Estiagem na Amazônia amplia perdas para lavouras e economia local

Pior seca da história na região afeta agricultores, comerciantes e grandes empresas que dependem dos rios e das chuvas, prejudicando a atividade na região

Queimada na Amazônia
Por Sam Cowie e Rodrigo Pedroso
30 de Novembro, 2023 | 03:31 PM

Bloomberg — A vagem que Justino Lira colheu em sua terra próxima ao rio Amazonas tinha aparência anêmica. A seca deste ano estragou quase todos os seus pés de feijão, repolho, milho, mandioca e quiabo. Quase nada sobreviveu. “Nunca vi nada parecido”, disse Lira, de 63 anos.

Normalmente ele pedia ajuda aos netos para colher e, duas vezes por semana, carregava seu barco para atravessar o rio até a cidade de Manacapuru, para vender os produtos a uma rede de supermercados local, ganhando cerca de R$ 1.200 por mês para complementar sua aposentadoria de professor.

Mas a área em frente à sua casa se transformou em uma paisagem árida, e no início de novembro, ele estava sem água corrente havia um mês. Em seu vilarejo de cerca de 170 famílias, outras pessoas partiram em busca de empregos temporários na cidade à medida que a pesca e a agricultura familiar secaram.

Todos nesta parte do Brasil que dependem do rio Amazonas e seus afluentes para ganhar a vida – desde pequenos agricultores como Lira até proprietários de restaurantes ribeirinhos e líderes de empresas multinacionais – sofrem com a pior seca da história da região. É outro fator de estresse para a já frágil saúde da floresta amazônica, um baluarte crucial contra as alterações climáticas.​

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​Os especialistas culpam uma combinação do El Niño com o aquecimento do Oceano Atlântico, provavelmente agravado pela crise climática. Eles afirmam que as secas severas na Amazônia e outros eventos climáticos extremos — como as inundações recordes de 2021 — provavelmente se intensificarão à medida que as temperaturas globais aumentarem.

“O que as projeções mostram é que é mais provável que ocorram eventos climáticos extremos na Amazônia, especialmente secas extremas”, disse Erika Berenguer, cientista climática e pesquisadora associada sênior na Universidade de Oxford.

A seca afetou diretamente cerca de 600.000 pessoas no estado do Amazonas, onde vive Lira, e todos os seus 62 municípios declararam estado de emergência. Quase quatro vezes o tamanho da Califórnia, o Amazonas cobre uma área de 1,6 milhão de quilômetros quadrados, grande parte dos quais acessível só por avião ou barco.

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“Nossa principal via de conexão com o Brasil e o mundo é pelo rio”, disse o secretário estadual de Desenvolvimento, Serafim Corrêa. “Na Amazônia, o rio comanda a vida.”

Lailton Dias da Silva, de 48 anos, que mora a cerca de 220 quilômetros de Lira, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Madeira, disse à Bloomberg Green que as 44 comunidades que compõem a reserva sofrem um duplo golpe com a baixa produção e dificuldades para os barcos realizarem o transporte.

“Isso causou um desequilíbrio total na nossa agricultura familiar”, disse ele.

Darli Leão, de 50 anos, é dono de um bar e restaurante flutuante no lago Puraquequara, perto de Manaus. Agora o estabelecimento fica em lodaçais onde o lago secou. Ele disse que foi forçado a demitir seis funcionários e contrair dívidas de R$ 10 mil por falta de clientes. Ele também perdeu o que deveria ter sido um feriado municipal lucrativo porque os clientes não apareceram.​

​​​“Nunca imaginei algo assim”, disse ele, lembrando que durante a forte seca de 2010 ainda tinha movimentação. “A preocupação agora é: será assim todos os anos?”

No mercado de peixe, os pescadores falam das dificuldades causadas pela seca – mais tempo passado no rio devido às dificuldades de navegação, o que por sua vez aumenta o risco do peixe estragar e aumenta os custos.

“Os custos do combustível, do gelo, de tudo, subiram”, disse José Pereira, de 62 anos, que se disse obrigado a repassar os custos extras aos consumidores.

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Prejuízo para os negócios

​​​As empresas também estão sentindo o impacto. A transportadora Bemol é frequentemente apelidada de “a Amazon da Amazônia” por sua capacidade de entregar artigos que as pessoas encomendam de seus celulares em cidades remotas do interior.

O diretor-presidente Denis Minev estava apreensivo em relação ao período da Black Friday, época mais importante do ano para o varejo, que no Brasil dura todo o mês de novembro.

No porto dos Super Terminais, em Manaus, guindastes elétricos novos movidos a energia solar ficaram parados por causa da seca. Grandes navios que transportavam milhares de contêineres não conseguiram atracar durante semanas devido aos baixos níveis de água, forçando as empresas a utilizar barcaças que transportam apenas 10% da carga que os navios transportam.

​​​Minev disse que houve um aumento enorme dos custos. As empresas foram forçadas a contratar serviços caros de transporte por caminhão para entregar mercadorias ao longo da BR-319, que não é asfaltada.

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Com a seca, alguns fabricantes da Zona Franca de Manaus decretaram “férias coletivas” antecipadas. Um deles, a Samsung, disse: “Operaremos nosso programa de produção com flexibilidade para responder a qualquer necessidade e minimizar o impacto”.

​Sergio Mendes, diretor-geral da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais, disse que o Brasil ainda caminha para exportar um volume recorde de soja e milho.

“Há dificuldades”, disse ele. “Mas nada que não tivesse sido previsto antecipadamente pelas tradings.”

A seca começou no início de setembro e cientistas climáticos esperam que dure até ao início de dezembro. A estação chuvosa geralmente começa no final de outubro ou início de novembro.

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“As mudanças climáticas já são uma realidade para essas comunidades”, disse Valcléia Solidade, superintendente de desenvolvimento comunitário da Fundação Amazônia Sustentável. “Mas ninguém quer pagar a conta de investir em estruturas que reduzam os impactos que estão sentindo hoje.”

​Este ano foi o mais quente já registrado em todo o mundo e espera-se que o próximo ano seja ainda mais quente. Os cientistas preveem uma estação chuvosa mais fraca nos próximos meses, o que, combinado com o pico do El Niño e os seus efeitos no próximo ano, poderá tornar a estação seca de 2024 ainda mais severa.

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“Uma seca mais longa que a deste ano, de 4 ou 5 meses, sufocaria a indústria”, disse Corrêa. “A partir de agora teremos que dragar os rios todos os anos, antes da época de seca, para evitar que tudo pare.”

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