Estes são os 5 maiores desafios do novo governo Lula na economia

A forma como o presidente vai lidar com questões fundamentais para o crescimento e a estabilidade da economia deve definir o sucesso ou não de seu 3º mandato

Luiz Inacio Lula da Silva toma posse neste domingo como presidente do Brasil com mandato até 2026 (Andressa Anholete/Bloomberg)
01 de Janeiro, 2023 | 06:00 AM

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Bloomberg Línea — O novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que toma posse como presidente neste domingo (1º), apresenta uma série de desafios na economia que devem definir o sucesso ou não de seu terceiro mandato. O principal será adotar uma política equilibrada de gastos públicos e elaborar uma nova âncora fiscal para substituir a atual regra do teto de gastos. São ações fundamentais para que o governo consiga atingir o que coloca como prioridade, que são os investimentos sociais e o crescimento.

Com Fernando Haddad no Ministério da Fazenda, Lula vai enfrentar um cenário econômico menos favorável do que aquele encarado pelo agora ex-presidente Jair Bolsonaro em 2022. Além da pressão por aumento de despesas públicas, a tendência neste ano que começa é a de uma perda do crescimento da arrecadação de impostos e a desaceleração da economia no Brasil e no mundo.

A taxa de juros alta, hoje em 13,75% ao ano, eleva o custo do crédito e pressiona a atividade econômica. O Produto Interno Bruto (PIB), que deve ter encerrado 2022 com uma expansão anual de cerca de 3%, tende a desacelerar para 0,79%, segundo as mais recentes estimativas do mercado financeiro publicadas no Boletim Focus, do Banco Central.

Nas últimas semanas, a Bloomberg Línea conversou com economistas e analisou relatórios de instituições financeiras para avaliar quais são as perspectivas para a economia no governo Lula.

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Veja a seguir quais são os principais desafios do novo governo na economia:

1. Equilíbrio das contas públicas

A principal incerteza em relação ao governo Lula é a condução da política fiscal. A sinalização de aumento das despesas públicas sem uma compensação ou um controle mais claro no médio e longo prazo são as questões que mais preocupam os analistas do mercado financeiro.

A incerteza se mantém mesmo depois de o Congresso ter aprovado a PEC da Transição no fim de dezembro, que aumentou o limite de despesas previsto na regra do teto de gastos. A PEC libera um valor de R$ 145 bilhões fora do teto e retira da norma fiscal R$ 23 bilhões relacionados ao aumento da arrecadação para investimentos públicos, somando um aumento total de R$ 178 bilhões para 2023.

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O objetivo da medida é permitir a manutenção do pagamento do programa social Bolsa Família em R$ 600 ao mês e recompor despesas para os programas Farmácia Popular, Merenda Escolar e o Auxílio Gás, entre outros fins.

A expansão do teto de gastos irá valer por um ano, diferentemente dos quatro anos defendidos anteriormente pela equipe de Lula. O valor também ficou abaixo dos mais de R$ 200 bilhões da proposta original.

Mesmo desidratada, a PEC deve levar a um aumento significativo das despesas do governo federal, que devem passar de 18,3% do PIB em 2022 para 19,4% em 2023, segundo cálculos de economistas do BTG Pactual liderados pelo economista-chefe Mansueto Almeida, ex-secretário do Tesouro Nacional. É uma reversão na tendência de queda dos gastos em relação ao PIB dos últimos anos.

Economistas avaliam que o governo terá que elevar a arrecadação de impostos para compensar o aumento das despesas. Uma possibilidade seria rever subsídios federais e voltar a cobrar os tributos federais Cide, PIS e Cofins sobre os combustíveis.

Os impostos foram zerados em meados de 2022 até 31 de dezembro pelo governo de Jair Bolsonaro com o Congresso, a poucos meses das eleições. No fim do ano, Fernando Haddad pediu ao ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, para não prorrogar a desoneração e disse que o governo iria reavaliar o caso após a posse. No domingo (1º), Lula assinou uma medida provisória que prorroga a isenção por 60 dias, em uma das primeiras medidas do seu governo.

A estimativa é que a volta da cobrança dos impostos possa render cerca de R$ 53 bilhões em arrecadação em 12 meses. O valor é insuficiente para cobrir o aumento de despesas da PEC e o Brasil pode encerrar o ano com um déficit primário de -1,2% do PIB, depois de atingir um superávit em 2022.

“A deterioração do resultado primário, bem como a manutenção da Selic em patamar elevado por mais tempo, deve resultar em um crescimento de quase 5 pontos do PIB para a dívida bruta, saindo de 73,8% em 2022 para 78,2% em 2023″, afirmou o BTG, em relatório.

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Haddad tem indicado que o governo vai trabalhar na elaboração de uma nova âncora fiscal para substituir o formato atual da regra do teto de gastos que é vista como obsoleta, pois foi desrespeitada nos últimos dois anos.

Enquanto a nova regra não é definida, o maior risco é que despesas do governo entrem em uma trajetória de crescimento insustentável, reduzindo a confiança do mercado no controle das contas públicas.

