Políticas contra violência devem superar repressão ao tráfico na América Latina

Especialistas ouvidos pela Bloomberg Linea veem risco de retrocesso a modelo dos anos 1980 com a volta de Trump ao poder

La mutación del narcotráfico en América Latina: ¿cómo reducir la violencia y la presión de Trump?
30 de Maio, 2025 | 11:28 AM

Leia esta notícia em

Espanhol

Bloomberg Línea — Esta é a segunda de duas partes de uma reportagem da Bloomberg Línea sobre a mutação do tráfico de drogas na região.

Os governos latino-americanos devem apostar em novas políticas focadas na redução da violência e na modernização institucional para enfrentar o tráfico de drogas, mesmo que Donald Trump insista, como fez com o México, em intensificar as ações militares, concordam os especialistas consultados pela Bloomberg Línea.

PUBLICIDADE

“A América Latina está procurando uma resposta para o problema da violência relacionada ao tráfico de drogas e, infelizmente, a mão de ferro não está funcionando para reduzi-la”, disse Elizabeth Dickinson, pesquisadora sênior para os Andes do International Crisis Group (ICG), à Bloomberg Línea.

A ação militar também não conseguiu conter a produção de drogas, muito menos impedir que doses de cocaína chegassem a mais consumidores.

“O consumo nocivo de drogas nos Estados Unidos se acelerou“ e na ”Europa aumentou 80% desde 2011″, diz a ONU em seu último Relatório Mundial sobre Drogas.

PUBLICIDADE

Leia mais: Tráfico se reinventa na América Latina com modelo em pirâmide e investidores ocultos

Na Colômbia, o país com o maior cultivo de coca do mundo, a área cultivada aumentou 10% e a produção potencial de cocaína cresceu 53% em 2023, de acordo com os resultados do Sistema Integrado de Monitoramento de Culturas Ilícitas (SIMCI), publicados em outubro de 2024.

Além disso, os tentáculos do narcotráfico se espalharam para o Equador, um dos pontos de partida das drogas para a América Central – mas também para a Europa – e para a Costa Rica, um ponto de trânsito de onde as drogas saem para o México por rodovias, com consequências como o aumento da violência. Ambos os países registraram a segunda maior taxa de homicídios da história no ano passado.

PUBLICIDADE

O Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Turk, pediu políticas de “regulamentação de drogas” baseadas na saúde pública para substituir as “medidas punitivas”.

“A chamada guerra contra as drogas fracassou, total e completamente”, disse Turk na segunda conferência Dealing with Drug, em dezembro de 2024.

“A criminalização e a proibição não conseguiram reduzir o consumo de drogas ou deter os crimes relacionados a elas. Essas políticas simplesmente não funcionam.”

Volker Turk, Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos

Então, por que a região insiste na mesma fórmula de combate às drogas?

PUBLICIDADE

Dickinson diz que, por um lado, a região não tem se mostrado aberta a um novo diagnóstico do problema, embora tenha sido comprovado que as redes de tráfico de drogas mudaram e agora estão mais fragmentadas, o que dificulta seu desmantelamento, mesmo que alguns de seus líderes sejam capturados.

“Há outra coisa que funciona contra isso: os países consumidores estão exigindo cada vez mais resultados dos países produtores”, diz ela. “Nesse sentido, os governos estão mais preocupados com apreensões, capturas e resultados operacionais mais tangíveis, embora devessem se concentrar em como reduzir a violência.”

Mas há algo mais. Enquanto os países consumidores vêm abrindo as portas para as políticas de “redução de danos” às drogas, o que na prática significa aprender a conviver com elas, “nos países produtores, ironicamente, elas são menos aceitas”, acrescenta a especialista.

Leia mais: Quanto tempo pode durar a fraqueza do dólar? Os fatores que pesam sobre o câmbio

‘Com Trump, um retrocesso’

“Duas semanas após a posse de Trump como presidente, sua colega mexicana, Claudia Sheinbaum, ordenou o envio de 10.000 militares para a fronteira com o objetivo de conter o tráfico de fentanil para os Estados Unidos e evitar as tarifas impostas por seu vizinho.

