Crise imobiliária: americanos que querem se mudar não acham casas que podem pagar

Preços elevados, grave escassez de imóveis disponíveis e taxas de hipoteca que dispararam têm forçado cada vez mais famílias a adiar planos de mudança nos EUA

Casa em construção no estado do Arizona, nos EUA: mercado tenta acelerar construção para atender a demanda (Foto: Rebecca Noble/Bloomberg)
Por Paulina Cachero
31 de Julho, 2023 | 05:15 AM

Bloomberg — Nunca foi tão desafiador encontrar uma casa acessível para comprar nos Estados Unidos. Preços elevados, grave escassez de imóveis disponíveis e taxas de hipoteca que mais que dobraram em relação aos mínimos históricos de apenas alguns anos atrás têm forçado um número crescente de americanos a adiar suas próximas mudanças e outras decisões importantes na vida.

O impasse toma conta do mercado imobiliário, em parte porque americanos aproveitaram as taxas de juros historicamente baixas para comprar casas ou refinanciar hipotecas e obter custos de empréstimos mais baixos. Mais de nove a cada dez proprietários de casas nos EUA com hipotecas - ou 46,1 milhões de pessoas - têm uma taxa abaixo de 6%, de acordo com um relatório de junho da Redfin Corp.

Essas taxas baixas foram uma espécie de presente econômico para proprietários, um benefício do qual poucos desejam abrir mão. Mas, para muitos deles, a situação os deixou como se estivessem presos.

Uma família que cresceu permanece em uma casa que se tornou pequena demais. Uma mãe solteira está presa em uma casa que precisa de muitos reparos caros. O sonho de um casal cujos filhos saíram de casa de se mudar para um lugar menor no bairro que eles amam está desaparecendo.

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Esses desafios estão ocorrendo em todo os Estados Unidos em um momento em que os valores dos imóveis dispararam, os custos de empréstimos aumentaram e o estoque de casas existentes é cerca da metade do que era há quatro anos, antes do frenesi de compras durante a pandemia.

Os construtores estão correndo para aumentar a produção, mas isso por si só não pode resolver a lacuna entre oferta e demanda - e leva tempo até o reequilíbrio. Em grande parte, o grupo que historicamente manteve o mercado em movimento está ausente: proprietários dispostos a vender.

“Acredito que as pessoas esquecem que a grande maioria dos vendedores também busca comprar ao mesmo tempo”, disse Danielle Hale, economista-chefe da Realtor.com. “Quando as condições são difíceis para os compradores, isso pode limitar o inventário de vendas também.”

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Sem a rotação normal no mercado imobiliário, tanto os potenciais compradores quanto os vendedores estão presos em uma situação de espera.

As taxas de juros das hipotecas são uma das principais razões para o impasse. É improvável que o bloqueio do mercado se alivie significativamente em breve, já que as taxas enfrentam mais pressão para subir, em vez de estabilidade ou queda. O Federal Reserve aumentou sua taxa de referência para a máxima de 22 anos na última semana, de 5,25% a 5,50%, e abandonou sua previsão de uma recessão.

Os desafios do estoque de imóveis também persistem há meses. Um indicador de proprietários que colocaram seus imóveis à venda caiu 26% em junho em relação ao mesmo período do ano passado, mostram dados da Realtor.com.

Muitas das pessoas que permanecem estão aqueles que refinanciaram seus imóveis quando as taxas de empréstimo de 30 anos estavam em torno de 3%. Mudar e comprar um novo lugar para morar agora, com taxas de juros próximas a 7%, significaria obter um empréstimo mais caro - mais que o dobro. Mesmo que uma venda pudesse render um grande lucro inicial, não faria sentido financeiramente se o que estiver disponível para a mudança estiver fora do alcance.

Entre os proprietários dos EUA que dizem que planejam vender nos próximos três anos, 67% estariam dispostos a esperar até que as taxas de hipoteca diminuam, de acordo com uma pesquisa recente da Credit Karma. Os millennials foram os mais propensos a dizer que adiariam suas mudanças.

