Mundo vai de escassez para possível excesso de vacinas contra covid-19

Indústria global está enfrentando uma demanda em declínio, enquanto muitos produtores começam a disputar um mercado em desaceleração

Uma menina é inoculada com a vacina Corbevax em Chennai, em 16 de março
Por Chris Kay - James Paton - Malavika Kaur Makol
29 de Março, 2022 | 12:12 PM

Bloomberg — Depois da pressa para aumentar a capacidade e atender a encomendas aparentemente insaciáveis de vacinas contra a covid-19, a indústria global de vacinas está enfrentando uma demanda em declínio, enquanto muitos produtores que demoraram a comercializar suas vacinas agora começam a disputar um mercado em desaceleração.

A tendência está prestes a conter o sucesso de vendas que gigantes farmacêuticos globais, como a Pfizer e AstraZeneca, tiveram no auge da pandemia. Também pode criar novos problemas para fabricantes locais, da Índia à Indonésia, que construíram uma capacidade gigantesca para produzir vacinas, mas agora estão diante de um excesso de oferta.

Mesmo que os reforços provavelmente mantenham viva a demanda por vacinas para covid em todo o mundo, a escassez desesperada que existia durante grande parte do ano passado diminuiu. Em vez disso, em uma reversão dramática: a possibilidade de um excesso global agora parece mais provável.

Em todo o mundo, mais de 11 bilhões de doses foram administradas, com a demanda crescendo cada vez mais em países mais pobres com baixas taxas de cobertura. Mas depois de enfrentar uma grave escassez no ano passado, a Covax, a iniciativa de compartilhamento apoiada pela Organização Mundial da Saúde que abastece países de baixa e média renda, afirmou em janeiro que os estoques estão excedendo a demanda. Distribuição, capacidade de absorção e hesitação são agora os principais desafios para fazer as vacinas chegarem aos braços de quem precisa em lugares como a África.

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As ações de empresas, que se destacaram durante a pandemia, também caíram à medida que as restrições de deslocamento e viagens diminuem em muitas partes do mundo. As projeções de que a receita com vacinas contra covid para a Pfizer (PFE), a Moderna (MRNA), a AstraZeneca (AZN) e a Johnson & Johnson (JNJ) podem chegar a US$ 61 bilhões este ano, ligeiramente acima das vendas de 2021, podem ser “excessivamente otimistas”, de acordo com um relatório da Bloomberg Intelligence deste mês, citando falta de entusiasmo para quartas doses em Israel como um indicador precoce da diminuição da demanda global.

“A oferta está excedendo a demanda em grande parte do mundo, mesmo com muitos países lançando doses de reforço”, disse Scott Rosenstein, consultor de saúde especial do Eurasia Group em Nova York, que espera que a produção diminua neste ano e no próximo, a menos que uma nova variante mude radicalmente a tendência atual.

“Quando se instalou a percepção de que a ômicron tem menos chances de causar doenças graves, e as vacinas não fazem um ótimo trabalho na prevenção de infecções, embora ainda forneçam forte proteção contra doenças graves, a demanda por vacinas para covid diminuiu consideravelmente”, Rosenstein disse.

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Espera-se que o número de injeções necessárias nos próximos anos diminua em comparação aos primeiros dias da pandemia. Enquanto isso, um número crescente de fabricantes está entrando no mercado.

Mais de 9 bilhões de doses podem ser produzidas em 2022, mas a demanda por vacinas pode cair para uma taxa de cerca de 2,2 bilhões a 4,4 bilhões de doses por ano a partir de 2023, com melhores perspectivas ao longo do tempo, de acordo com a empresa de análise Airfinity.

As vendas da vacina Vaxzevria, da AstraZeneca, devem cair em 2022, depois de ter atingido cerca de US$ 4 bilhões no ano passado, disse a empresa.

As vendas de vacinas da Pfizer no ano passado chegaram a US$ 36,8 bilhões e, em fevereiro, a empresa declarou uma expectativa de vendas de US$ 32 bilhões em 2022. Isso se baseia em contratos assinados no final de janeiro, e os analistas esperam que os pedidos aumentem durante o ano. Tanto a Moderna quanto a Pfizer pediram aos reguladores dos Estados Unidos que liberassem a quarta dose, para reforço.

O presidente-executivo da Moderna disse em uma teleconferência que o governo dos EUA ainda não fez pedidos para 2022, sugerindo espaço para crescimento se o país comprar uma grande quantidade de doses de reforço. A AstraZeneca se recusou a comentar. A Pfizer não abordou diretamente questões sobre a demanda de vacinas, dizendo em comunicado que há capacidade suficiente para vacinar o mundo em 2022, mas ainda existem barreiras ao acesso. Moderna não forneceu comentários adicionais.

