Maneira como aulas são planejadas deveria mudar diante dos avanços da IA, defende este professor universitário (Foto: Cornell Watson/Bloomberg)
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Bloomberg Opinion — Olhando agora em retrospecto, minha lista de tarefas para o novo período letivo era risível. Entre outros 20 itens a serem realizados “antes do início do semestre”, eu havia estabelecido um inócuo: “escrever minha política de Inteligência Artificial”. Seria o mesmo que colocar na lista “preparar-se para a tempestade” enquanto está no olho do furacão.

As projeções já soavam o alerta desde o primeiro semestre, então por que eu não me preparei melhor? Em parte, porque sou antiquado. Sou um estudioso de coisas antigas e atemporais, um professor de teologia que também ensina grego, latim e copta. Sinto-me mais confortável decodificando papiros descobertos no deserto do que recodificando chatbots na nuvem.

E suponho que eu tenha ficado parado durante as ondas anteriores de tecnologia educacional, que geralmente eram exageradas. Na verdade, eu havia experimentado a plataforma de IA generativa ChatGPT quando ela foi lançada pela primeira vez – e ela não me impressionou.

Eu acreditava que o ChatGPT não conseguia distinguir o bom do ruim. Ele escreve uma prosa afetada, com alucinações ocasionais e pouca aptidão para citações diretas. É um poderoso agregador de discursos da internet, com certeza. Mas eu achava que havia uma janela de cinco anos para descobrir como adaptar nossos métodos e objetivos educacionais à IA generativa.

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Mesmo assim, reservei uma manhã recentemente para ler sobre a tecnologia, inserir alguns dos meus prompts favoritos para artigos que uso em aula e depois escrever minha política de IA. Mas muita coisa havia mudado em um ano. O GPT-4 agora estava gerando um trabalho decente sobre questões complicadas em meros segundos.

Com apenas alguns minutos de refinamento dos prompts, edição e inserção de citações, essas redações estariam acima da média dos alunos. Eu ainda não tinha visto uma redação excelente nota 10, mas a competência para produzir uma boa redação (embora padronizada) já era evidente. Estes foram alguns prompts usados:

  • “Ofereça algumas opções para uma declaração de tese ousada sobre o futuro da política de aborto”;
  • “Os ensinamentos de Jesus no Sermão da Montanha eram realmente um bom conselho para a vida cotidiana?”; e
  • “Analise os pontos fortes e fracos dos escritos acadêmicos do professor Michael Peppard”.

As respostas foram surpreendentemente coerentes e significativas, e suas críticas ao meu próprio trabalho publicado são, infelizmente, precisas.

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Algumas de minhas tarefas exigem redação criativa ou em primeira pessoa. Assim, pedi ao GPT-4 que escrevesse uma redação pessoal sobre uma jovem que acabara de fazer uma migração perigosa de uma família violenta em Honduras para um ponto de ônibus no Texas, e o único bem que lhe restava era o rosário dado a ela pela avó.

A IA não apenas escreveu uma história coerente na primeira tentativa mas também usou metáforas com precisão e fez conexões simbólicas que foram lidas de forma realista:

“Minha família estava fragmentada – estilhaços que jamais formariam uma imagem completa novamente... Antes de ir embora, minha avó me entregou um rosário. ‘Este será seu norte’, ela sussurrou, enquanto o pressionava na palma de minha mão”.

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Esse é um trecho de uma grande obra literária? Não, mas o GPT-4 produziu uma narrativa competente e gerou a metáfora fundamental do rosário como um “norte” – algo duplamente significativo para a jornada da migrante católica rumo ao norte.

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Talvez eu não devesse me surpreender.

Grande parte do significado e da emoção da literatura emerge da manipulação de símbolos, e os grandes modelos de linguagem (LLM) como o ChatGPT foram codificados especificamente para fazer exatamente isso. Além de entender agora o poder dessa tecnologia para revolucionar a educação, também passei a ver a greve dos escritores de Hollywood com outros olhos.

Como alguém cuja carreira foi construída com base em leitura analítica e redação generativa, eu precisava de alguém para me convencer a sair do abismo profissional, para me dizer que a tempestade não é tão assustadora quanto parece. Liguei para meu amigo Mounir Ibrahim, que trabalha na Truepic, líder em autenticidade de conteúdo digital.

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Depois de uma longa conversa, ele me convenceu de que o que estou vendo agora já é tecnologia antiga e que as capacidades atuais já estão muito além do que estou usando em uma interface disponível publicamente. Ele me convenceu a mudar meus métodos educacionais e avaliações imediatamente e, nesse novo mundo de IA, a reavaliar a finalidade da educação.

Este semestre letivo precisa ser um período de questionamento e experimentação rigorosos para professores de todos os níveis. Se a IA pode gerar um modelo de redação convincente sobre o papel da religião no Império Romano, devo manter essa tarefa em minha aula?

De modo mais geral, aprender a escrever uma redação analítica ainda é o objetivo central de uma educação liberal? Se não, o que mais deveríamos estar fazendo?

Talvez devêssemos reconfigurar nossos cursos de forma a enfatizar os aspectos do pensamento e da aprendizagem que fazemos melhor do que a IA.

Nós, seres humanos, somos (até o momento) melhores em: fazer perguntas, pensamento crítico, criar e manter relacionamentos humanos, analisar e evitar preconceitos, avaliar a estética, resolver problemas sobre o presente e o futuro, tomar decisões éticas e ter empatia. Como seria criar nossos cursos com base nessas características de nosso aprendizado?

Neste semestre exploraremos o mundo antigo com o admirável mundo novo. Sim, escreveremos redações, mas também usaremos IA generativa individualmente e em conjunto.

Aumentaremos a frequência e os modos de colaboração em grupo e o desenvolvimento de perguntas superiores que a IA não faz.

Vou reintroduzir a forma de avaliação mais antiga – a prova oral individual – ao mesmo tempo em que exigirei que os alunos usem a IA generativa em sua primeira tarefa para casa.

O mais importante é que criticaremos os vieses, as omissões e as falsidades da IA generativa, no modelo que estou chamando de “exigir e criticar”. Em algumas tarefas, os alunos usarão a IA generativa e, em seguida, serão avaliados na apresentação de críticas aos seus resultados com base em outras fontes e recursos do nosso curso. Por fim, dedicaremos muito tempo e esforço à análise ética – o modo definitivo de inteligência que permanece exclusivo dos seres humanos, por enquanto.

Sei que ainda não estou pronto. Mas algumas ondas de desenvolvimento são grandes demais para serem ignoradas ou resistidas. A única opção, ao que parece, é surfar nelas.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Michael Peppard é professor de teologia na Fordham University.

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