“Muitos millennials experimentaram demissões em massa e viram a bolha imobiliária estourar em 2008″, disse Aniva Hinduja, gerente geral de casa e hipoteca da Credit Karma. “Estão sendo cautelosos porque entendem a magnitude de tomar boas e más decisões de habitação. Eles estão adiando essas decisões e fazem grandes sacrifícios em relação a seus filhos, relacionamentos e vidas pessoais.”

Aqui estão as histórias de algumas pessoas presas na estagnação do mercado imobiliário.

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Sem espaço para crescer

Daniel Hart e sua esposa Adrienne mudaram-se para Redwood City, na área da Baía de São Francisco, em 2019: apaixonaram-se por uma casa dos anos 1960 nas colinas.

O imóvel com quatro quartos e 186 metros quadrados - agora avaliado em US$ 2,2 milhões - era grande o suficiente para começar uma família. Mas agora que os dois filhos do casal se aproximam da idade escolar, a família precisa de mais espaço. “[As crianças] estão crescendo, e o espaço, ficando um pouco pequeno”, disse Daniel. “Também temos pais idosos que querem nos visitar.”

Daniel e Adrienne Hart em sua casa em Redwood City, na área da Baía de São Francisco (Foto: Michaela Vatcheva/Bloomberg)dfd

Embora o mercado na região de São Francisco esteja mais calmo - ou menos disputado - após anos de guerras implacáveis de lances, as casas ainda são notoriamente caras, e taxas de hipoteca mais altas reduzem o poder de compra da família. Também é difícil para o casal abrir mão de seu empréstimo atual com taxa de 2,95%, disse Hart, 44 anos, gerente sênior de uma grande empresa de tecnologia.

“Temos carreiras sólidas e ganhamos bem”, disse ele. “Mas os custos na área da Baía de São Francisco são astronômicos.”

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Casas adequadas - com mais espaço, em um bairro com escolas de qualidade e preços razoáveis o suficiente para manter uma reserva financeira - estão a milhares de quilômetros de distância nos estados do Sun Belt.

Hart disse que o orçamento dele e de sua esposa, que trabalha como consultora em uma empresa de tecnologia, tornaria difícil fazer um upgrade com dois filhos na área da Baía de São Francisco, onde um estudo estima que custa mais de US$ 35.000 por ano para criar um único filho.

“Os preços das casas que estamos procurando aqui não se encaixam no que podemos pagar”, disse Hart.

Casa antiga e aluguel caro

Com oito meses de gravidez e a centenas de quilômetros de distância na Geórgia, Madelyn Machado estava ansiosa para voltar para perto de sua família em Tampa, na Flórida - e em breve. Em julho de 2020, ela comprou uma casa com três quartos para reformar por US$ 365.000, fechando o negócio rapidamente, embora a inspeção tenha revelado uma longa lista de problemas.

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Com uma taxa de hipoteca de 2,75% e pagamentos mensais de US$ 2.700, a coach de carreira achou que conseguiu um bom negócio para a casa, equipada com piscina e portas francesas para aproveitar o sol da Flórida.

Mas, depois que trabalhadores remotos com altos salários transformaram Tampa em uma cidade em ascensão durante a pandemia, o valor de sua propriedade disparou para US$ 620.000, e seus impostos e prêmios de seguro aumentaram junto.

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De repente, os custos mensais de moradia da mãe solteira totalizaram US$ 3.400. Isso sem contar a conta de US$ 80.000 que ela acumulou com a troca e o conserto de eletrodomésticos da década de 1960, além de tubulações antigas. Como inquilina, ela estava acostumada com proprietários que cuidam dos reparos.

Madelyn Machado em sua casa em Tampa: boom imobiliário da Flórida fez o valor de seus pagamentos mensais dobrar de valor (Foto: Thomas Simonetti/Bloomberg)dfd

“Quando algo dá errado na sua casa, você é responsável por isso”, disse Machado, 34 anos. “E algo sempre está quebrando.”

