Há um boom na demanda por PCs com a volta ao escritório, diz CEO da Positivo

Hélio Rotenberg conta em entrevista à Bloomberg Línea que venda corporativa compensa queda para pessoas físicas por causa do crédito mais caro

A Positivo Tecnologia planeja ampliar a capacidade produtiva diante da maior demanda por computadores, smartphones e servidores
18 de Julho, 2022 | 07:00 AM

São Paulo — Há um fenômeno em curso no mercado de computadores pessoais no país. O segmento experimenta um boom de encomendas de empresas de todos os portes e de governos e estatais. “A demanda por computadores está muito forte, porque as pessoas voltam para o trabalho presencial e encontram computadores defasados, que não foram trocados por dois anos ou mais”, disse o CEO da Positivo Tecnologia (POSI3), Hélio Rotenberg, em entrevista à Bloomberg Línea.

Trata-se de um movimento de alcance global que deve levar o mercado de computadores a um patamar próximo ao de 2021, ano que praticamente igualou o recorde histórico de 2012 de 350 milhões de unidades vendidas. No Brasil, o desempenho será limitado pela queda esperada em comercialização para pessoas físicas, na medida em que o crédito mais caro impacta a demanda.

A empresa com sede em Curitiba é a maior fabricante de PCs do país e detêm cerca de 16% das vendas do mercado doméstico, com domínio que chega a 70% na faixa de equipamentos até R$ 2 mil. Mas cada vez menos depende do core business de computadores pessoais, como fruto da execução de um plano estratégico definido há alguns anos de diversificação das receitas.

Novas áreas da Positivo Tecnologia, como a recém-lançada divisão de prestação de serviços multimarcas em ambientes corporativos - um mercado potencial estimado em R$ 10 bilhões -, respondem já por uma fatia entre 20% e 25% das receitas. E a expectativa é que a participação aumente.

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A empresa passou a atuar também com a produção e a venda de servidores para grandes empresas, como a Petrobras (PETR3, PETR4), de maquininhas de pagamento inteligente para gigantes como Cielo (CIEL3) e Stone (STNE), além do desenvolvimento de soluções de tecnologia educacionais.

O resultado financeiro do segundo trimestre tem divulgação prevista para o mês de agosto. No primeiro trimestre, a Positivo apresentou lucro de R$ 28,4 milhões, com crescimento de 6,9% em 12 meses, e uma receita bruta de R$ 1,2 bilhão (com alta de 48%) entre janeiro e março.

Neste ano, a Positivo entrou pela primeira vez para o Ibovespa, o índice de referência da bolsa brasileira, em razão do aumento do volume diário de negociação. Mas as ações acumulam queda de 47% no acumulado de 2022, em linha com a desvalorização da maior parte dos papéis da bolsa.

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O CEO da Positivo Tecnologia, Hélio Rotenberg: aposta em negócios crescentes de nova geração de maquininhas de pagamento inteligentesdfd

Confira os principais trechos da entrevista com o CEO da Positivo Tecnologia.

Houve forte demanda por eletrônicos como notebooks nos dois primeiros anos da pandemia. Essa tendência continua? O que a Positivo identifica como novidade?

O computador ainda é o nosso carro-chefe, embora não seja mais o único, pois já estamos bastante diversificados, com vários produtos. A demanda por computador mudou completamente durante a pandemia, atingindo outro patamar.

Eu me lembro que não já não levava mais computador nas minhas viagens, porque não tinha nenhuma função. Usava o smartphone para responder a e-mails. Agora voltei a levar nas viagens, porque é mais cômodo fazer uma reunião no computador do que no smartphone.

O computador voltou a ser pessoal nas residências e no trabalho. Troca-se um pouco o computador fixo, o desktop, pelo notebook. Hoje o ritmo de crescimento do notebook é maior do que o do desktop. E essa demanda continua muito forte.

A demanda mundial por computadores havia atingido o pico em 2012, com 350 milhões de unidades. Isso foi caindo até 250 milhões em 2015. A pandemia trouxe de novo esse mercado para 350 milhões. Só não foi maior no ano passado porque faltaram componentes. Sem isso, teria vendido mais que em 2012.

Projeta-se um 2022 parecido com o ano passado em termos de venda, não mais de crescimento, com um novo patamar de consumo de computadores em todos os usos, tanto de pessoas físicas como jurídicas.

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Por que não haverá mais crescimento na venda de computadores?

Neste ano, no Brasil, como a inflação está muito alta, o juro sobe e o crédito fica mais caro. Quem dá o crédito fecha um pouco as “torneiras” com medo da inadimplência. O varejo como um todo caiu e levou a reboque um pouco a queda nas vendas de computadores. Ou seja, o número está maior do que em 2019, mas menor do que em 2021 no consumo de pessoa física.

