Bloomberg Linea — O mercado de suplementos esportivos passa por um amadurecimento no Brasil e deixou de ser um mercado de “frangos” e “marombados”, as nomenclaturas clássicas - e irreverentes - que acompanham os consumidores há mais tempo adeptos e os frequentadores de academias.
Nos últimos anos, as gôndolas mudaram e abriram espaços em farmácias e supermercados para os produtos com proteína, carboidratos, creatina e aminoácidos, de olho em um público cada vez menos “nichado”.
Para acompanhar, grandes e pequenos fabricantes redesenharam as estruturas dos negócios, com a criação de novas marcas, a busca por aquisições e a entrada em novos formatos.
Entre os anos de 2019 e 2023, o setor avançou cerca de 70% em receitas no Brasil, de acordo com dados da Euromonitor. A consultoria estima, porém, que esse é apenas o começo de uma trajetória de expansão.
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No intervalo de cinco anos até 2028, a previsão é que as empresas terão movimentado cerca de R$ 9,6 bilhões, com alta acumulada de 120%. No ano passado, o valor transacionado ficou em estimados R$ 4,6 bilhões - globalmente, o mercado de suplementação girou US$ 28 bilhões.
“Nós falamos de um crescimento de duplo dígito acelerado, acima de 20% há mais de dois anos no Brasil. Vemos, sobretudo depois da pandemia, uma aceleração muito forte desse mercado que cresce em um ritmo bem intenso tanto no braço proteico como no não-proteico, com a creatina, por exemplo”, afirmou Mariana Teixeira, consultora de pesquisa da Euromonitor, para a Bloomberg Línea.
A expansão recente coloca o país como o quinto maior mercado para suplementos esportivos no mundo. Em proteicos, com whey protein, o Brasil aparece em quarto lugar; e, em creatina, em terceiro.
Mitos que colocam o whey protein como “bomba” foram derrubados e evidências científicas sobre os benefícios da creatina alimentam uma transformação do setor em um momento de mudança de comportamento em que o brasileiro está mais ativo e adepto de atividades esportivas. Um desafio que ainda paira, porém, é lidar com falsificações e produtos adulterados.
As estratégias dos gigantes
Multinacionais de bens de consumo, como a suíça Nestlé e a francesa Danone, também entraram no jogo, o que conferiu peso reputacional ao setor.
A primeira adquiriu a marca Pura Vida em 2022, um negócio com faturamento de R$ 300 milhões em 2021, enquanto a segunda introduziu o YoPro, uma bebida com teor mais elevado de proteína em uma categoria conhecida como ready to drink (RTD).
O boom fomenta novos negócios como a Growth Supplements, marca de whey protein adquirida pela startup “unicórnio” - avaliada em US$ 1 bilhão ou mais - de marcas digitais Merama. E abre espaço para a consolida de companhias que começam a faturar os seus primeiros bilhões, com estratégias de casas de marcas.
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O Grupo BRG, dono das marcas Integral Médica, Nutrify e Darkness, registrou o seu primeiro R$ 1 bilhão em receita no ano passado, com ritmo de crescimento de 25% ao ano desde antes da pandemia.
“A nossa estratégia é fazer a diversificação, com cada marca conversando em um ambiente e com um público específico”, afirmou Filipe Bragança, CEO do Grupo BRG, à Bloomberg Línea.
Para 2025, a companhia prevê o lançamento da sua quarta marca, ainda mantida em segredo.
“O desejo é que, em algum momento, nós possamos ter todos os públicos que trabalham com suplementos e que consomem sendo atendidos por alguma marca nossa”, disse Bragança.
O executivo faz uma analogia com a Volkswagen, holding que tem desde Porsche e Lamborghini à Ducatti e veículos com a marca homônima, com foco em diferentes segmentos.
O negócio, mantido como uma operação familiar e sem planos para sócios externos, começou com a Integralmédica, marca fundada pelo pai, o médico Euclésio Bragança, no começo dos anos 1980.
