Lockdowns na China repercutem por toda a economia

As restrições visam erradicar qualquer vestígio do vírus na comunidade, mas também acabaram gerando pressão sobre quase todos os setores

Tesla retoma entregas de carros fabricados na China após pausa causada pelo vírus
Por Jill Disis
13 de Abril, 2022 | 02:44 PM

Bloomberg — Os lockdowns da China para conter o pior surto de covid do país desde o início de 2020 prejudicaram a economia, paralisando a produção em grandes cidades como Xangai e interrompendo os gastos de milhões de pessoas trancadas em suas casas.

As restrições visam erradicar qualquer vestígio do vírus na comunidade, mas também acabaram gerando pressão sobre quase tudo, desde a indústria e o comércio até a inflação e os preços dos alimentos.

O primeiro-ministro, Li Keqiang, alertou repetidamente sobre os riscos ao crescimento econômico, dizendo às autoridades locais na segunda-feira(11) que deveriam “adicionar um senso de urgência” ao implementar as políticas existentes. O governo está se mantendo firme em sua abordagem Covid Zero por enquanto, uma estratégia que os economistas dizem que empurrará o crescimento para 5% este ano, abaixo da meta oficial de cerca de 5,5%.

Vejamos com mais profundidade como os lockdowns estão afetando setores críticos da segunda maior economia do mundo.

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Golpe de commodities

A China registrou baixas importações de commodities em março, já que os preços elevados devido à guerra na Ucrânia e o aperto das restrições causadas pelo vírus pesaram sobre a demanda.

As compras de gás natural foram as mais afetadas, caindo abaixo de 8 milhões de toneladas para seu nível mais baixo desde outubro de 2020. As compras de petróleo e carvão também estavam bem atrás do cronograma do ano passado.

A demanda chinesa por combustível de aviação deve cair 25.000 barris por dia em relação ao ano anterior, uma queda de 3,5%, segundo a Agência Internacional de Energia, IEA. A agência esperava anteriormente 10.000 barris por dia de crescimento. O número de voos diários na China, em média ao longo de sete dias, caiu abaixo do nível mais baixo visto em 2020, com menos de 2.700 voos ativos na terça-feira (12), de acordo com Airportia, um rastreador de voos em tempo real.

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Os fabricantes de metais da China estão enfrentando obstáculos para transportar matérias-primas e produtos acabados, o que levou a cortes na produção. Seis das doze fábricas de barras de cobre nas províncias vizinhas de Xangai, pesquisadas anteriormente pelo Shanghai Metals Market, disseram que pararam ou planejam interromper a produção. O pesquisador também previu um aumento nos estoques de alumínio.

Enquanto isso, os compradores chineses reduziram as compras de gás natural liquefeito no maior importador de GNL do mundo, à medida que os preços disparam e a demanda doméstica fica estagnada. As importações no primeiro trimestre caíram 14% em relação ao mesmo período do ano passado, de acordo com dados de frete e envios, e empresas privadas estão rejeitando ofertas para usar vagas, que antes eram altamente disputadas, em terminais estatais de recebimento.

Congestionamento Portuário

O lockdown em toda a cidade de Xangai criou congestionamento no maior porto do mundo, com filas de navios no próprio porto e em outros pontos que lidam com remessas desviadas. O número de navios porta-contêineres esperando em Xangai em 11 de abril era 15% maior do que um mês antes, de acordo com dados de transporte da Bloomberg.

A escassez de trabalhadores portuários em Xangai está retardando a entrega da documentação necessária para os navios descarregarem cargas, de acordo com armadores e comerciantes. Enquanto isso, os navios que transportam metais como cobre e minério de ferro ficam retidos no mar, pois os caminhões não conseguem enviar mercadorias do porto para as usinas de processamento, disseram eles.

Os dados de quarta-feira (13) também mostraram que os lockdowns tiveram um impacto notável nas importações, que caíram 0,1% no ano em março, a primeira contração desde agosto de 2020.

Problemas de fabricação

As pesquisas com gerentes de compras da China mostram que a manufatura teve uma contração em março, com pequenas e médias empresas particularmente abaladas por problemas operacionais. O índice Caixin, baseado em pesquisas de empresas menores e voltadas para a exportação, caiu para seu pior nível desde o início da pandemia, há dois anos.