Em compensação, no mercado corporativo como um todo, incluindo empresas públicas, governos e pequenas, médias e grandes empresas, a demanda por computadores está muito forte, porque as pessoas voltam para o trabalho presencial e encontram computadores defasados, que não foram trocados por dois anos ou mais. Há um boom muito grande no mercado corporativo.

A escassez da cadeia de suprimentos afetou setores dependentes de matéria-prima importada. Como a Positivo está lidando esses gargalos?

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Eu diria que o pior já ficou para trás. Não que esteja totalmente normalizado. Mas o pico foi em agosto do ano passado, que foi o caos total. Era muito difícil comprar qualquer coisa e os preços subiram muito. O mercado cresceu muito, mas poderia ter sido ainda mais.

O mercado deu uma equilibrada, com a capacidade produtiva dos produtores de chips crescendo um pouco. Os preços hoje estão quase iguais aos de antes da pandemia, um pouco mais caro, mas não nos níveis de agosto do ano passado.

Em termos de disponibilidade de componentes, está quase normalizado. Falta especificamente um ou outro que enfrentou algum problema porque houve vários setores consumindo.

Mas a questão do transporte, da logística, ainda está complexa. Como a China fechou [por causa de lockdowns para tentar conter novas ondas da pandemia], houve filas de navios esperando no porto de Xangai por muitas semanas. Mas notamos uma melhora a cada dia.

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Como essa situação afetou a Positivo?

Um frete da China ou de Taiwan para uma de nossas fábricas em Manaus, que demorava 50 dias, chegou a levar 80 dias. E agora está em 70 dias. Acreditamos que, em dois a três meses, já estará normalizado.

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O pico do preço do frete também foi em agosto do ano passado, quando estava de 5 a 6 vezes mais caro que o normal. Agora está 1,5 vez mais caro que o normal.

Os resultados da Positivo mostram maior peso de clientes institucionais na receita. A companhia vai fornecer, por exemplo, urnas para as eleições deste ano e de 2024. Como estão os cronogramas de entrega?

Estamos dentro dos prazos. Temos que entregar 225 mil novas urnas das 570 mil que o TSE diz que vai utilizar para a eleição de 2022. Já fornecemos 206 mil, como divulgou o TSE, e esse número já é um pouco maior. Devemos acabar a entrega neste mês de julho. E ganhamos mais uma licitação de 176 mil urnas para a eleição de 2024, que vamos entregar ao longo de 2023 e talvez uma parte em 2024. Foi a primeira vez que uma empresa 100% nacional ganhou esse processo de concorrência.

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A Positivo também aposta em licenciamento de marcas. Quais têm sido os resultados?

Temos três marcas para o consumidor final de computador: Positivo, Vaio e Compaq. Para o setor corporativo, atuamos só com a marca Positivo, e ela vai muito bem. A nossa marca Positivo foi desenvolvida com o grande varejo brasileiro. É o computador mais vendido nas Casas Bahia, no Magazine Luiza e nas Lojas Cem. É uma das marcas favoritas da classe média, segundo pesquisas.

Mas na classe, digamos, mais abonada, que viaja para os Estados Unidos e conhece a Apple e outras marcas, não éramos a preferida. Buscamos uma marca para que pudéssemos ter significância no topo da pirâmide e trouxemos a Vaio, que é dos japoneses e fiscalizam toda a nossa produção para ter qualidade. Reconstruímos a marca no Brasil, e ela vai muito bem. Percebemos que havia um espaço no meio, entre as marcas Positivo e Vaio, a partir de notebooks de R$ 3 mil. Licenciamos a marca Compaq.

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Em smartphone, estamos adotando uma política parecida. Com a Positivo, somos um dos líderes entre os aparelhos de até R$ 1 mil, faixa de preço que pega as classes C e D. Para atingir uma classe social mais rica, licenciamos a marca Infinix, que é uma das mais vendidas do mundo. O grupo dono da Infinix é hoje o quarto maior produtor de smartphone do mundo. Os resultados são animadores: lançamos em outubro do ano passado para alguns testes e para valer agora em abril deste ano.

A tecnologia 5G começou a ser adotada no país. Como isso afeta as operações da Positivo e como pretendem surfar essa onda?

O 5G afeta vários dos nossos produtos e das nossas áreas de negócios. Falamos de computadores e de smartphones, mas temos também servidores e máquinas de pagamento. A marca Infinix veio na hora certa. O 5G tem uma vantagem em relação ao 4G: ele tem uma velocidade equivalente à do wi-fi dentro de casa. Você não nota a diferença: entra em casa e pode continuar com o 5G.

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Mas nos servidores há um impacto ainda maior. Com o 5G, fala-se muito em edge computing, a computação em borda, porque o empresário capta no servidor direto do 5G e automatiza toda a sua indústria com base naquele sinal. Coloca os servidores na borda, perto de onde está a área que será automatizada, a fim de evitar qualquer tipo de delay [atraso].

