Obsessão com Lula x Bolsonaro derruba ativos brasileiros antes da hora, dizem gestores

Luís Stuhlberger (Verde) diz que Faria Lima erra ao precificar vitória de Lula hoje: o que acontece com uma terceira via se Bolsonaro derreter?

Luis Stuhlberger, gestor da Verde Asset
14 de Setembro, 2021 | 03:13 PM

A antecipação de uma disputa entre Jair Bolsonaro e Lula, a mais de um ano antes da eleição, está derrubando o preço dos ativos brasileiros, segundo líderes de duas das maiores gestoras de investimentos do país, Luís Stuhlberger (Verde Asset Management) e Carlos Leonhard Woelz (Kapitalo Investimentos).

Em um evento da casa de research Eleven Financial, os dois debateram hoje se o mercado está ou não errando ao precificar o cenário eleitoral nos preços atuais dos ativos brasileiros. A resposta de ambos é sim, o debate eleitoral antecipado solapa os fundamentos das companhias brasileiras e deixa em segundo plano recuperação de alguns setores.

“Tanto na bolsa quanto nos juros longos você está fortemente influenciado pela eleição. Eleição chegou muito antes e ainda tem um grau de uncertainty (incerteza) imenso. Eu consigo hipoteticamente imaginar um cenário que a terceira via tem mais de 10% de chance, que é o que o mercado está colocando hoje? Não sei. É muito cedo para dizer isso”, afirmou Stuhlberger, que acumula as funções de CEO e CIO (chief investment officer) da Verde.

Segundo ele, parte do problema está na postura de Jair Bolsonaro, que em vez de “surfar” em dados econômicos favoráveis, como o endividamento do país sair da pandemia menor do que o esperado e a resposta da população à vacinação, tem optado por “pregar para convertidos” em vez de tentar ganhar terreno no eleitorado indeciso ou que não gosta de Lula.

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“Os dados bons que existem, [em termos de resposta à] Covid melhor que outros emergentes, com a população vacinando até adolescentes, o PIB foi melhor que o esperado, o fiscal melhor que o esperado. Em vez do presidente surfar nessa melhora, beneficiar-se dela em si, capturando os eleitores anti-Lula, ele prefere continuar causando todo dia. Estou falando, claro, antes da conversa dele com o Temer, para pregar para convertidos”, disse.

Nas contas de Stuhlberger, o país está dividido em “24% de bolsonaristas hard, 24% de Lula hard e 40% ou 50% que não decidiram e poderiam mudar seu voto: “[É como se o presidente dissesse:] ‘preciso desses 24% firmes e fortes que é minha garantia contra impeachment’, porém uma garantia contra impeachment não significa que ele possa ganhar do Lula”, disse.

No debate, um dos cenários que ele traçou, ressaltando que se trata de uma coisa pouco provável, é que o presidente eventualmente desista de buscar à reeleição para se candidatar a deputado ou senador, mantendo a prerrogativa de foro privilegiado.

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“Eu consigo até imaginar um cenário, e eu não estou dizendo que é provável, que evidentemente o presidente no ano que vem, em imaginando que não vai ter muita chance de ganhar, e sabendo dos problemas que essa política hard dele causa vis-à-vis o Judiciário e os eleitores anti-Lula, que ele possa dizer: ‘não vou sair pra presidente, vou sair para deputado federal ou senador. Eu mantenho a minha imunidade parlamentar.’ Isso é só uma provocação, depois eu não quero que isso saia como a minha opinião, é apenas um thinking. Aí surge uma outra terceira via contra o Lula e a eleição muda completamente de figura”, afirmou.

O exercício de imaginação de uma eleição sem Bolsonaro foi só uma ilustração da sua tese principal, que o mercado está precificando errado os ativos com base na antecipação do cenário eleitoral.

“A gente está muito longe da eleição para colocar no preço que só tem 10% de chance de terceira via e isso poderia mudar o preço dos ativos significativamente. É muito cedo para estar precificando cenários muito ruins a tanto tempo”, afirmou.

Recuperação pode pegar o mercado de calça curta

Carlos Leonhard Woelz, diretor da Kapitalo Investimentos, também acha que os ativos brasileiros estão sendo afetados pela antecipação do debate eleitoral.

“Olha, se a eleição fosse hoje, ia dar Lula”, afirmou o gestor, fazendo uma pausa para, em seguida, entrar com um dos fatores de incertezas no atual cenário: mas que Lula?

“Esse é o ponto e o mercado reage olhando para probabilidades que são mais instantâneas, olhando para um Lula que ganharia em cima de um plano de governo que nós não conhecemos. Qual é o Lula que ganharia? Seria o programa do Haddad? Seria o programa do Lula de 2002?”, indagou.

“A gente não sabe nem quais são os nomes e, mesmo sabendo os nomes, a gente não sabe o que eles representam. É muito cedo. O certo é ter alocações um pouco menos convictas. Concordo que a possibilidade de uma terceira via pode ser maior devido ao tempo”, declarou ele.

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Para Woelz, o cenário eleitoral não é o único que importa já que os estoques mundiais de bens estão baixos e pode haver um ciclo de recuperação econômica mais à frente.

“Ninguém está considerando para o Brasil é o cenário de uma volta do investimento na economia real. O mundo está com estoques muito baixos de automóveis e outros ativos. Ciclos de investimentos se retroalimentam, consomem muitos materials (matérias-primas). A gente está vendo muitos gargalos e na hora que a gente soltar esses gargalos você pode ter um reaquecimento de alguns setores muito surpreendentes”

“O cenário que pode pegar o Brasil e o mercado de calças curtas é o de aquecimento da economia real”, afirmou ele.

Graciliano Rocha

Editor da Bloomberg Línea no Brasil. Jornalista formado pela UFMS. Foi correspondente internacional (2012-2015), cobriu Operação Lava Jato e foi um dos vencedores do Prêmio Petrobras de Jornalismo em 2018. É autor do livro "Irmã Dulce, a Santa dos Pobres" (Planeta), que figurou nas principais listas de best-sellers em 2019.