Mexico Starts To Deploy Troops At US Border

O ICG espera que Trump exerça pressão semelhante sobre outros países da região e que seus governos adotem uma abordagem de “punho de ferro” para combater o crime.

Por exemplo, em seu Relatório de Estratégia Internacional de Controle de Narcóticos (INCSR), os EUA dizem à Colômbia que, “devido ao cultivo recorde de cocaína, o governo precisa fazer progressos imediatos e tangíveis na erradicação”.

E o Equador, um dos países regionais mais próximos do governo Trump, provavelmente contará com o apoio dos EUA para combater o tráfico de drogas e aplacar os grupos criminosos, mas à moda antiga.

Em 1º de abril, por exemplo, os Estados Unidos aprovaram a possível venda de espoletas e armas ao Equador por US$ 64 milhões, o que evidencia a nuance que a relação entre os dois países pode assumir.

“Trata-se de um alinhamento sem qualquer capacidade de interpelação e gestão harmônica em termos dos principais interesses do Equador”, diz Daniel Pontón, analista equatoriano de violência, crime e segurança, à Bloomberg Línea.

Leia mais: Lula e Xi selam mais de 30 acordos, enquanto Brasil equilibra relações com os EUA

Assim como Dickinson, o especialista argumenta que a “militarização extrema” tem efeitos contraproducentes, ao mesmo tempo em que questiona a possibilidade de o Equador implementar uma política atrasada contra o tráfico de drogas.

“É um símile dos anos 1980 ou 1990 na Colômbia”, diz Pontón. “Se há algo que se repete no tempo e no espaço, e permanece intacto, é a estratégia antidrogas dos EUA.

O problema é que, no momento, não há na região nenhum líder que proponha “soluções” diferentes das apresentadas por Washington.

“Não há nenhuma voz dizendo ‘chega, não vamos colocar mais mortos nesta guerra’ e, portanto, pressionar para que haja colaboração entre nós na América Latina”, diz Dickinson. “Com Trump, caminhamos para um retrocesso.”

Ministerio de Defensa Nacional del Ecuador

Mike Vigil, ex-diretor de operações internacionais da Drug Enforcement Administration (DEA), minimiza a importância das decisões de Trump sobre essa questão.

“Não acho que ele se importe com as drogas e as medidas que está tomando são puro teatro político”, disse o ex-agente à Bloomberg Línea, referindo-se à declaração dos cartéis mexicanos como grupos terroristas, embora essa medida envolva ações de longa data, incluindo o congelamento das contas bancárias dos membros dessas estruturas nos Estados Unidos e o impedimento de sua entrada no país.

“Trump enviou milhares de tropas para a fronteira com o México, mas a maioria das drogas passa por postos de controle legais na fronteira e é transportada para os Estados Unidos principalmente por americanos.”

Mike Vigil, ex-direcor de operações internacionais da DEA

Na opinião do especialista, se o presidente dos EUA quisesse causar impacto nas redes de tráfico de drogas, ele deveria abordar o fluxo de armas através da fronteira com o México, possibilitado pelo pagamento de subornos.

“Creio que aproximadamente 250.000 armas entram no México anualmente, muitas delas nas mãos dos cartéis, e a pergunta é: por que vocês estão armando esses criminosos que supostamente querem combater?

Leia mais: Temor fiscal é obstáculo a investimento estrangeiro, diz presidente da Câmara

Como resolver o problema?

Embora tenha sido sugerido no debate público que a regulamentação das drogas pode ser uma solução para o problema da violência, Dickinson não tem certeza de que esse seja realmente o caso.

“Algo muito particular sobre o tráfico de drogas é que, devido à extensão da cadeia, seja de produtos sintéticos ou orgânicos, ele exige algum tipo de controle territorial. Pode ser o controle de plantações, de uma estrada ou de um município inteiro”, diz ele. “Uma vez que a estrutura criminosa esteja instalada, ela pode facilmente se voltar para outros mercados, como a mineração ilegal e o tráfico de pessoas.

Assim, a especialista e o ICG veem a necessidade de modernização institucional, especialmente das forças de segurança, dos escritórios do Ministério Público e dos sistemas judiciais, para combater a violência, embora a gama de alternativas seja extensa.