O patrimônio líquido da casa ajudará Machado a construir uma vida melhor para ela e sua filha no longo prazo, disse ela. Mas o estresse de criar uma criança de 3 anos enquanto acompanha uma corrente constante de projetos em casa muitas vezes a faz querer se livrar do lugar.

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“Estou presa”, disse ela. “Se eu quiser vender minha casa, o aluguel é tão caro que não faz sentido.”

Gastos mensais triplicariam

Depois do divórcio, a única maneira encontrada por Kathryn Vaughn para conseguir comprar uma casa com seu salário de professora em Covington, no estado do Tennessee, foi por meio de um programa de bolsas federais que permite que os candidatos não paguem uma entrada. Em 2013, ela comprou uma casa de campo do meio do século passado por cerca de US$ 115.000.

Os preços dispararam na região depois que a Ford anunciou planos para construir uma fábrica de veículos elétricos, e a casa de Vaughn foi avaliada recentemente em mais do que o dobro do preço de compra. Um refinanciamento reduziu os juros de sua hipoteca inicial de 3% para 2%, mas os custos de seguro e impostos aumentaram, elevando seus pagamentos mensais totais para US$ 1.110. Eles haviam começado em US$ 750 - “como o aluguel de Carrie Bradshaw em Nova York”, disse ela.

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Além dos custos crescentes, Vaughn, 43 anos, disse que viu o clima político do estado tomar uma guinada à direita em questões LGBTQ e outrasque têm implicações tanto para seu trabalho na sala de aula quanto para criar o filho pequeno que ela compartilha com o novo marido. Eles pesquisaram casas em estados mais progressistas, como Novo México, Nova York e Califórnia.

A professora Kathryn Vaughn em sua casa em Covington, no estado do Tennessee: mudança de casa hoje significaria triplicar o valor que gasta mensalmente (Foto: Lucy Garrett/Bloomberg)dfd

“Estamos tentando nos mudar com o meu salário de professora”, disse ela, mas com nenhuma opção disponível por menos de US$ 400.000, seus pagamentos triplicariam se optasse por casas mais caras.

“Sou uma millennial mais velha que passou por duas crises financeiras e estou cautelosa em assumir mais dívidas”, disse Vaughn. “Estamos esperando que as taxas de juros diminuam e que mais casas estejam disponíveis no mercado.”

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Casa valorizada não resolve

Localizada em um terreno de cerca de 4.000 metros quadrados em um subúrbio de Minneapolis, a casa de vários andares que Deon LaBathe e seu marido compraram por US$ 130 mil em 1989 era o lugar perfeito para criar três filhos.

Mas, com os filhos crescidos e “fora do ninho”, a casa é grande demais, disse LaBathe, 64 anos, cujo marido morreu em 2017. Ela quer mudar para uma casa de um nível só, menor que os 158 metros quadrados que ela tem agora, mas espaçosa o suficiente para receber os filhos e os netos nos feriados.

Idealmente, seria no mesmo bairro, onde a administradora da escola pública poderia permanecer perto de amigos, família e do médico que ela conhece e a atende há anos.

Sua casa atual está paga e mais que triplicou de valor desde que mora lá, o que potencialmente significa uma boa quantia para uma nova compra. Mas, com outros casais em situação semelhante, as opções são escassas. E, a apenas um ou dois anos da aposentadoria, ela reluta em assumir uma hipoteca.

“Aquilo talvez tenha sido um sonho impossível”, disse ela. “O que encontrei de imóvel é provavelmente mais caro e representa um investimento maior do que eu gostaria.”

LaBathe agora está se conformando com uma visão diferente para sua aposentadoria. Ela sabe que, se quiser se mudar, precisará expandir sua busca além de sua comunidade.

“Quando você tem uma casa cheia de memórias em que criou sua família, você quer levar essas memórias para sua próxima casa”, disse ela. “Mas hoje não sei se isso é realista.”

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