Crise de energia da China gera resistência contra metas climáticas

País está prestes a lançar plano para limitar as emissões de carbono antes de 2030, o que pode determinar as perspectivas econômicas futuras de indústrias e províncias inteiras

Presidente Xi Jinping acaba de anunciar planos para interromper a construção de usinas de carvão no exterior
Por Bloomberg News
05 de Outubro, 2021 | 10:41 AM

Bloomberg — Wang Yuan andava de um lado para o outro em frente à lareira vazia de sua casa em um vilarejo na cidade chinesa de Tianjin, imaginando onde conseguiria lenha e carvão para o inverno.

Desde 2017 comprar combustível deixou de ser uma preocupação. Foi quando o governo substituiu seu fogão a carvão por aquecimento elétrico. Mas com uma crise de energia já causando interrupções nas províncias do norte próximas, o bate-papo no grupo da familia de Wang está repleto de planos exasperados sobre como evitar o congelamento no caso de um apagão no auge do inverno.

Esse pânico está sendo compartilhado por milhões de pessoas, devido aos cortes de energia das fábricas em quase dois terços do país, meses antes do início do inverno. No Weibo, uma plataforma de mídia social popular, tópicos sobre a crise energética atraíram dezenas de milhões de visualizações. As pessoas compartilham como suas vidas foram afetadas: sem água na torneira, sem serviço de celular, sem semáforos e uma corrida para comprar velas.

Wang, 61, que passou a vida cultivando arroz e milho, diz que não sabe o que causou a escassez de energia. Mas seu filho passou adiante os rumores da siderúrgica local onde ele trabalha: é por causa da “proteção ambiental”.

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Não é apenas conversa de corredor. Notícias locais, publicações da indústria e mídias sociais colocaram pelo menos parte da culpa pela crise de energia nos passos cada vez mais arrojados do país para combater a mudança climática. Eles apontaram para políticas governamentais, como o plano do Ministério do Meio Ambiente de expandir as restrições à poluição do ar para mais cidades e uma campanha intensificada contra a mineração de criptomoedas.

É um péssimo momento para os defensores do clima no país. A China está prestes a lançar seu plano para limitar as emissões de carbono antes de 2030, o que pode determinar as perspectivas econômicas futuras de indústrias e províncias inteiras. O presidente Xi Jinping acaba de anunciar planos para interromper a construção de usinas de carvão no exterior e muitos esperam por pelo menos mais um grande anúncio ambiental antes das principais negociações de novembro apoiadas pelas Nações Unidas, em Glasgow. Fazer isso quando as pessoas estão sem energia em casa pode representar ausência total de apoio público.

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Não é de todo equivocada a ideia de que as restrições no consumo de energia e metas climáticas estejam conectadas. A China ainda não disse às províncias para atingir o pico de emissões, mas disse a elas para queimar combustíveis fósseis com mais eficiência, uma métrica calculada em termos de uso de energia por unidade de produto interno bruto. Em meados de agosto, a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma divulgou um relatório mostrando que nove regiões, incluindo potências econômicas como Jiangsu, não estavam tendo um bom desempenho. Essas áreas receberam a orientação de reduzir proativamente a energia de algumas indústrias a fim de cumprir suas metas.

Mas o verdadeiro motivo pelo qual o país está aflito com relação à energia é a escassez de carvão, que contribui com mais de dois terços da geração de eletricidade da China. O consumo de energia no país tem aumentado para atender às demandas da recuperação econômica global e a produção em minas foi suprimida por inspeções de segurança e limitações de capacidade. No nordeste da China, por exemplo, onde o consumo e a intensidade de energia estão bem encaminhados para cumprir as metas climáticas, a crise de energia é tão grave que a empresa de abastecimento de água subsidiada pelo governo informou que “a qualquer momento” terão apagões e “sem aviso prévio. "

“Embora as metas de controle do consumo de energia sejam parcialmente responsáveis por essa escassez em algumas províncias, há um exagero quanto ao que de fato representam, e tem sido um argumento não justificado para atacar as políticas climáticas”, disse Lauri Myllyvirta, analista-chefe do Centro de Pesquisa em Energia e Ar Limpo. “Não há absolutamente nenhuma razão para que, de repente, todas as províncias decidam que têm que cortar a energia para cumprir essas metas, incluindo aquelas que já estão dentro do limite esperado no primeiro semestre.”

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Desde que Xi se comprometeu, em setembro passado, a atingir a neutralidade de carbono até 2060, a tensão entre a economia e o clima está pegando fogo. Autoridades da maior produtora de carvão, a Inner Mongolia, por exemplo, dizem que as altas emissões da região são inevitáveis, dado seu papel no motor da economia da China. Os executivos de combustíveis fósseis também argumentam que eles são importantes para salvaguardar a “segurança energética nacional” da China durante eventos como a própria crise de energia atual.

“Existem muitas vozes por aí compostas por diferentes grupos de interesse”, disse Qin Yan, analista-chefe de carbono da Refinitiv. “Algumas pessoas que defendem o papel do carvão para ‘garantir a energia’ esquecem o outro lado da história, que o carvão está associado a tantos riscos agora, que é importante para o setor de energia se afastar dele.”

O exagero quanto ao papel das políticas climáticas no agravamento da crise de energia pode afetar os esforços da China para ganhar o apoio público para sua campanha de zerar as emissões líquidas de carbono. O excesso de esforços, em 2008, para reduzir a poluição do ar em torno de Pequim, e a iniciativa de substituir os aquecedores a carvão nas residências por gás e eletricidade, em 2017, causaram protestos - o que é raro - e inquietação entre os cidadãos desconcertados com as mudanças.

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Wang, por exemplo, perdeu um forno a carvão na campanha de 2017, e todos os fornecedores de carvão do estado também desapareceram. Mas ele ainda tem sua lareira e está planejando resolver o problema com as próprias mãos para conseguir algum combustível antiquado para este inverno. “Se eu tiver que escolher entre proteção ambiental e aquecimento no inverno, é claro, eu escolho o último”, disse ele.

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