Algumas grandes empresas manufatureiras conseguiram manter as operações adotando o chamado sistema de circuito fechado, no qual os funcionários eram mantidos nas fábricas e testados regularmente. No entanto, esses protocolos não são perfeitos: um membro de um grupo comercial da União Europeia disse na semana passada que o trabalho pode ser “muito, muito difícil”, mesmo com permissão para operar em meio a restrições.

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As empresas de energia solar estão vendo um “severo impacto” na produção e nas instalações de painéis, de acordo com uma pesquisa realizada pela Sociedade de Energia Solar de Xangai. A produção de wafers de silício foi suspensa em algumas fábricas na região costeira perto de Xangai, elevando os preços nas últimas semanas, declararam analistas da Jefferies em nota.

Tecnologia interrompida

Algumas empresas de tecnologia suspenderam a produção porque as políticas restritivas da China pesam sobre um setor que já enfrenta escassez de componentes.

A maioria dos principais fabricantes de tecnologia - desde a Semiconductor Manufacturing International até a Taiwan Semiconductor Manufacturing, e a fabricante de iPhones, Foxconn - paralizou as operações nos primeiros dias do surto de Xangai. Desde então, muitas foram retomadas após a configuração de sistemas de circuito fechado.

Na quarta-feira (13), mais de 30 empresas taiwanesas, incluindo a Pegatron e a fabricante de Macbook, Quanta Computer, interromperam a produção nos centros eletrônicos do leste da China por causa das regras da covid.

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Os congestionamentos logísticos estão restringindo as remessas de componentes, esgotando os estoques a ponto de alguns fabricantes, como a Pegatron, a Wistron e Compal Electronics, reduzirem os estoques, que hoje só atendem a demanda por apenas algumas semanas, estima a consultoria Trendforce. A atual crise de oferta global pode piorar se a fabricação local for interrompida, restringindo o estoque de computadores, consoles de jogos, smartphones, servidores e veículos elétricos.

Consequência na indústria automotiva

As vendas gerais de veículos de passageiros caíram 10,9% no mês passado, sugerindo pressão no mercado de automóveis.

Algumas montadoras estão enfrentando problemas de produção por causa de lockdowns. A fábrica da Tesla (TSLA) em Xangai foi fechada desde 28 de março por causa de restrições na cidade. A fábrica normalmente produz mais de 2.000 carros todos os dias, de acordo com uma estimativa do início deste mês de Dan Ives, analista da Wedbush Securities.

A Volkswagen (V) também foi forçada a suspender a produção em Xangai este mês, enquanto a novata chinesa de veículos elétricos Nio informou, no sábado (9), que interrompeu a produção e atrasou as entregas porque muitos fornecedores, tiveram que fechar as lojas.

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A fabricante de autopeças Robert Bosch disse, na segunda-feira (11), que fechou duas de suas fábricas na China e operou sistemas de circuito fechado em outras duas, acrescentando que estava vendo “efeitos temporários na logística e no fornecimento da cadeia de suprimentos”.

Empecilhos ne construção civil

As vendas domésticas de escavadeiras - um indicador importante para a construção - caíram quase 64% em março em relação ao ano anterior, indicando tensão no setor.

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A queda nas vendas de imóveis na China também se aprofundou no mês passado: as 100 maiores empresas do setor imobiliário endividado tiveram uma queda de 53% nas vendas em relação ao ano anterior, de acordo com dados preliminares da China Real Estate Information.

O estoque de vergalhão de aço na China sugere que a atividade de construção “pode ter mudado para um ritmo mais lento”, de acordo com análise publicada na semana passada por David Qu, economista que cobre a China para a Bloomberg Economics.

Riscos de inflação

Os lockdowns aumentaram os custos dos alimentos e podem colocar em risco a capacidade do país de garantir grãos suficientes para o ano, pois as restrições complicam a importante temporada de plantio da primavera na China.

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Os preços dos vegetais frescos subiram 17,2% no ano em março, em comparação com uma queda de 0,1% em fevereiro, mostraram dados do Departamento Nacional de Estatísticas nesta semana. Agricultores chineses em algumas partes do nordeste, que produz mais de um quinto da produção nacional de grãos da China, tiveram que enfrentar restrições que os impedem de arar seus campos e semear.

– Com a colaboração de Sharon Cho, Sherry Su, Alfred Cang, James Mayger, Lin Zhu, Fran Wang, Ann Koh, Kevin Varley, Chunying Zhang, Peter Vercoe, Jessica Zhou e Jason Rogers.

– Esta notícia foi traduzida por Marcelle Castro, Localization Specialist da Bloomberg Línea.

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