirone tem uma ideia de capitalismo herdada de um modelo nacional que anda de mãos dadas com a política, e onde a agenda de empresas e do Estado se movem em sintonia”, disse Carlo Alberto Carnevale Maffe, professor de estratégia empresarial na Universidade Bocconi de Milão. “Se o mercado quer uma agenda diferente, então precisa se unir em torno de uma.”

Construção de Roma

Caltagirone começou a reconstrução do negócio familiar em 1966, iniciando com a construção de três complexos de apartamentos junto com seu primo de nome similar, Gaetano Caltagirone.

A partir daí, e com a ajuda do que pessoas próximas a ele se referem como uma atenção maníaca aos detalhes e custos, ele criou um império que inclui a empresa de engenharia civil e obras públicas Vianini e a fornecedora global de cimento Cementir.

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As empresas de Caltagirone construíram globalmente — desde conjuntos habitacionais em Hong Kong até uma barragem na Colômbia e um metrô em Caracas.

Outro braço do grupo começou a tomar forma durante os anos 1990. A resposta de Caltagirone a um vasto escândalo de corrupção na Itália, apelidado de Tangentopoli ou ‘cidade da propina’, que começou no início da década, foi comprar jornais.

Hoje, a Caltagirone Editore possui seis jornais, incluindo Il Messaggero, o diário mais vendido de Roma.

Il Messaggero

A empresa-mãe Caltagirone SpA registrou receita de mais de € 2 bilhões no ano passado e emprega quase 4.000 pessoas.

Embora os três filhos de Caltagirone agora tenham papéis-chave em seus negócios, pessoas próximas a Caltagirone dizem que ele continua a vir ao escritório cedo todas as manhãs e mantém controle geral do conglomerado.

Conflito na Generali

Para Caltagirone, anos de frustração com o CEO da Generali, Donnet, culminaram em uma ruptura final sobre o acordo com a Natixis. “Donnet é um bom segurador, mas falta visão estratégica para expansão ou M&A”, disse ele à Bloomberg News.

Críticos veem o impulso de Caltagirone para abalar a governança da Generali como um movimento para expandir sua própria influência financeira.

Seu conflito com Donnet atingiu o pico em 2022 com um esforço fracassado para derrubá-lo, seguido por uma tentativa malsucedida com Del Vecchio para remover Nagel da Mediobanca, em 2023.

Generali

Enquanto isso, Donnet fortaleceu as finanças da Generali durante seu tempo no comando, e planeja € 7 bilhões em pagamentos a investidores até 2027.

Durante seu mandato, o preço das ações da empresa mais que dobrou, e ele buscou acordos incluindo a compra da gestora de ativos britânica Conning Holdings.

Caltagirone tem lutado até agora para convencer investidores institucionais a apoiar seu mais novo embate sobre a Generali.

Seu esforço para instalar seus próprios membros do conselho na assembleia geral anual deste ano conseguiu apenas 3 de 13 assentos.

Mas ainda assim, Caltagirone tem outra carta para jogar para exercer sua influência sobre a seguradora: seu alinhamento com a primeira-ministra.

“Comecei a pensar no bem comum. Garantir que a Generali não caia nas mãos erradas é algo que importa.”

O governo da Itália vê a oferta do Monte Paschi pela Mediobanca como uma forma de criar um terceiro grande banco nacional — para competir com UniCredit e Intesa Sanpaolo e ajudar a financiar as pequenas e médias empresas que são a espinha dorsal da economia.

Caltagirone, cuja postura nacionalista o torna um aliado natural para Meloni, também apoia esse objetivo. Ajuda que a estratégia também aumentaria a influência dos aliados sobre a Generali.

Reis romanos

O verdadeiro confronto provavelmente acontecerá mais tarde este ano, quando os vencedores e perdedores da atual onda de M&A começarem a emergir.

O Monte Paschi aguarda aprovação regulatória para sua oferta, que poderia ser concedida em junho ou julho. A oferta seria então aberta aos acionistas da Mediobanca, com Lovaglio já podendo contar com Caltagirone e seus aliados.

Dos sete reis anteriores de Roma, começando com o fundador Rômulo, alguns eram conhecidos como construtores e alguns como conquistadores. Independentemente de como Caltagirone seja visto, ele tem uma visão clara do que quer que seu legado na Generali seja.

“A Generali deveria aspirar a ser um player global enraizado na Itália — pronto para aproveitar grandes oportunidades no setor de seguros”, disse ele.

“Se você coleta as poupanças das pessoas, também deve usá-las para promover o crescimento de empresas baseadas nos países onde elas vivem.”

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