“O grande teste vai ser o desenho do arcabouço fiscal”, disse Alessandra Ribeiro, economista e sócia-diretora da consultoria Tendências.

“A partir daí será possível entender em que campo da política fiscal o país está operando. Se houver um novo arcabouço que permita um incremento real dos gastos muito substancial, o país pode entrar em uma trajetória pessimista para a economia brasileira, com a volta da instabilidade macro.”

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No cenário mais pessimista, a tendência seria de elevação da curva de juros no país e o risco de uma depreciação do real frente ao dólar, possivelmente obrigando o Banco Central a subir ainda mais a taxa básica de juros para combater a pressão do câmbio e da expansão fiscal sobre a inflação.

Desde que Lula foi eleito no fim de outubro, a estimativa média do mercado para a taxa Selic no fim de 2023 subiu de 11% para 12,25% ao ano, segundo o Boletim Focus.

2. Desaceleração da economia brasileira e mundial

Depois do choque da pandemia em 2020, a economia brasileira teve dois anos seguidos de forte recuperação em 2021 e 2022. O Produto Interno Bruto (PIB) avançou 4,62% em 2021 e caminha para encerrar o ano de 2022 com alta de cerca de 3%.

Para 2023, no entanto, a perspectiva é de desaceleração segundo economistas do mercado financeiro. O Itaú, por exemplo, projeta uma expansão de 0,9% este ano. Já o Bradesco estima um crescimento de 1%, enquanto o Santander vê uma alta de 0,8% e o BTG de 0,7%.

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A desaceleração tem a ver com a perda da força dos segmentos mais ligados a atividades presenciais que tinham sido prejudicados na pandemia, como o setor de serviços.

Além disso, a manutenção da taxa Selic em patamar elevado tende a manter o custo de crédito elevado, reduzindo a atividade nos segmentos que mais dependem de empréstimos, como construção civil e de automóveis.

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No exterior, a expectativa também é de desaceleração da economia mundial, com o risco até de uma recessão em países da zona do euro e nos Estados Unidos, também por causa dos juros em patamar elevado.

Nesse ambiente mais desafiador para a economia global, os setores exportadores do Brasil, como de minério de ferro e do agronegócio, acabam sofrendo com queda da demanda e dos preços internacionais de commodities.

É um cenário econômico mais desfavorável para o Brasil e para o governo do presidente Lula. “No primeiro e no segundo mandato, o Lula pegou uma situação global muito tranquila, muito favorável, durante boa parte do governo”, disse Roberto Padovani, economista-chefe do BV (antigo Banco Votorantim). “Agora é uma situação oposta. A gente teve a pandemia em 2020, depois uma recuperação rápida no mundo, com crescimento de cerca de 6%. O que a gente está vendo agora é um processo de ajuste.”

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Padovani ressalta que a expansão de gastos públicos num cenário de desaceleração da economia e uma possível queda da arrecadação, tende a pressionar mais o resultado fiscal do governo.

Na avaliação dele, a combinação de incerteza fiscal e economia mundial enfraquecida tende a manter o câmbio pressionado.

Alessandra Ribeiro, da Tendências, tem uma visão parecida. “Dependendo das escolhas que a gente fizer no campo econômico, a gente pode ser muito penalizado ou menos penalizado”, diz. “Temos um ambiente externo muito diferente dos últimos anos, quando o juro era muito baixo e liquidez, muito alta no exterior. O mercado era bem menos seletivo porque o custo do dinheiro era baixo do que agora. Esse contexto todo pesa bem para a economia brasileira.”

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3. Inflação

Depois de atingir um pico de 12,13% em abril de 2022, o IPCA acumulado em 12 meses entrou em trajetória de queda e encerrou o mês de novembro em 5,90%.

A queda do principal índice de inflação foi influenciada pelo aperto monetário do Banco Central, que elevou a taxa Selic a 13,75% ao ano, e também pelo corte de impostos federais e estaduais sobre produtos como combustíveis e energia elétrica.

Também ajudou o fato de o câmbio estar mais controlado e de o preço das commodities ter se estabilizado ou até caído desde a metade de 2022.

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Para 2023, a perspectiva é de uma pressão inflacionária menor, mas a expectativa do mercado financeiro é de que o IPCA encerre o ano em 5,23%, portanto acima do teto da meta do Banco Central, de 4,75%.

Se o governo Lula optar por dar fim a subsídios e voltar a cobrar impostos federais sobre os combustíveis, é possível que inflação suba. A consultoria LCA, por exemplo, prevê um aumento de 0,9 ponto percentual do IPCA em 2023 em razão do fim da desoneração sobre gasolina, diesel, etanol e gás natural.

Segundo a LCA, a incerteza sobre o fim das desonerações tem causado um aumento da diferença das projeções para o IPCA no mercado financeiro. O aumento das despesas do governo e a falta de definição sobre um novo arcabouço fiscal tem levado também a uma estimativa de desaceleração mais lenta da inflação.

