Bloomberg Línea — A alta global dos preços do azeite de oliva, impulsionada por uma crise de produção sem precedentes na Europa, tem sido sentida por consumidores mundo afora. Por outro lado, também tem ajudado a transformar o cenário da indústria do setor no Brasil - especialmente dos produtos de maior qualidade e preço.
“Para o azeite nacional, a crise no resto do mundo é uma tremenda oportunidade”, disse Jerônimo Santos, proprietário da Fazenda Serra dos Tapes, uma das marcas mais premiadas de azeite do Brasil, em entrevista à Bloomberg Línea. “Estamos conseguindo atingir mais pessoas e provocá-las a provarem nossos azeites”, disse.
O impulso aos produtores brasileiros se dá especialmente por causa de uma mudança na ancoragem dos preços do azeite, dado que a inflação mudou a percepção do consumidor sobre o custo-benefício do azeite nacional.
Quando uma garrafa do produto importado mais simples custava R$ 20, a diferença era muito expressiva para o produto nacional premium, que poderia sair por cerca de R$ 80.
Como a produção no Brasil não foi afetada pelas secas que prejudicaram as plantações de oliveiras na Europa, os preços do produto brasileiro de alta qualidade se mantiveram praticamente estáveis, enquanto o valor do azeite importado mais simples subiu para mais de R$ 50 por um recipiente de 500 ml.
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“No Brasil, tínhamos uma diferença de valores de quase 50%. A garrafa do azeite nacional custava o dobro de um importado de menor qualidade. Agora, muitos dos preços quase se igualaram”, disse Renato Fernandes, presidente do Instituto Brasileiro de Olivicultura (Ibraoliva), em entrevista à Bloomberg Línea.
Na visão do executivo, a situação criou uma oportunidade para que o consumidor brasileiro aceitasse pagar um pouco mais para experimentar um azeite nacional especial.
“Houve uma mudança no entendimento da população, que já não questiona os preços e entende que o produto brasileiro é diferenciado em sua qualidade, estando muito à frente dos azeites comerciais comuns”, disse.
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Segundo Santos, há um consenso entre produtores brasileiros de que o momento é muito favorável. “Não torcemos para que isso [as secas na Europa] aconteça. Quem trabalha no agro sabe o que significa a frustração de uma safra, e queremos boas colheitas em todo o mundo.”
Tom semelhante é usado na análise do sócio e diretor de Marketing da produtora Azeite Puro, Rafael Farina.
Segundo ele, o produto importado de marcas populares, que é vendido em grandes quantidades, chegava ao Brasil com o preço do litro que custava apenas 10% do valor dos azeites da empresa brasileira, o que limitava a competitividade no mercado nacional.
“Estive na Espanha no ano passado e vi muitas empresas médias e grandes fazendo cálculos na ponta do lápis. Não posso ficar feliz que haja crise em qualquer parte do mundo. Mas não podemos negar que o azeite importado ficou mais caro”, disse Farina à Bloomberg Línea.
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Preço e qualidade
Na equação que compara os azeites brasileiros com os importados, pesam as diferenças não só de preço mas também de qualidade.
Enquanto a Europa produz e exporta para o Brasil grandes volumes de um produto mais simples - e barato -, o país ainda engatinha na quantidade de litros produzidos, mas se destaca em qualidade.
Fernandes disse que mais de 80% dos azeites comercializados no Brasil são fraudados quanto à sua categoria, com defeitos que deveriam desclassificá-los como extravirgem, o que confere uma qualidade superior ao produto de origem brasileira, que não é o alvo principal de fraudadores.
“Quando o consumidor experimenta o azeite brasileiro bom de verdade, ele não volta mais”, afirmou.
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Apesar de ainda ser um player pequeno no contexto internacional, o país tem registrado avanços na produção de azeites premium, com qualidade reconhecida mundialmente e premiações.
Essa conjuntura abre espaço para o fortalecimento das marcas brasileiras e para o aumento do consumo interno de produtos nacionais.
O Brasil já conquistou mais de 700 prêmios internacionais por seus azeites, consolidando-se como um produtor relevante no mercado premium.
“O preço mais alto do produto importado se tornou uma oportunidade para mostrar que vale mais a pena gastar um pouco mais e comprar um azeite nacional de qualidade maior”, disse Farina.
Segundo ele, a percepção de valor e os hábitos culturais são muito importantes para aumentar a presença do azeite de qualidade superior na mesa dos brasileiros.
“Na Europa, o azeite extravirgem de qualidade não é um artigo de luxo, nem mesmo agora que subiu de preço, tanto que o consumo não cai tanto. Aqui no Brasil é um artigo de luxo pois o azeite que a gente produz, de altíssima qualidade, tem custos de produção muito altos, e os impostos também são altos”, explicou.
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Jerônimo Santos, da Fazenda Serra dos Tapes, concorda com o diagnóstico e diz que a referência média do brasileiro em relação a azeites “é muito distorcida da realidade”.
“O brasileiro formou seu paladar com azeites sem amplitude de aromas, mais simples, sem amargor ou picância. A crise do produto importado nos dá a chance de trazer uma referência nova para o consumidor brasileiro, com produtos que entregam muito mais sabor e qualidade”, disse.
Segundo Fernandes, quando essa mudança de patamar de qualidade acontece, o padrão individual de consumo do azeite se transforma. “Assim como no mundo do vinho, há uma evolução no paladar, e quem conhece o produto de mais alta qualidade não consegue voltar a tomar o mais simples”, disse.
Produção nacional
Apesar do reconhecimento da oportunidade para a promoção do azeite brasileiro, a produção nacional ainda é considerada pequena.
“Somos uma potência em nível de consumo, mas ainda produzimos muito pouco”, disse Fernandes, citando dados da Ibraoliva.
Segundo ele, o país é o segundo maior consumidor do mundo em volume absoluto, com 100 milhões de litros por ano. O consumo per capita, entretanto, ainda é baixo, de 400 ml por ano, ante 10 litros em alguns países da Europa.
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O Brasil produz hoje cerca de 400 mil litros de azeite por ano, o que está muito aquém da demanda do país. São cerca de 7.000 hectares plantados, a maioria no sul do país, onde a Embrapa tem desenvolvido estudos para ampliar a produção.
“Estamos investindo em novas indústrias, equipamentos modernos, e empresários de diferentes áreas têm demonstrado interesse na capacidade de crescimento do setor”, disse.
De acordo com Fernandes, os investimentos na área estão em expansão. Ele citou especialmente a empresa Azeite Puro, de propriedade do grupo Todeschini, fabricante de móveis planejados, como uma das empresas que têm potencial de muito crescimento na área.
Na opinião de Rafael Farina, sócio e diretor de marketing da Azeite Puro, ainda é um produto novo, mas em um mercado promissor. “O azeite extravirgem brasileiro não fica nada atrás dos grandes produtores do mundo. O que difere é o tamanho da produção e a cultura de consumo”, disse.
O turismo também tem desempenhado um papel importante no fortalecimento do setor. Fernandes mencionou que o chamado “olivoturismo” no Rio Grande do Sul já atrai cerca de 500 mil visitantes por ano, com um tíquete médio de compras de R$ 200 por pessoa.
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