Como aconteceu em mercados que têm o 5G desenvolvido, acreditamos que vamos vender muitos servidores de outra natureza, que ficam presos no poste ou dentro da empresa para capturar o 5G e realizar todo o processamento interno de uma instalação fabril, por exemplo.

O que a companhia está preparando para atender à demanda do 5G?

São extensões das linhas de negócios. A conversão da produção para atender o 5G vai acontecer naturalmente. A demanda vai aumentando devagar e nós vamos acompanhando e mudando os modelos. Não acredito que aconteça um boom de vendas por causa do 5G. É uma substituição de alguns produtos por outros, alguns até com maior valor agregado.

A Positivo tem uma parceria com a Stone (STNE) para maquininhas de pagamento. Alguns analistas dizem que elas serão substituídas por novas tecnologias. Como se adaptar a isso?

Começamos uma parceria com a Cielo [CIEL3] desenvolvendo maquininhas inteligentes, pois dominamos muito o [sistema operacional] Android por causa dos smartphones. A Cielo nos contratou para desenvolver a maquininha inteligente dela. O que é isso? A nova maquininha não só lê os cartões mas pode também fazer um controle de estoque e um monte de tarefas. A maquininha azul da Cielo é utilizada para cobrar uma conta na mesa e também faz o pedido do que a pessoa quer. É muito mais do que uma leitura de cartão. Este é o nosso novo forte: as maquininhas inteligentes.

O contrato com a Cielo era de exclusividade. No ano passado, acabou. Aí passamos a vender não só para a Cielo como também assinamos contrato com a Stone, e vários outros contratos estão por vir. Segundo institutos de pesquisa, a maquininha continuará crescendo por mais quatro ou cinco anos. Depois haverá um ponto de inflexão, e ela começará aos poucos a diminuir em vendas.

Percebemos que as tecnologias convivem. Ainda tem aí um período de crescimento das vendas das maquininhas, ao contrário do que se possa pensar. As pessoas pagam por aproximação, pelo celular, mas a segurança da máquina ainda é maior do que algo totalmente virtual.

A Positivo também investe em casa inteligente, a smart home, e sistemas de tecnologia educacional. Quando as novas áreas terão uma maior representatividade nas receitas?

Em 2016 e 2018, quando fizemos o planejamento estratégico de diversificação, o computador estava em determinado patamar. Mas cresceu muito na pandemia. As novas áreas cresceram também, mas ainda não são tão grandes em relação ao todo. Representam de 20% a 25% do faturamento. Vai desde a Positivo Tech Services, uma divisão de prestação de serviços multimarcas, em ambientes corporativos, que lançamos neste ano e vai muito bem, até servidores. Acabamos de entregar um servidor enorme junto com a Atos para a Petrobras.

O Hardware as a Service, que é alugar o computador em vez de vender, também cresce assim como a Positivo Casa Inteligente, com nossas lâmpadas, tomadas e câmeras para automação sem fio. A área de tecnologia educacional também: fazemos software de matemática e de português.

Tudo isso que surgiu no nosso planejamento estratégico e começou em 2018 está tomando corpo e crescendo bastante. Como acreditamos que o computador não vai crescer tanto daqui para frente, esses outros negócios realmente vão ser muito significativos em 2026.

Como a Positivo está lidando com os preços mais altos de componentes?

O custo do componente do hardware representa o maior percentual dos nossos equipamentos. Para nós, são muito mais importantes o câmbio e o custo do componente do que propriamente a inflação, que só atinge 10% do custo fabril e dos custos indiretos. Os outros 90% são componentes.

Tivemos, por outro lado, uma diminuição do custo em dólar desses componentes, por causa do equilíbrio do mercado. Portanto, não vivenciamos uma pressão forte de custos. Ao contrário, os preços caíram na ponta neste ano. Mas, claro, o câmbio afeta muito. Se ele continuar subindo muito como vimos nos últimos dias, isso vai causar uma pressão nos custos.

Quais os principais investimentos previstos?

Vamos seguir investindo em ampliação fabril. Mas o nosso maior problema não é o Capex [investimento produtivo], mas o Opex [investimento operacional]. Poucos param para pensar, mas o Brasil é o país mais distante dos centros produtores de componentes. É o mais longe de Taiwan, da Coreia, da China. São 50 dias de navio. É o capital de giro de que você precisa: você compra, aí são 50 dias de navio, 10 dias para liberar na alfândega, 15 dias para produzir, mais 10 dias para chegar ao destinatário, e o consumidor ainda demora 90 dias para te pagar. Esse composto exige muito capital de giro.

Vamos, portanto, continuar investindo em capital de giro, na ampliação de fábricas e olhando para avenidas de crescimento e negócios novos. Se faz sentido eventualmente um M&A [fusão e aquisição] com alguma empresa que possa apressar o crescimento, além do investimento em CVC [Corporate Venture Capital]. Neste ano, estamos ampliando bastante o investimento em startups.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 25 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.