Bolsonaro y Lula
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Bloomberg Opinion — A corrida do Brasil ao cargo mais importante do país está esquentando. Depois de ficar meses atrás do ex-presidente de esquerda Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente Jair Bolsonaro está diminuindo a diferença nas pesquisas eleitorais. Uma disputa complicada os espera adiante, e um resultado possivelmente apertado em outubro pode representar o teste mais difícil para o Brasil em mais de três décadas de democracia.

A democracia do Brasil provavelmente sobreviverá em 2022. Mas os esforços de Bolsonaro para trazer militares ao governo, sua inconstância e o contínuo enfraquecimento da confiança pública em fundamentos como o sistema público de votação levantam questões preocupantes sobre o potencial dano de longo prazo às instituições brasileiras. O acontecido em Washington em janeiro de 2021 é um lembrete de que, mesmo que o “Trump dos trópicos” acabe recuando para a obscuridade sem uma potência política conservadora atrás dele, ele ainda pode lançar uma sombra longa e perturbadora sobre a democracia.

Por enquanto, esta é a eleição de Lula. Desde seu retorno triunfante à disputa no ano passado, depois que suas condenações por corrupção foram derrubadas por motivos processuais, o ex-líder tem sido o favorito, escolhendo o ex-governador de centro de São Paulo, Geraldo Alckmin, como companheiro de chapa para tranquilizar as elites empresariais e ainda persistindo com sua duradoura popularidade entre os eleitores mais pobres.

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O ex-metalúrgico pode ser corrupto para muitos eleitores mais ricos e conservadores, mas continua sendo um herói para aqueles que o creditam por iniciativas de mudança de vida como o Bolsa Família, um programa condicional de transferência de renda que, junto a um boom das commodities, ajudou quase 30 milhões de brasileiros a escapar da pobreza entre 2003 e 2014. Isso dificilmente poderia importar mais no que um comentarista descreveu como ”a eleição da fome”, com quase um quarto dos brasileiros relatando que não tiveram o suficiente para comer em casa nos últimos meses.

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Bolsonaro, por sua vez, é culpado por lidar mal com o aumento do custo de itens básicos para o brasileiro, como arroz e feijão, o que levou alguns supermercados do país a trancarem seus freezers com carnes, na tentativa de estancar o roubo de comidas.

Bolsonaro enfrenta protestos contra a erosão do poder de compra até mesmo no Banco Central, supostamente lutando contra a inflação. Para alguns eleitores, isso leva ao esquecimento até o seu desempenho desastroso durante a pandemia, que passou de negações a curas charlatãs, além da troca abrupta de ministros da Saúde - entre eles, um militar sem qualquer conhecimento médico - e depois por ser contrário à vacinação da população, além de alegações de corrupção. O setor corporativo também não parece entusiasmado. Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, prometeram grandes mudanças, mas executaram relativamente pouco para além de uma tentativa inicial de reforma da previdência.

No entanto, uma pesquisa do PoderData na semana passada, confirmando uma tendência observada entre outros pesquisadores, colocou a diferença nas intenções do segundo turno em apenas 9 pontos percentuais – com Lula em 47% e Bolsonaro em 38% – abaixo de uma diferença de 17 pontos percentuais no início de fevereiro. Mas por quê?

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Descobri em viagens pelo Brasil no mês passado que Bolsonaro está em baixa, mas não necessariamente fora. A importância de questões básicas como salários corroídos pela inflação significa que iniciativas como seu Auxílio Brasil – uma versão renomeada do Bolsa Família – e outros gastos extravagantes para agradar a multidão ainda podem transformar a mente de alguns eleitores indecisos. E enquanto sua taxa de rejeição é notavelmente alta – mais da metade dos eleitores dizem que não há como votar nele – o mesmo acontece com Lula, com 37%, de acordo com a mesma pesquisa.