“A possibilidade de uma reoneração tributária mais célere é uma das duas principais razões pelas quais as nossas projeções para a inflação de 2023 passaram a contar com um viés de alta”, diz a consultoria em relatório recente. “A outra razão é a expectativa de maior impulso fiscal no curto prazo derivado da aprovação da PEC da Transição.”

Nesse ambiente, economistas avaliam que o Banco Central tende a manter os juros elevados por mais tempo. Antes da eleição de Lula, a estimativa era de que o Copom poderia reduzir a taxa Selic ainda no primeiro semestre. Hoje, a avaliação é de que isso deve ocorrer só no segundo semestre.

4. Reforma tributária

A reforma tributária há anos tem sido apontada por economistas e especialistas como uma das mudanças legislativas mais necessárias para diminuir a complexidade tributária do país, reduzir a burocracia e aumentar produtividade e a competitividade do Brasil.

Com a nomeação do economista Bernard Appy para a Secretaria Especial da Reforma Tributária no Ministério da Fazenda, a expectativa é de que o governo dê prioridade para a reforma. Appy é o mentor da atual proposta de reforma tributária que tramita no Congresso, a PEC 45/2019.

O projeto prevê a substituição de impostos federais e estaduais por um único imposto chamado de IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), nos moldes de um IVA (Imposto sobre Valor Agregado), utilizado em diversos países.

Fernando Haddad, nomeado ministro da Fazenda, disse que a reforma tributária será uma prioridade principal no início do governo Lula. Além da PEC 45, outra proposta semelhante também tramita no Congresso, a PEC 110.

“A colocação do Appy para defender o projeto da PEC 45, ou talvez a PEC 110, é muito positiva. São reformas que, infelizmente, o governo Bolsonaro, com a equipe econômica, não comprou e não quis levar à frente. A gente perdeu muito tempo com isso. Se conseguir realmente aprovar esse projeto de reforma tributária ampla, a gente pode ter impactos muito positivos para a produtividade e PIB potencial”, diz Alessandra Ribeiro, economista e sócia-diretora da consultoria Tendências.

5. Reformas e marcos legais

Desde o governo de Michel Temer, que assumiu a presidência após o impeachment de Dilma Rousseff em 2016, o Brasil conseguiu aprovar uma série de reformas e marcos legais importantes para aumentar o dinamismo da economia brasileira.

Entre eles estão a reforma trabalhista, que reduziu o risco jurídico para empresas de processos trabalhistas, e a reforma da Previdência, que permitiu reduzir a trajetória de despesas previdenciárias que representam quase a metade do gasto primário do governo.

Também foram aprovadas a Lei da Independência do Banco Central, que estabeleceu o mandato fixo de quatro anos para o presidente do BC, intercalando com a eleição para presidente da República; a Lei de Liberdade Econômica, para reduzir a burocracia para empresas; e o Novo Marco Cambial, que consolida regras para operações de câmbio.

Além disso, o Marco Legal do Saneamento incentivou privatizações e maiores investimentos para o serviço público de água e esgoto, um dos gargalos do Brasil. Quase a metade da população brasileira (ou 100 milhões de pessoas) não tem acesso à rede de esgoto, segundo o Ministério de Desenvolvimento Regional (MDR).

Outras reformas aprovadas recentemente também foram importantes, como o Marco da Cabotagem, para facilitar o transporte marítimo na costa brasileira, e o Marco das Ferrovias, que permite a construção de ferroviais propostas e construídas pela iniciativa privada.

Na avaliação de Alessandra Ribeiro, economista e sócia-diretora da Tendências, um dos desafios no governo Lula será justamente manter a agência econômica que estimule o setor privado, sem realizar mudanças nas reformas que têm funcionado no Brasil.

Lula tem falado desde a campanha eleitoral que pretende rever alguns pontos da reforma trabalhista, o que preocupa o setor privado. Antes da lei, um dos grandes custos jurídicos eram os processos trabalhistas, que despencaram após a aprovação.

“É um desafio a manutenção das reformas no sentido de permitir que o país colha todos os efeitos positivos”, diz Alessandra Ribeiro. “A gente vê aqui e acolá declarações complicadas, apontando para retrocessos, o que para o país seria uma perda importante, uma vez que a gente ainda nem começou a colher direito o benefício de toda essa agenda implementada desde meados de 2016.”

A economista aponta também a importância de manter a agenda de inovações implementadas pelo Banco Central, que não só tem permitido uma maior agilidade e facilidade para os meios de pagamento, como o Pix, mas também buscam aumentar a competitividade no sistema financeiro e bancário. “A preservação dessa agenda é fundamental”, diz ela.

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Filipe Serrano

É editor da Bloomberg Línea Brasil e jornalista especializado na cobertura de macroeconomia, negócios, internacional e tecnologia. Foi editor de economia no jornal O Estado de S. Paulo, e editor na Exame e na revista INFO, da Editora Abril. Tem pós-graduação em Relações Internacionais pela FGV-SP, e graduação em Jornalismo pela PUC-SP.