Estratégia eleitoral de Bolsonaro sacode mercado no Brasil

O turbulento cenário político e fiscal também está prejudicando a capacidade do Banco Central de controlar as expectativas de inflação

Veículos blindados passaram em frente ao Palácio do Planalto durante desfile em Brasília na terça-feira, 10 de agosto
Por Maria Eloisa Capurro e Josué Leonel
16 de Agosto, 2021 | 04:06 PM

Bloomberg — A campanha de Jair Bolsonaro contra o sistema de votação e a pressão para aumentar os gastos sociais antes da eleição presidencial do próximo ano estão atenuando os efeitos de uma das políticas monetárias mais agressivas do mundo nos mercados.

Após o Banco Central apresentar o maior aumento nas taxas de juros em quase duas décadas no início deste mês, a virada para o real durou apenas algumas horas antes de ser superada por crescentes tensões políticas vinculadas à eleição de 2022. O Copom, criticado por ter que tentar recuperar o atraso com os mercados no início do ano, vê as expectativas de inflação continuarem subindo, apesar das promessas de entregar outros 100 pontos-base ou mais se necessário na próxima reunião.

“A situação política, com as tentações populistas antes de uma difícil eleição em 2022, está causando incertezas fiscais, e que provavelmente só aumentará com a proximidade das eleições”, disse Mariam Dayoub, economista-chefe da gestora de ativos Grimper Capital. “Os riscos fiscais devem limitar quanto o real pode se recuperar, mesmo com um banco central mais agressivo.”

Em uma página próxima à estratégia do ex-presidente dos EUA Donald Trump, Bolsonaro tem protestado quase diariamente contra o sistema eleitoral do país, xingando os juízes do Supremo Tribunal Federal e lançando dúvidas sobre o processo de votação eletrônica do Brasil antes de sua candidatura à reeleição. Nem mesmo as derrotas consecutivas do projeto de lei que restabeleceria as cédulas de papel no Congresso acalmaram as águas.

PUBLICIDADE

Ao mesmo tempo, com a pandemia erodindo sua base de apoio, Bolsonaro prometeu um aumento maciço nos programas sociais, reacendendo as preocupações dos investidores que o Brasil gastará demais, sabotando as frágeis contas fiscais que o ministro da Economia, Paulo Guedes, deveria consertar.

O risco de títulos do país, medido pelo credit-default swaps (CDS) de cinco anos, está em seu nível mais alto desde maio, apresentando um dos piores desempenhos do mundo no mês passado. A moeda, que se recuperou fortemente da baixa de março, tem oscilado fortemente durante o dia e já caiu 1,4% desde a decisão de 4 de agosto, para R$ 5,24 por dólar. Essa é a pior entre as moedas latino-americanas nesse período.

“Está muito claro que, se não fosse pelo ruído fiscal e político, o real estaria sendo negociado abaixo dos R$ 5 por dólar, e os mercados estariam prevendo uma trajetória mais benigna para a inflação”, disse Tony Volpon, ex-diretor do banco central e estrategista de investimentos da Wealth High Governance.

PUBLICIDADE

O turbulento cenário político e fiscal também está prejudicando a capacidade do BC de controlar as expectativas de inflação. O Bank of America e o Barclays aumentaram as estimativas para o IPCA desde a decisão. A maioria dos analistas vê os preços ao consumidor em 7,05% no final do ano, acima da meta de 3,75%. Mais preocupante é que também veem a inflação acima da meta em 2022.

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, reconheceu os desafios de ancorar as expectativas de inflação, em um evento online na semana passada, e disse que os mercados estão preocupados com a situação fiscal do Brasil, um país que já estava altamente endividado antes da pandemia.

“Qualquer notícia que afete o nível de endividamento gera muito barulho”, disse.

Um dia antes, o diretor de política monetária Bruno Serra disse que a volatilidade do real está mais alta do que ele preferia.

Em várias ocasiões neste mês, os mercados reduziram ou reverteram os ganhos devido ao barulho político decorrente da insistência de Bolsonaro de que o sistema eleitoral está armado contra ele. Uma reunião cancelada entre Bolsonaro e presidentes dos demais poderes, juntamente com várias investigações sobre suas ações, tirou o ímpeto dos ralis do mercado e empurrou para cima a curva de juros. No fim de semana, Bolsonaro anunciou nas redes sociais que pretende solicitar o impeachment de dois membros do STF.

No dia da votação na Câmara dos Deputados sobre o voto impresso, as Forças Armadas fizeram um desfile com tanques próximo ao Palácio do Planalto, o que deixou Brasília nervosa. Os oponentes alertam que Bolsonaro está abrindo caminho para se recusar a aceitar os resultados da votação do próximo ano se perder, semelhante ao que Trump fez.

A assessoria de imprensa da presidência não respondeu a um pedido de comentário sobre os comentários de Bolsonaro e o impacto nos mercados.

PUBLICIDADE

A taxa de swap para janeiro de 2029 agora está acima de 10%, o maior nível desde 2018. A Selic, que foi cortada para uma baixa recorde de 2% em meio ao pânico da pandemia, saltou para 5,25% neste ano, com expectativas de que pode aumentar para até 8% no final do ano.

Não é apenas o barulho político que preocupa os investidores. Os economistas veem o déficit fiscal em 7,2% neste ano e 6,4% em 2022, de acordo com uma pesquisa da Bloomberg. Os gastos com campanha para obter eleitores, incluindo a reformulação do Bolsa Família, podem piorar esses números.

O hedge fund Verde Asset Management levantou preocupações sobre um caminho fiscal “errático” na semana passada e disse que o país está “flertando perigosamente” com seu próprio passado. A dívida líquida do Brasil em relação ao PIB permanece acima de 60%, a maior desde o início dos anos 2000. Mais gastos não apenas deteriorariam a situação fiscal do país, mas também contaminariam as expectativas de inflação.

VEJA MAIS: ‘Postura errática do governo’ tornou gestão de recursos mais complexa, diz Verde

PUBLICIDADE

Um grupo de empresários e investidores assinou um manifesto em defesa da democracia brasileira na semana passada em resposta à retórica de Bolsonaro. É a segunda vez que esse grupo fala contra o governo. A primeira foi no início deste ano, quando banqueiros e bilionários protestaram contra a forma como o governo está lidando com a pandemia. Em ambas as ocasiões, as cartas pararam de nomear Bolsonaro.

“Os administradores de portfólios são muito céticos em relação ao Brasil”, disse Luiz Fernando Figueiredo, presidente-executivo da Mauá Capital e ex-diretor do banco central que assinou o manifesto. “Entre o manejo da pandemia, a Amazônia, a sustentabilidade, o crescimento a longo prazo, a imagem é muito ruim.”

Leia mais em bloomberg.com