Encontrei muitos eleitores no árido nordeste, reduto do PT de Lula e também sua região de origem, que esperam que o retorno do ex-sindicalista reavive a prosperidade dos anos 2000, época de aumento de renda e empregos. Um homem que uma vez teve fome entende, me disseram repetidamente.

Mas também conheci muitos eleitores instruídos e mais ricos, especialmente em São Paulo, que juraram que nunca votariam no ex-presidente – mesmo que ele construísse um gabinete melhor e mais favorável ao mercado. Eles citaram preocupações com a corrupção e a ameaça de um estado ainda maior. Isso explica parcialmente a saída de Sergio Moro – o juiz da épica investigação da Lava Jato e então candidato em terceiro lugar nas pesquisas, que apelou a eleitores desiludidos de Bolsonaro – mas ele parece ter ajudado a Bolsonaro, e não o contrário.

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Em Brasília, nos corredores do Congresso, encontrei ampla evidência dos principais apoiadores do atual presidente, no lobby agrícola e entre os evangélicos, e de sua influência. Pouca ideologia amarra a multidão de partidos do Brasil, mas esses são grupos de interesse poderosos que desejam manter Bolsonaro no poder. Claro, Bolsonaro também tem o que os brasileiros chamam de “a máquina”, ou aparato estatal, e está fazendo amplo uso disso, inaugurando todas as obras públicas que puder e gastando em todas as oportunidades.

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Lula, por outro lado, tem sido relativamente moderado, e sua campanha demora a decolar com a falta de alguns ingredientes fundamentais, como um porta-voz em assuntos econômicos, por exemplo. Ainda neste mês ele conseguiu se envolver com os militares (ele vai tirá-los do governo), e as classes médias (aparentemente prósperas demais). Para piorar, ele entrou na questão do aborto, apontando que um sistema em que o aborto é ilegal prejudica desproporcionalmente os pobres, por isso deveria ser uma questão de saúde pública. Precisa ou não, é uma mensagem alarmante para os eleitores evangélicos conservadores do Brasil.

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Ainda é difícil ver como Bolsonaro vencerá no final. Se ele o fizer – e ainda faltam meses – será motivo de preocupação. Ele tem mais apoio legislativo hoje do que no início do primeiro mandato e terá muito mais oportunidades de corroer instituições como o judiciário, um firme baluarte contra muitos dos excessos e fracassos de seu governo. Fora o dano que ele pode causar à Amazônia, educação e muito mais.

Felizmente, um golpe no estilo de 6 de janeiro no Capitólio também é improvável. Isso não é por falta de vontade de Bolsonaro – como ele demonstrou no último Dia da Independência do Brasil em setembro do ano passado, inflamando seus apoiadores e ameaçando as instituições – mas sim por falta de apoio militar, e graças ao Supremo Tribunal Federal (STF); além disso, sem vínculos ideológicos com o presidente, mesmo deputados amigáveis têm pouco incentivo para apoiar um aventureiro autoritário em seus próprios interesses.

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Infelizmente, mesmo o resultado mais realista de uma corrida disputada em que Bolsonaro perde é uma preocupação. Ele ainda tem tempo para causar muitos danos ambientais e outros, revisando as regras para alimentar sua base; ele testará os limites orçamentários e de gastos nesse esforço para ganhar votos, em que a desinformação – mesmo com novas restrições e a impressionante vigilância das autoridades eleitorais – se espalha como fogo. Essa polarização pode muito bem tornar as reformas de que a economia precisa urgentemente – desde simplificar impostos até reduzir o tamanho e o custo do setor público – quase impossíveis.

– Esta coluna foi traduzida por Melina Flynn, Content Producer da Bloomberg Línea.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e seus proprietários.

Clara Ferreira Marques é colunista da Bloomberg Opinion e membro do conselho editorial que cobre commodities e questões ambientais, sociais e de governança. Anteriormente, foi editora associada da Reuters Breakingviews e correspondente da Reuters em Cingapura, Índia, Reino Unido, Itália e Rússia.

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