Como a Faria Lima enxerga o começo do governo e a desoneração de combustíveis

Discursos de posse do presidente e prorrogação de alívio tributário ampliaram as incertezas em relação à condução da política fiscal

Presidente tomou como uma das primeiras medidas concretas a extensão da desoneração de impostos sobre combustíveis
03 de Janeiro, 2023 | 04:30 AM

Bloomberg Línea — O início do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ampliou as incertezas do mercado em relação à nova gestão e sua condução da política fiscal e das empresas estatais.

A reação inicial foi negativa entre investidores. O dólar subiu 1,4%, para R$ 5,35, os juros futuros avançaram nesta segunda-feira (2). Mas a reação mais visível se deu na bolsa brasileira.

O Ibovespa (IBOV) teve forte queda de 3,06% no primeiro pregão do ano, para os 106 mil pontos, com recuo generalizado das ações do índice. Destaque negativo para as da Petrobras (PETR3 e PETR4), que caíram 6,67% e 6,45%, respectivamente, e para as do Banco do Brasil (BBAS3), com desvalorização de 4,23%. Das 89 ações que compõem o Ibovespa, só nove tiveram alta nesta segunda.

Em seus primeiros discursos de posse, o presidente Lula chamou o teto de gastos de “estupidez” e disse que vai revogá-lo, afirmou que os recursos do país foram usados “para saciar a estupidez dos rentistas e de acionistas privados das empresas públicas”, apontou para a expansão dos gastos em programas sociais e defendeu um papel mais ativo do Estado na economia.

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Já o novo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi na contramão: falou em seu discurso de posse nesta segunda-feira (2) que o governo tem um compromisso com a responsabilidade fiscal e se comprometeu a apresentar uma proposta de âncora fiscal que organize as contas públicas no longo prazo e que seja cumprida e respeitada.

No balanço entre os dois discursos, prevaleceu a atenção aos fatos concretos, segundo analistas.

Uma das primeiras medidas adotadas pelo governo foi na direção de menos equilíbrio fiscal, com a decisão de prorrogar por 60 dias a desoneração de impostos federais sobre a gasolina e manter a isenção sobre o diesel e o gás de cozinha até o fim do ano.

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A Bloomberg Línea procurou analistas e economistas do mercado financeiro nesta segunda para saber a visão deles sobre a estreia do governo Lula e o impacto nos mercados. Veja a seguir o que disseram:

1. Dan Kawa, CIO da TAG Investimentos

“No fim do ano passado, houve algum rumor ou algum balão de ensaio de que o novo governo pudesse acabar com as isenções tributárias de combustíveis. Isso significaria adicionar perto de 50 a 70 pontos-base na inflação de curto prazo. Mas desanuviava de R$ 50 bilhões a R$ 60 bilhões das contas públicas do fiscal. No fim de semana, a gente teve a notícia de que o governo vai estender a isenção por 60 dias, o que foi confirmado na posse do Lula ontem (1) e hoje (2) pela manhã.

No final do ano, tivemos alguma esperança ou expectativa - mas olhando ex-post parece mais esperança do que expectativa - de que o novo governo pudesse já no curtíssimo prazo anunciar medidas do lado de recomposição de receitas para alguma adequação ou equalização das contas públicas e da situação fiscal do Brasil. E, talvez, esse fim das isenções dos combustíveis fosse o primeiro passo nessa direção.

A não confirmação dessa medida traz de novo à tona a discussão para o mercado de qual vai ser o caminho que esse governo vai seguir. Quais vão ser as medidas que possam ser adotadas para se trabalhar do lado das receitas, e não só das despesas.

Hoje, especificamente isso, pesou bastante nos mercados. Obviamente, uma série de outras coisas que foram faladas ao longo do fim de semana e ao longo da posse, como revisão de alguns marcos legais. O ministro dos Transportes falou de alguns marcos legais que poderiam ser revisados.

E houve algumas falas mais duras do próprio presidente eleito e empossado em relação ao teto de gastos, em relação a algumas classes da sociedade, dando a entender que eventualmente o governo vai ter que abandonar o teto de gastos.

