São Paulo — Há um setor da economia que vai na contramão da alta dos juros que impacta a atividade: o de locação de veículos, que cresce a uma taxa anual de dois dígitos (entre 10% e 15%), impulsionado por fatores como a maior demanda por diferentes meios de mobilidade urbana, como empresas de aplicativos de transporte, e o avanço do e-commerce nas entregas da chamada “última milha” (last mile).
Para o CFO (executivo-chefe financeiro) da Movida (MOVI3), Edmar Lopes, em entrevista à Bloomberg Línea, essa combinação de fatores ilustra o cenário considerado promissor para o segmento, ainda que enfrente desafios como a demora na entrega de novos veículos pelas montadoras devido à escassez de insumos. A situação deve se normalizar apenas em 2023, segundo o executivo.
No resultado financeiro do segundo trimestre, a Movida apresentou números que mostram “um novo patamar do negócio”, segundo o executivo: a frota cresceu 54%, somando cerca de 207 mil unidades, enquanto a receita bruta totalizou R$ 2,4 bilhões, alta de 90% na base anual.
O Ebitda (métrica de geração de caixa operacional) aumentou 133%, para R$ 905,3 milhões, e o lucro líquido somou R$ 186,8 milhões, aumento de 7,4%, na comparação com igual período do ano passado.
Houve, no entanto, uma queda na margem de lucro, que saiu de 14,4% no segundo trimestre de 2021 para 8,1% neste ano.
“O aumento da taxa de juros é um componente importante para a rentabilidade no setor de aluguel de carros. Tivemos um impacto dos juros. Isso explica a maior parte da diferença de margem operacional”, disse o CFO, acrescentando como fator de influência ainda a sazonalidade (o segundo trimestre é de baixa temporada, enquanto o primeiro é mais favorável devido ao período de férias).
Ele lembra que o setor de locação de veículos sofreu muito no início da pandemia, mas tem apresentado uma recuperação acima da média da economia.
“Vemos mais mobilidade e outros usos para os carros. Houve o aumento do preço dos carros e isso se traduziu em mais aluguel, ajudando a companhia a avançar. Quando a pandemia começou [no primeiro trimestre de 2020], tínhamos quase 120 mil carros. Hoje estamos com quase o dobro. A grande novidade é a consolidação do nosso desempenho em um novo patamar, com outra escala”, explicou.
Os atrasos da indústria automotiva nas entregas de novos veículos paras as locadoras, efeito colateral do fechamento de fábricas de semicondutores e de outros insumos principalmente na Ásia, ainda impactam o setor, criando intermitência nas operações, segundo o CFO. Mas preocupam menos.
“O pior já ficou para trás. Só tinha alguns modelos. A Volks parou de fabricar o Gol e o Voyage porque não havia chip. Dependendo do fabricante, não é só chip, mas outras peças também. A situação já melhorou substancialmente, mas não está 100%. A previsão de regularização plena pelas montadoras é só para 2023″, afirmou Lopes.
O executivo também comentou sobre a conclusão da união da Localiza (RENT3) com a Unidas, reforçando o tamanho do maior player do setor.
“A nossa estratégia de crescimento mais rápido no pós-pandemia já olhava para esse cenário de fusão que foi anunciado lá em 2020. A materialização da fusão não muda a nossa estratégia, porque conseguimos crescer mais rápido que a concorrência nos últimos dois anos.”
O cenário macroeconômico mais desafiador, com o ciclo de alta de juros no Brasil e no mundo para conter as pressões inflacionárias, não afetou ainda os planos de investimentos da Movida.
“Nossa estratégia financeira foi montada para estarmos preparados para este momento [de alta dos juros]. A companhia carrega muito caixa, tem perfil de dívida alongada e tem a opção de desacelerar o crescimento se for necessário. Podemos modular o crescimento”, afirmou Lopes.
O guidance (projeção) para investimentos em 2022 ficou estabelecido entre R$ 5 bilhões e R$ 6 bilhões. “Estamos dentro do intervalo do guidance e confortáveis. Podemos acelerar ou diminuir o ritmo dependendo das condições econômicas. Há muitas incertezas nos próximos meses.”
O CFO disse que, no início de julho, a companhia liquidou R$ 1 bilhão em debêntures, com o objetivo de melhorar o perfil do endividamento. “A operação foi nos moldes da instrução CVM 400 e teve foco na pessoa física. Somos um setor intensivo em capital. Estamos sempre olhando oportunidades de captação.”
A dívida líquida da Movida subiu de R$ 3,7 milhões para R$ 9,7 milhões no segundo trimestre, na base anual.
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