“Vários estados fizeram progressos significativos (...) na qualificação de promotores, otimizando suas capacidades de investigação e fortalecendo os métodos legais disponíveis”, reconhece o relatório.

Ele revela até mesmo o impacto que a redução de sentenças teve como estratégia judicial para incentivar os membros das estruturas criminosas a fornecer mais detalhes sobre as operações.

“A capacidade dos promotores e juízes de oferecer sentenças mais leves em troca de suspeitos que descrevam em detalhes as atividades criminosas nas quais estavam envolvidos é possivelmente o avanço mais importante na eficácia dos sistemas judiciais da América Latina.”

ICG

As sugestões para os governos também incluem um modelo diferente de policiamento baseado na comunidade, a criação de órgãos de contra inteligência confiáveis que não estejam permeados pela corrupção, o fornecimento de meios de subsistência alternativos em comunidades vulneráveis e o diálogo com criminosos em busca de acordos para reduzir a violência.

Em Buenaventura, no Pacífico colombiano, que é uma das populações mais afetadas pela violência, o governo do presidente Gustavo Petro criou um laboratório de paz urbana com os Shottas e Espartanos, duas estruturas armadas que lutam por aluguéis ilegais e controle territorial, para reduzir a violência, por exemplo.

Linda Posso, coordenadora da Fundação Paz e Reconciliação (PARES) no Pacífico, disse à Bloomberg Línea.

“Com o tempo, ficou claro que, de certa forma, a trégua entre essas duas gangues, como resultado dos diálogos, estava contribuindo para a redução dos homicídios e das fronteiras invisíveis, embora elas não tenham desaparecido completamente”, diz Posso.

Agora, a trégua foi quebrada e Posso garante que a redução da violência não pode ser deixada apenas nas mãos dos Shottas e Espartanos.

Leia mais: Descriminalização de maconha para uso pessoal acelera novos negócios no Brasil

Há uma governança criminosa na qual não apenas os grupos armados estão envolvidos, mas também empresários interessados em garantir que a extorsão funcione e que os níveis de violência sejam mantidos", diz ela. “As estruturas não estão operando sozinhas, elas operam com a permissão, muitas vezes, das instituições.”

Pontón acredita que o Equador não entendeu a dinâmica da violência, além de sua relação com o tráfico de drogas, e, como resultado, não há um plano de política pública destinado a resolver o problema.

“Quando a Colômbia teve esses problemas, desenvolveu suas capacidades para lidar com eles, tanto que os ‘violentólogos’ ficaram famosos”, diz Pontón. “Muitos falam sobre a lógica mais abstrata do tráfico de drogas e do crime organizado, mas não entendem que a violência deve ser compreendida em termos de dinâmica microssocial.

Proposta sempre esteve no papel, mas não necessariamente reduziria a violência associada ao tráfico de drogas.

Ao fazer isso, ele acredita que a reforma das prisões e da justiça poderia ser o primeiro passo para gerenciar a violência em longo prazo.

“No Equador, há um problema de capacidade, que se traduz em deficiências no gerenciamento das principais instituições de segurança, como o sistema judiciário e penitenciário”, diz Pontón. A isso ele acrescentaria “um bom sistema de investigação criminal, que se adapte às novas ameaças do crime organizado e seja mais resistente”.

Vigil, por outro lado, diz que a “única maneira de acabar com o tráfico de drogas é os Estados Unidos e outros países, mas principalmente os Estados Unidos, reduzirem a demanda por essas drogas ilegais”.

Como? “Com educação. Educando sobre o perigo de usar drogas e a possibilidade de overdoses quando não há controle de qualidade”, diz ele.

Leia também

BC tem razões para continuar a elevar a Selic, diz Alberto Ramos, do Goldman Sachs

Esqueça as tarifas. Foco deve estar nos negócios, diz investidor de Facebook e Nubank

Por que o Brasil pode estar prestes a receber onda de marcas de relógios de luxo

Carlos Cuevas

Comunicador social, jornalista e mestre em escrita criativa com mais de oito anos de experiência profissional. Ex-repórter no El Tiempo, ex-editor de fim de semana no Infobae Colômbia e ex-editor de notícias de última hora na Revista Semana.