Não temos nenhuma visibilidade de qual vai ser a próxima âncora fiscal do Brasil. Tudo isso, nesse contexto, essa extensão de 60 dias das medidas dos combustíveis, traz de novo à tona as incertezas de que o país está a mercê nesse começo de mandato. E não parece que o governo está com pressa de anunciar medidas do lado das receitas, de recomposição de receitas.”

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2. Luca Mercadante, economista da Rio Bravo

“A posse do presidente Lula tranquilizou por um lado e reforçou preocupações por outro. Em meio a uma série de incertezas sobre a segurança da cerimônia de transição, o evento ocorreu de forma tranquila e afastou as possibilidades, já remotas, de ruptura institucional.

Por outro lado, o discurso proferido por Lula para dar início a seu novo governo reforçou as incertezas que investidores já apresentavam com a situação fiscal do Brasil.

Lula fez questão de reforçar a revogação do teto de gastos e mencionar a volta de programas antigos de fomento ao crescimento econômico, como o PAC. A responsabilidade fiscal segue como uma promessa vazia. Seguimos ainda sem sinais de como o governo irá garantir a sustentabilidade da dívida. Até aqui, só aumento de gastos, sem contrapartida nas receitas, foi discutido.

O novo ministro da Fazenda deu mais uma declaração sobre o tema. Haddad disse que irá garantir a sustentabilidade da dívida com um novo arcabouço fiscal e priorizará o tema da reforma tributária, mas o problema é que nada além disso foi dito, não há mais detalhes. Assim, o conjunto de sinais negativos sobre o tema das contas públicas atrapalha a performance do mercado mais uma vez na sessão de hoje.

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Além disso, o mercado também reflete hoje a volta dos impostos sobre combustíveis, que não estavam incorporados em parte das projeções do mercado. Na nossa visão, o impacto sobre a inflação é de 0,2 ponto percentual, o que leva nossas projeções para 5,4% em 2023.”

3. Leandro Petrokas, diretor de research e sócio da Quantzed

“O mercado nitidamente reage ao cenário local muito por causa da fala do presidente no discurso de posse. A fala dele conversa muito com os ideais de esquerda, em que a participação do Estado é um dos pilares do desenvolvimento da economia.

Ele fez falas bem críticas em relação a promessas de revisão de políticas mais liberais. Lula críticou a reforma trabalhista, a privatização de estatais e chama de estupidez o teto de gastos.

Então, apesar de a fala do Haddad ter sido positiva afirmando que não haverá descontrole fiscal, isso acabou não fazendo efeito no mercado, que está muito preso à posse e às falas de Lula.

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Com as críticas às reformas dos últimos governos e a privatizações, o mercado reage de forma negativa com contratos de juros futuros subindo, também com dólar em alta nesse cenário com mercado reagindo de forma ruim às falas do novo governo.

Alguns destaques negativos ficam com as estatais listadas em bolsa, que são impactadas por essas falas. Nós temos Banco do Brasil e Petrobras em queda com poucos papéis em alta. Grande maioria dos ativos em queda após posse.

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Em relação à isenção dos impostos para combustíveis, vemos que essa foi uma medida para ganhar tempo. Haddad já estava contando com esses recursos com volta da arrecadação dos impostos e foi editada uma medida que volta a ter isenção muito por causa de medo e receio do novo governo e para evitar conflitos, principalmente com a classe de caminhoneiros. E sabemos também que a alta de impostos gera aumento de inflação.

Além disso, o setor de transporte tem muito peso na inflação. Então a alta dos combustíveis gera alta nos transportes, que é repassado para diversos produtos. Ou seja, há uma sinalização de o governo ganhar tempo no sentido de realmente retornar a arrecadação dos impostos.”

4. Rodrigo Cohen, analista e co-fundador da Escola de Investimentos

“O Haddad em princípio manteve todo o discurso dele pós-nomeação. Isso é uma coisa boa. Mostra responsabilidade. Só que o mercado está com uma queda sistêmica muito grande. O mercado todo cai. Não é um setor específico ou alguns. Só mineração que está subindo. Minério lá em cima.

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E a fala do Haddad foi mais uma dentro de diversas falas que mostram que uma nova era política está começando no Brasil. O motivo principal dessa queda do mercado não é nem o discurso de um ou de outro. Mas, sim, o grau de incerteza que o investidor tem.

