Inteligencia Artificial
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Bloomberg Opinion — O aumento da produtividade, ou a capacidade de produzir mais por hora, deveria enriquecer a todos. A ideia é que a maior produtividade permita que as empresas ganhem mais dinheiro, que os trabalhadores e os proprietários compartilham por meio de salários mais altos e negócios mais valiosos.

Porém, desde a década de 1980, os ganhos de produtividade foram quase exclusivamente para executivos e proprietários de empresas, deixando os trabalhadores de escalões mais baixos para trás e alimentando as maiores diferenças salariais e de riqueza já registradas.

Então, surge a inteligência artificial (IA), que promete maior crescimento da produtividade do que qualquer outra tecnologia anterior.

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Se a IA cumprir o prometido e esses ganhos de produtividade continuarem fora do alcance de trabalhadores de baixo escalão, as disparidades salariais e de riqueza aumentarão ainda mais, talvez de forma significativa, aumentando os encargos que as altas taxas de desigualdade econômica já estão impondo à economia, ao mercado de trabalho e ao ambiente político e social.

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Não precisa ser assim, e este é o momento de considerar políticas que ajudem todos a compartilhar a recompensa esperada da IA.

A divergência entre o crescimento da produtividade e os aumentos salariais, que cresceu nas últimas quatro décadas, é bem conhecida pelos economistas. Aqui, cito números do Economic Policy Institute, mas eles são praticamente os mesmos, independentemente da forma como são apresentados.

O que eles mostram é que a produtividade e a remuneração dos trabalhadores comuns cresceram em um ritmo quase constante desde o final da Segunda Guerra Mundial até a década de 1970. Desde então, entretanto, a produtividade cresceu quase quatro vezes mais rápido do que a remuneração dos trabalhadores comuns. A diferença monetária foi para acionistas e para funcionários de alto escalão.

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Em azul, a mudança cumulativa no aumento da produtividade; em branco, o aumento da remuneração por hora nos EUA para trabalhadores comuns, que não são do alto escalãodfd

Os resultados são evidentes. Os índices salariais – a diferença entre os trabalhadores mais bem pagos e os que recebem menos – aumentaram nas últimas décadas. O mais conhecido entre eles, o índice de remuneração do CEO em relação ao trabalhador, subiu de 20 para 1 em 1965 para a impressionante proporção de 399 para 1 em 2021.

O índice de Gini, utilizado no mundo e também nos Estados Unidos e que mede o grau de desigualdade de renda, apresentou uma tendência de aumento acentuado desde a década de 1980 e atualmente é o mais alto entre os países desenvolvidos. As diferenças de patrimônio também mostram uma divergência ampla e crescente entre os americanos mais ricos e todos os demais.

A ideia de um país dividido por linhas econômicas está rapidamente se tornando uma realidade. As escolas particulares dos EUA oferecem uma educação de classe mundial e um caminho para as universidades de elite para alguns poucos afortunados, enquanto as escolas públicas lutam para alfabetizar crianças – isso se conseguirem encontrar professores.

Aviões particulares transportam os viajantes ricos, enquanto os americanos comuns ficam amontoados em viagens feitas por companhias aéreas comerciais – isso quando ganham o suficiente para poder viajar. Cada vez mais, os americanos mais ricos têm cada vez menos necessidade ou oportunidade de encontrar seus compatriotas menos afortunados.

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Há bons motivos para se preocupar com o fato de que a IA aprofundará essas divisões.

Os dois booms de produtividade anteriores – liderados pelos computadores pessoais e pela Internet – ajudaram a concentrar a participação de mercado em todos os setores, seja a Apple (AAPL) com computadores pessoais e smartphones, a Alphabet (GOOGL) com a pesquisa na web, a Microsoft (MSFT) com o software empresarial, a Meta (META) com mídia social ou a Amazon (AMZN) com o varejo on-line e a computação em nuvem.

A menor concorrência fez com que as vencedoras ficassem maiores, mais lucrativas e mais poderosas, enriquecendo os proprietários e executivos enquanto pressionam os trabalhadores.

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Essas mesmas empresas têm uma grande vantagem na corrida da IA. Só que, desta vez, a IA também ameaça deslocar trabalhadores altamente remunerados, desde engenheiros de grandes empresas de tecnologia até profissionais como advogados, consultores e gerentes financeiros.

“Será muito diferente dos últimos 40 anos, quando os trabalhadores de ‘chão de fábrica’ ficaram para trás e os trabalhadores de escritórios se beneficiaram do progresso tecnológico”, disse Anton Korinek, pesquisador de IA, à Bloomberg News. “Essa é uma inversão na qual os trabalhadores qualificados de escritórios são os mais fáceis de sofrerem com a automação no momento.”

Se isso for verdade, o número de trabalhadores excluídos do crescimento da produtividade impulsionado pela tecnologia deve crescer – e possivelmente em um grau muito maior do que no passado.

Korinek foi coautor de um novo artigo da Brookings Institution que estima que a IA pode aumentar a produtividade em até 2,3% a 3,3% ao ano nos próximos 20 anos, bem mais do que a projeção do Congressional Budget Office de 1,5% ao ano e do que o crescimento da produtividade de 1,2% ao ano desde 1980.

Imagine o triplo do crescimento da produtividade compartilhado por um percentual ainda mais baixo de americanos – fazendo com que a desigualdade atual parecesse uma utopia.

Alguns argumentam que o grau de desigualdade não é importante se todos estiverem indo bem. Mas isso está longe da realidade, pois, de qualquer forma, dezenas de milhões de trabalhadores em tempo integral nos EUA não ganham um salário digno. Portanto, não se trata apenas do fato de a desigualdade econômica ser alta; é que, mesmo antes da adoção em massa da IA, um número alarmante de trabalhadores passa por dificuldades e tem pouca esperança de construir alguma riqueza.

A boa notícia é que existem intervenções políticas que podem ajudar a reduzir as diferenças salariais e de riqueza. Os EUA podem adotar um sistema semelhante ao que existe há décadas na Alemanha, no qual os trabalhadores são representados nas diretorias das empresas para garantir que eles tenham voz ativa sobre a remuneração.

Os órgãos reguladores financeiros podem exigir que as empresas divulguem dados de remuneração para que o impacto da IA sobre os salários possa ser medido e mitigado. Esses dados permitiriam que os formuladores de políticas criassem incentivos direcionados para que as empresas pagassem aos trabalhadores um salário digno. Os EUA também poderiam criar um fundo soberano que investisse em IA e usasse parte dos lucros para ajudar os trabalhadores deslocados pela tecnologia.

A IA pode dar início ao próximo boom de produtividade. Porém, se ela não for compartilhada de forma mais ampla do que os ganhos tecnológicos das últimas quatro décadas, a desigualdade econômica – com todos os danos decorrentes – se aprofundará.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Tyler Cowen é colunista da Bloomberg Opinion. É professor de economia na George Mason University e escreve para o blog Marginal Revolution. É coautor de “Talent: How to Identify Energizers, Creatives, and Winners Around the World.”

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