Mais oferta

Ainda mais oferta pode estar chegando em breve. O problema é particularmente crítico na Índia, lar da maior indústria de vacinas do mundo, que está lidando com o excesso de oferta doméstica e global. Alguns especialistas na Índia questionaram a necessidade de doses de reforço, duvidando de sua eficácia na prevenção de infecções por apenas algumas semanas.

A Biological E., uma grande fabricante com sede na cidade de Hyderabad, no sul da Índia, investiu cerca de 15 bilhões de rúpias (US$ 195 milhões) para dobrar a capacidade durante a pandemia para cerca de 4 milhões de doses de vacina por dia. A Corbevax, sua vacina contra covid de subunidade de proteína, recebeu pela primeira vez a aprovação local de emergência para adultos em dezembro, e depois para jovens de 12 a 18 anos no mês passado. No entanto, com a maioria dos adultos totalmente inoculados e o governo não sinalizando urgência em expandir a aplicação das doses de reforço, não se sabe quantas doses a mais de Corbevax serão compradas, além dos 300 milhões que Nova Délhi garantiu tirar das mãos da empresa.

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O verdadeiro desafio será utilizar o aumento da capacidade, disse o diretor administrativo Mahima Datla em entrevista em Hyderabad. “Custos fixos têm que ir para algum lugar, certo? Não poderei mandar os fincionários para casa, desligar metade da fábrica.”

A Biological E. não é a única fabricante indiana que enfrenta essa realidade. A vacina de DNA da Zydus Lifesciences foi aprovada no final do ano passado, mas o governo da Índia encomendou apenas 10 milhões de doses, disse o diretor administrativo, Sharvil Patel, em uma teleconferência de resultados no mês passado, admitindo que havia “incerteza” sobre outras oportunidades.

O Serum Institute of India, principal fornecedor do país, que produziu 2 bilhões de doses contra covid no ano passado, interrompeu a fabricação em dezembro após a falta de pedidos, contou o CEO, Adar Poonawalla, em um painel em janeiro. A Serum, grande fornecedora de uma variedade de vacinas para os mundos em desenvolvimento, não respondeu a perguntas e pedidos de comentários sobre os níveis de produção de vacinas para covid da empresa.

“Uma das grandes questões a seguir será o que fazer com toda essa capacidade de fabricação de vacinas à medida que a demanda diminui”, disse Rosenstein. “Provavelmente não há demanda suficiente por outras vacinas a ponto de se tornar uma opção viável para todas essas fábricas”.

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Tecnologia de mRNA

A empresa privada Biological E., que foi fundada pelos avós de Datla, em 1953, e fornece vacinas infantis para empresas como a Unicef, pode reaproveitar as linhas construídas para a fabricação de vacinas contra o coronavírus, disse Datla.

Datla disse que sua empresa espera fornecer a Covax, que precisará reabastecer os estoques que estão expirando. No entanto, a E. Biológica precisará primeiro obter a aprovação da OMS para fazer essas remessas e os dados de eficácia da vacina ainda não foram publicados. Datla não deu um cronograma para o lançamento do estudo.

Outros fornecedores indianos de vacinas também estão buscando oportunidades inovadoras de imunização além da Covid.

“Acreditamos que não apenas as vacinas contra covid-19, mas vacinas contra a gripe, vacinas pneumocócicas, vacinas para outras doenças negligenciadas começarão a se tornar oportunidades muito importantes”, Kiran Mazumdar Shaw, presidente da Biocon, que fechou um negócio de 100 milhões de doses com a Serum, no ano passado, disse à Bloomberg Television no início deste mês.

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Enquanto isso, em outras partes do mundo, alguns fabricantes e desenvolvedores estão jogando a toalha. A Kalbe Farma, da Indonésia, interrompeu neste mês o trabalho em uma vacina contra a covid com a Genexine, da Coréia do Sul, citando estoques abundantes. Agora pretende usar a tecnologia do DNA para outros tipos de vacinas.

Apesar das pressões atuais, as empresas provavelmente continuarão tendo demanda por doses de reforço enquanto buscam desenvolver inoculações aprimoradas, que sejam superiores aos produtos iniciais. Parece que a covid está evoluindo para o que provavelmente será uma doença endêmica, o que significa que provavelmente veio para ficar, disse Gary Dubin, presidente da unidade de vacinas da Takeda Pharmaceutical.

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Ainda assim, permanecem dúvidas quanto à necessidade de doses de reforço regulares e também quanto a sua frequência, e variantes em potencial “podem mudar rapidamente o quadro”, disse ele.

– Com a colaboração de Robert Langreth.

– Esta notícia foi traduzida por Marcelle Castro, Localization Specialist da Bloomberg Línea.

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