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Bloomberg Opinion — A verdadeira especialidade da Apple (AAPL) não é a tecnologia de consumo. É o marketing. Poucas outras empresas na história da humanidade conseguiram separar eficientemente as pessoas de seu dinheiro em tal escala.

Portanto, quando esse rolo compressor do marketing volta suas habilidades para a venda de suas próprias credenciais ecológicas, não se deve esperar nada menos do que uma atriz vencedora do Oscar interpretando a “Mãe Natureza” em um vídeo viral. Mas a credibilidade das alegações ambientais da Apple é um pouco mais confusa do que o deslumbramento faz você acreditar.

O evento da Apple nesta terça-feira (12) – celebração anual do consumismo em massa da empresa ­– apresentou não apenas a Mãe Natureza do vídeo mas diversas promessas sobre todas as maneiras pelas quais a Apple cuida dela:

  • Uma nova linha de relógios que a Apple chama de seu primeiro produto “neutro em carbono”, um rótulo que a Apple promete aplicar a todos os seus produtos até 2030
  • Ausência de couro nas pulseiras de relógios ou em acessórios
  • Ausência de plástico nas embalagens até 2025
  • Envio de mais produtos por transporte marítimo em vez de transporte aéreo
  • Uso de mais materiais reciclados
  • Uso de energia renovável para a fabricação de alguns relógios, além de escritórios corporativos, data centers e lojas de varejo
  • Redução das emissões de carbono em 75% dos níveis de 2015 até 2030
  • Uso de créditos de carbono de “alta qualidade” para compensar as emissões que a Apple não conseguir eliminar
  • Nova ferramenta no aplicativo Home chamada “Grid Forecast” que alerta os usuários quando há energia sustentável disponível

Atualmente, a “lacração” corporativa atrai retaliação de conservadores rapidamente. A Apple merece elogios por fazer o máximo de alarde possível sobre seus valores sociais. Pelo menos nesse aspecto, a empresa está do lado certo, dando um bom exemplo para seus pares.

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A Apple também conhece seu público-alvo, é claro; sua base de usuários é composta por jovens, mulheres e pessoas razoavelmente abastadas. Mas, se o capitalismo tem alguma esperança de ajudar a resolver o problema da mudança climática que criou, então é basicamente assim que ele deve funcionar: a mão invisível do mercado orientando empresas e clientes para um comportamento mais sustentável.

Algumas das escolhas da Apple também trarão benefícios claros e mensuráveis.

Aposentar o couro, por exemplo, é importante: segundo uma estimativa, a criação de gado é responsável por 14,5% das emissões do planeta. O compromisso com a energia renovável e a definição de metas agressivas para a redução de emissões são importantes. O Grid Forecast poderia impulsionar o uso da eletricidade em uma direção positiva. E o grande volume de materiais reciclados nos iPhones da Apple e em outros produtos é realmente impressionante.

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Depois disso, as promessas ficam mais obscuras.

Por exemplo, não está totalmente claro se as embalagens de papel são superiores às de plástico. Embora a maioria das fibras da embalagem “à base de fibra” da Apple seja reciclada, o restante vem de árvores que armazenam carbono. O transporte marítimo emite muito menos carbono do que o transporte aéreo, mas também lança poluição diretamente nos oceanos.

Mais importante ainda, as metas de emissões da Apple dependem muito das compensações de carbono, que são créditos que as empresas e as pessoas recebem por investir em projetos para reduzir o carbono – geralmente, plantando árvores.

Ultimamente, as compensações de carbono têm sido alvo de intenso escrutínio por prometerem mais do que podem cumprir. Muitas delas dão crédito a medidas que aconteceriam de qualquer forma, como não derrubar árvores, por exemplo. Sem uma autoridade central para garantir o controle de qualidade das compensações, elas sempre serão suspeitas.

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As compensações de florestas tropicais certificadas pela Verra, uma das normas privadas utilizadas pela Apple, foram acusadas de serem, em sua maioria, “sem valor”.

A Apple é inteligente o suficiente para reconhecer a controvérsia. A empresa promete que suas compensações serão “reais, adicionais, mensuráveis e quantificadas, com sistemas implementados para evitar a dupla contagem e que garantam a permanência”. Seus projetos de remoção de carbono incluem a construção de florestas e outros ecossistemas na América do Sul.

Espera-se que essa abordagem armazene mais carbono e seja mais sustentável do que as plantações de árvores de uma única espécie. Caso contrário, as árvores correm o risco de morrer, liberando seu carbono de volta à atmosfera.

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Mais de 300 fornecedores da Apple se comprometeram a usar 100% de energia limpa, mas muitos só podem atingir essa meta usando “certificados de energia renovável”, outro tipo de crédito.

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A Apple foi destaque no mais recente Monitor de Responsabilidade Climática Corporativa do New Climate Institute, grupo sem fins lucrativos que acompanha as promessas de sustentabilidade das empresas. Ela obteve notas decentes em termos de transparência e metas. Foi uma das poucas empresas estudadas que parecia estar no caminho certo para ajudar o mundo a evitar uma tendência de aquecimento de longo prazo de 1,5ºC acima da média pré-industrial.

Ao mesmo tempo, a Apple foi criticada por não reduzir as emissões de forma ainda mais agressiva, por depender demais de compensações e por não estabelecer uma meta de redução de longo prazo. Ela abordou essa última questão prometendo uma redução de 90% até 2050. Mas ainda não se sabe o valor do restante.

Afinal, essa é uma empresa com um histórico de declarações ecológicas e que, ao mesmo tempo, dificulta a reutilização e o reparo de seus dispositivos. Considerando que a fabricação de novos telefones é, de longe, a maior fonte de carbono da Apple, essa foi uma contradição crítica.

A Apple começou a resolver o problema dos consertos ao mesmo tempo em que se declara uma líder corporativa no combate às mudanças climáticas. Essa é mais uma razão para manter a empresa em um padrão mais elevado.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Mark Gongloff é editor da Bloomberg Opinion e escreve sobre mudança climática. Ex-editor-gerente da Fortune.com, ele liderou a cobertura de negócios e tecnologia do HuffPost e foi repórter e editor do Wall Street Journal.

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