Nesse grau de incerteza, tendo uma renda fixa lá em cima, para quê eu vou querer colocar em Bolsa? A pessoa pensa: ‘Vai começar o ano. Quer saber? Vou tirar [o investimento em Bolsa]. O mercado não está Lulinha paz e amor como poderia estar. Pode ser que seja um Dilma 3. Então, eu prefiro sair’.

Mas é uma queda exagerada. Tanto que o Boletim Focus não mostrou o dólar para 2023 e 2024 subindo. Mostrou o dólar estável em relação aos últimos relatórios. Não mostrou a inflação tão mais alta. Subiu levemente. E os juros subiram 0,25 ponto. Não é nada de surreal. Mas é óbvio que tudo isso mexe com o mercado. Todas essas novidades.”

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5. Carlos Vaz, CEO e fundador da Conti Capital

“Chegamos ao final de 2022 assistindo a um movimento de alta de juros, inflação e desaceleração econômica mundial. E, diante de um cenário assim, é comum que haja um movimento de volatilidade, precificado por todos que lidam com o mercado financeiro.

Nesse sentido, vale ponderar que já existe um clima mais volátil impactando os mercados, que acrescenta incerteza em todas as frentes, fazendo com que investidores busquem proteção. Isso pode significar um fluxo de fuga de capital, no qual investidores buscam países e segmentos que possam oferecer mais segurança e certa estabilidade para seu dinheiro.

Eu acho que, em um primeiro momento, não devemos ver nenhuma mudança abrupta em relação à economia ou mesmo em relação aos investimentos, pois a maioria dos fatores que poderiam impactar o mercado financeiro já foram precificados antes, nos últimos dias do ano passado. Isso quer dizer que ainda vamos precisar observar os próximos acontecimentos antes de fazer qualquer apontamento.

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Apesar disso, pondero que existem diversos ativos contracíclicos que funcionam como bons hedges para atravessarmos situações desse tipo, de incerteza e volatilidade e, sendo assim, há boas perspectivas para 2023 nesse âmbito.”

6. Gabriel Araujo Gracia, analista da Guide Investimentos

“Lula tomou posse com um discurso ainda bastante alinhado com a temática da campanha, como aumento dos gastos sociais e da participação dos bancos públicos na economia, maior relevância do BNDES, entre outros pontos que lembram mais o governo Dilma do que os governos anteriores de Lula. Acreditamos que os investidores deverão continuar cautelosos com o Brasil no curto prazo.

As políticas adotadas no governo Dilma tiveram resultado bastante negativo e levaram o Brasil a ter a maior recessão desde 1929, mesmo em um momento de relativa tranquilidade na economia mundial.

Além disso, a maior interferência em empresas estatais também teve impacto negativo: a rentabilidade dos bancos públicos diminuiu e a Petrobras apresentou prejuízos recordes (quando apresentou os resultados; em alguns momentos, devido a fraudes contáveis, a empresa não divulgou resultados auditados).

Vale destacar que a situação atual é pior que a do início do governo Dilma 2 em muitos aspectos importantes e em particular em duas métricas: a taxa de juros é maior e a dívida pública também.

Isso faz com que uma nova crise fiscal seja ainda mais provável sem um plano claro de ajuste fiscal para os próximos anos. Além disso, o cenário internacional também é pior atualmente: a economia mundial está em franca desaceleração e com riscos não-desprezíveis de uma nova recessão.

Considerando esses fatores, mantemos nossa preferência por empresas mais defensivas e exportadoras neste momento. Em 2022 os investidores evitaram empresas mais endividadas e voláteis e preferiram empresas mais sólidas (maiores e com margens maiores).

Devemos começar 2023 do mesmo modo que saímos de 2022 ou ainda mais conservadores dados os riscos.”

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Filipe Serrano

É editor da Bloomberg Línea Brasil e jornalista especializado na cobertura de macroeconomia, negócios, internacional e tecnologia. Foi editor de economia no jornal O Estado de S. Paulo, e editor na Exame e na revista INFO, da Editora Abril. Tem pós-graduação em Relações Internacionais pela FGV-SP, e graduação em Jornalismo pela PUC-SP.