Em 2011, a empresa começou a se tornar um grupo com a Darkness, focada em quem procura produtos suplementos mais “parrudos”. A estratégia foi reforçada em 2018 com a Nutrify, conectada com o universo dos nutricionistas e com a proposta de usos nas rotinas do dia a dia.
Na divisão por receitas, que devem chegar a R$ 1,250 bilhão no consolidado neste ano, a marca primogênita responde por 60%, e as demais, por 20% cada.
São números comparáveis aos de grandes players internacionais, como o BioTech USA, um dos maiores da Europa.
“No geral, todos os produtos crescem no mercado. Desde as proteínas, que os brasileiros não estavam acostumados a tomar e agora entrou no dia a dia, mas também o ômega 3, a creatina e os aminoácidos”, disse Bragança. A creatina, inclusive, passou a ser o produto com a maior participação do faturamento do grupo.
Estudos recentemente publicados em periódicos especializados como Medicine & Science in Sports & Exercise têm apresentado evidências científicas de benefícios da substância, desde os aspectos mais clássicos, como a melhora do desempenho e de força na execução de exercício físicos, até à manutenção e à regeneração de estruturas ósseas de pessoas com mais idade. As informações contribuíram para levar um novo público às marcas.
“A creatina é um dos produtos mais estudados do mundo, com indicação para pessoas com Alzheimer, para idosos. A creatina, antes usada estritamente para a performance esportiva, ‘furou a bolha’”, disse Mariane Morello, CEO da Supley, holding dona da Max Titanium, Probiotica e Dr. Peanut.
O produto é o segundo mais comercializado no grupo, com 35% do total, atrás apenas do whey protein, com 40%. O restante restante está distribuído na venda de barras protéicas, hipercalóricos, termogênicos, aminoácidos, como BCAA, e colágeno.
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Fundada em Matão, no interior de São Paulo, por Mariane Morelli e pelos irmãos Alberto e Carlos Moretto em 2006, a Supley percorre um caminho diferente da concorrência.
O negócio nasceu com a MaxTitanium e depois, em 2018, houve a aquisição da Probiótica, pioneira no mercado nacional e à época pertencente à multinacional de origem canadense Valeant Pharmaceuticals. No ano passado, uma nova transação: a compra de 50% da Dr. Peanut, marca de pasta de amendoim.
Os movimentos levaram a companhia ao faturamento de R$ 967 milhões em 2023, versus R$ 200 milhões em 2019. A previsão para este ano é de R$ 1,1 bilhão. De tempos em tempos, notícias de uma possível venda do negócio vem à tona, movimento que é negado pela CEO.
“Nós estamos sendo muito abordados porque o tema da saudabilidade está no tema dos maiores fundos, tanto financeiros quanto estratégicos. Mas esse não é o nosso caminho, pelo menos por agora. E, sim, organizar a empresa para um futuro IPO quando o mercado abrir”, disse a CEO.
Segundo Mariane, a aposta da companhia vai em sentido contrário, isto é, de novos M&As. A Supley está com dois contratos de confidencialidade assinado (NDAs).
Apelo da facilidade
“Nós estamos com uma agenda extremamente ativa, com a diretoria executiva atuando. Temos várias frentes, inclusive com bancos que nos ajudam a procurar esse ativo, e um comitê específico para aquisições”, disse a cofundadora e CEO.
A busca é por empresa com faturamento entre R$ 50 milhões e R$ 100 milhões, mesmo patamar da curitibana Dr. Peanut quando da aquisição de participação. A transação deve feita com parte do caixa próprio da companhia.
A compra mira uma marca que contribua para posicionar a Supley para além da performance, no mercado de bem-estar - wellness -, que movimenta em torno de R$ 50 bilhões por ano no país.
“Nós procuramos players com produtos que não temos no nosso portfólio e que consigamos, com a nossa sinergia comercial, principalmente, fazer a marca mais forte, com maior faturamento e uma margem interessante para nós”, disse.
