O que Bolsonaro tem a ganhar com a visita a Putin

Presidente brasileiro tenta resgatar imagem internacional em meio a cenário eleitoral desfavorável

Para especialista, intenção da viagem é mostrar ao mundo que o presidente brasileiro ainda é recebido por potências internacionais
14 de Fevereiro, 2022 | 05:54 PM

Bloomberg Línea — O presidente Jair Bolsonaro tem muito a ganhar com a visita ao presidente da Rússia, Vladimir Putin. Segundo especialistas em política internacional ouvidos pela Bloomberg Línea, apesar do “timing ruim”, a viagem pode trazer benefícios à imagem do governo brasileiro no cenário internacional e se justifica do ponto de vista comercial. Mas o que explica a urgência do encontro é o contexto eleitoral, hoje desfavorável a Bolsonaro.

De acordo com a agenda oficial divulgada pelo Itamaraty, Bolsonaro chega a Moscou na manhã desta terça-feira (15). Seu encontro com Putin está marcado para a quarta-feira (16), quando haverá uma conversa só entre os dois (e os intérpretes), depois uma entrevista coletiva e um almoço. O presidente brasileiro também vai se reunir com o presidente da Câmara Baixa do Parlamento (Duma).

Para o professor de Relações Internacionais da FGV-SP Pedro Brites, a intenção da viagem é mostrar ao mundo que o presidente brasileiro ainda é recebido por potências internacionais.

Ele lembra que o governo dos Estados Unidos vinha pressionando a diplomacia brasileira a desistir da visita, alertando para o risco de a Rússia invadir a Ucrânia - o que Putin tem negado que vá fazer.

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Para Brites, a visita “coloca o Brasil numa posição delicada”.

“Não é que a Rússia seja irrelevante. É um parceiro histórico e participamos de fóruns juntos, como o BRICS e o G20. Mas o timing da viagem mostra que é uma missão de resgate da imagem do presidente brasileiro”, afirma o professor.

Segundo ele, “o Brasil tem hoje poucos parceiros, perdeu muito espaço com a derrota de Trump nos EUA, de Macri na Argentina e de Netaniahu em Israel, e com as falas sobre a China no início do governo. Os principais líderes mundiais têm uma cisma muito grande com o Brasil hoje e essa viagem à Rússia nos mantém com algum prestígio internacional”, afirma.

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O cientista político e professor do Insper Leandro Consentino concorda com o colega. Mas pondera que a viagem não foi marcada no contexto da crise entre Rússia e Ucrânia e que o agronegócio brasileiro tem, sim, interesse no mercado russo.

De acordo com a plataforma Comex-Stat, do MDIC, soja e café responderam por mais de 30% das exportações do Brasil à Rússia em 2021.

Ao mesmo tempo, 65% das importações no período foram de fertilizantes químicos, insumo cujos preços vêm subindo no mercado internacional ano a ano.

O próprio Bolsonaro disse, em entrevista ao programa de rádio do ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho, que vai à Rússia porque “precisamos de fertilizantes’'.

Consentino reconhece o quadro, mas desconfia: “O Brasil não é autossuficiente em fertilizantes e o produto é essencial para o agronegócio. Mas, se pensarmos na imagem do país perante o mundo, o timing é ruim. Se essa viagem serve para Bolsonaro se recolocar no cenário internacional, ele faz isso de maneira hostil com as potências com as quais ele criou animosidades”.

[Este texto foi atualizado às 18h26 da segunda-feira, 14/2, para incluir detalhes sobre os compromissos do presidente Jair Bolsonaro na Rússia]

Pedro Canário

Repórter de Política da Bloomberg Línea no Brasil. Jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero em 2009, tem ampla experiência com temas ligados a Direito e Justiça. Foi repórter, editor, correspondente em Brasília e chefe de redação do site Consultor Jurídico (ConJur) e repórter de Supremo Tribunal Federal do site O Antagonista.