Segundo a CEO, com a Dr. Peanut, um negócio que hoje fatura R$ 130 milhões, a empresa explorou exatamente sinergias comerciais, com abertura de novos canais para a marca, além das operacionais.
Com um portfólio baseado em produtos em pós-treino, seguido por barras e géis, a companhia prepara o seu primeiro movimento em bebidas proteicas líquidas (ready to drink).
A categoria foi inaugurada no país pelo YoPro, da Danone, e seguida por marcas como Piracanjuba, Parmalat, Dux e Nutrify. A linha da Supley está prevista para o primeiro trimestre de 2025.
De acordo com a Euromonitor, a divisão de bebidas prontas para consumo ou shakes com 20 gramas de proteína ou mais por porção cresceu 272% entre 2019 e 2023 no país, com faturamento de R$ 57 milhões. Em 2028, a previsão é alcance R$ 109 milhões, com alta de 91,2% em cinco anos.
Os números não consideram porções inferiores a 20 gramas, hoje a maioria nas gôndolas dos supermercados.
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Em mercados mais maduros, como o americano, o europeu e o japonês, a participação desses produtos é maior - esses países são menos dependentes do whey protein - e conta com maior concentração de proteína.
“Nessas três geografias, nós temos o RTD [ready to drink] já desempenhando um papel bem mais forte, assim como as barrinhas. Juntas, elas têm um peso significativo dentro do mercado de produtos proteicos. No Brasil, esse é um mercado relativamente incipiente”, disse Mariana Teixeira, da Euromonitor.
Espaço para novas marcas
No Brasil, após as companhias de laticínios terem saído na frente, os negócios nativos da indústria de suplementação procuram o seu espaço nas gôndolas, sejam empresas mais tradicionais ou as mais nichadas. É o caso de nomes como a Dobro, marca que ganhou espaço em corridas de rua, mercado no qual competem também a Z2, a Mombora e a Liquidz, entre outras.
“Nós queremos entrar para a categoria de bebida ano que vem [2025], com proteína, isotônico e nitrato prontos para consumos”, afirmou Victor Comper, CEO e cofundador da Dobro, à Bloomberg Línea.
Conhecida por géis e outros itens produzidos com à base de beterraba, a empresa deve dobrar de tamanho neste ano e faturar R$ 40 milhões. Em 2022, a receita era de R$ 5 milhões.
“Nós temos visto mais corredores consumindo géis e um número maior de provas. Ou seja, a onda cresceu e você tem que surfá-la. Quem entrou lá atrás acaba se beneficiando”, disse Comper.
O negócio cresce puxado por uma linha de produtos com nitrato, composto que auxilia no processo de vasodilatação. Entre os benefícios, os produtos prometem aumentar a resistência, diminuir a fadiga muscular e estimular um melhor desempenho esportivo.
A empresa começa a transitar pelo futebol, provendo suplementos para o time feminino do Corinthians, além de ter apoiado atletas olímpicos e paraolímpicos. No radar também está o universo de bem-estar.
“Antes, quem corria era um público tradicional da corrida, mas hoje chegou o pessoal do bem-estar. A partir deste momento, eu também quero entrar no universo deles, encontrando os ambientes em que treinam e como consomem os meus produtos”, afirmou o CEO.
Para buscar a conexão, além de bebidas prontas, a Dobro tem entre os próximos passos o desenvolvimento de novas formas de consumo de nitrato e a repaginação das barras proteicas, produto com o qual o iniciou o negócio há quase sete anos.
Em um mercado em franco crescimento, as ações de marcas tradicionais e de entrantes podem abrir espaço para mais competidores e formatos de consumo.
Apesar do aumento da presença em gôndolas e em anúncios nas redes sociais, o setor está concentrado em poucas empresas, que detém 70% de participação. Ou seja, tem muito espaço para crescimento.
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