Por que esta gestora diz que é cedo para montar posição na bolsa brasileira

Garde Asset, com DNA macro, tem dado preferência a posições aplicadas em juros no Brasil, para surfar esperada queda da Selic, conta Daniel Weeks à Bloomberg Línea

Painel de cotações na B3: bolsa brasileira subiu mais de 20% desde o fim de março (Foto: Patricia Monteiro/Bloomberg)
20 de Junho, 2023 | 05:05 AM

Bloomberg Línea — Com foco na análise macro e preferência pela alocação em juros, a Garde Asset Management tem optado por ficar de fora do rali da bolsa brasileira que levou o Ibovespa (IBOV) saltar dos 100 mil para os quase 120 mil pontos em menos de três meses.

A avaliação da casa é a de que, embora no curto prazo o entusiasmo com as ações brasileiras deva continuar, impulsionado em parte pelo fim do ciclo de aperto monetário e, em outra, pelo FOMO (Fear of Missing Out, o medo de perder o rali), no longo prazo o sentimento é de cautela.

“Acredito que vamos ter retrocessos, como o Estado voltando a ter uma participação maior na economia, caso do BNDES. Também estamos mais cautelosos porque achamos que ao longo do tempo o fiscal tende a decepcionar”, disse Daniel Weeks, economista-chefe da Garde, em entrevista à Bloomberg Línea.

Com cerca de R$ 2 bilhões em ativos sob gestão, a gestora completa dez anos em 2023 e conta com fundos multimercados macro, sistemáticos e fundos de previdência.

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E, enquanto grande parte do mercado financeiro aposta suas fichas em um corte da Selic já em agosto, a Garde projeta um corte de 0,25 ponto percentual apenas em setembro.

A principal posição da casa hoje é a fatia aplicada em juros no meio da curva, à espera da queda da Selic. “Quanto mais o BC fizer um bom trabalho no sentido de não ceder a pressões e esperar de fato a inflação melhorar, maior será o ciclo de queda [das taxas]”, avaliou.

Weeks comentou ainda sobre o cenário para a China e as perspectivas para o dólar. Confira a seguir os principais trechos da entrevista, editada para fins de maior clareza:

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Bloomberg Línea: Até que ponto o rali do Ibovespa é sustentável?

Daniel Weeks: Não sei ao certo, mas pelo visto o índice vai continuar andando. O Ibovespa avançou aqui no Brasil, mas o mundo todo está embarcando nessa fase final de ciclo de aperto monetário que é um bull market.

A Petrobras (PETR3; PETR4), por exemplo, está voando, mas ela já estava muito descontada. Acho que esse “oba oba” com Brasil deve continuar no curto prazo, principalmente por causa do FOMO [O medo de ficar de fora, em tradução livre]: ninguém quer perder um rali de 100 mil para 120 mil pontos.

Se, de fato, o Fed estiver perto do fim do ciclo e a China não colapsar – o que poderia prejudicar nossas commodities –, tem tudo para continuar assim. Mas se eu acho que tudo vai dar certo no longo prazo? Acho que não.

O que contribui para esse viés mais cauteloso?

Acredito que vamos ter retrocessos, como o Estado voltando a ter uma participação maior na economia, caso do BNDES; talvez não na magnitude do governo Dilma Rousseff, mas de forma ativa.

Também estamos mais cautelosos porque achamos que ao longo do tempo o fiscal tende a decepcionar.

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Houve uma melhora muito grande no curto prazo, que tende a ser desfeita muito a conta-gotas ao longo do tempo, quando descobrirmos que o déficit vai ser maior do que o governo prometeu, que no ano que vem novamente não vamos zerar o déficit e que a dívida continua subindo. Por isso, estamos sem posição relevante em equities.

Qual o cenário-base para os juros no Brasil?

Eu estava super pessimista com a possibilidade de um corte dos juros esse ano. Até pouco tempo atrás [em maio] não esperávamos uma flexibilização em 2023, basicamente porque olhávamos um fiscal em que a despesa real vai crescer 7% neste ano e outros 4% no ano que vem.

A PEC da Transição garantiu muito gasto no curto prazo, o que poderia impedir a inflação de cair mais forte. No entanto o vetor externo de queda nos preços de alimentos e petróleo tem ajudado a reduzir as pressões. Para o ano que vem chegamos a prever alta de 5% para o IPCA e agora estamos com projeção de 4,3%.

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Outra coisa que tende a ajudar o Banco Central é a queda do ruído em torno de uma mudança na meta de inflação. Desde que foi anunciada, o que se viu pelo lado do Fernando Haddad, que coordenaria essa possível mudança, foi muito mais de tirar o ano calendário do que mudar a meta em si.

E para quando você espera o início dos cortes?

Vemos um corte de 0,25 ponto percentual em setembro. O mercado, de forma geral, está mais animado, mas acho que as condições para isso ainda não estão claras e o BC não se curva a pressões.

Temos discutido muito sobre como o BC vai comunicar os próximos passos no comunicado pós-Copom desta semana. Roberto Campos Neto tem se mostrado mais construtivo e otimista com a inflação, mas outros diretores ainda estão mais reticentes. Não me parece que o colegiado do BC já esteja decidido em cortar os juros em agosto.

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Daniel Weeks, economista-chefe da Garde Asset Managementdfd

O BC deveria ser transparente e dizer que um ciclo de flexibilização monetária depende de certos fatores importantes para uma convergência da inflação à meta, como uma melhora da inflação subjacente e uma ancoragem das expectativas.

Como falta tempo e ainda temos a reunião do Conselho Monetário Nacional no fim do mês, uma manutenção da meta poderia favorecer uma queda nas expectativas mais longas.

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Qual o principal risco hoje para emergentes, como o Brasil?

A grande dúvida que temos é o cenário da China, algo que é bem relevante para emergentes como o Brasil. Em novembro do ano passado vimos o fim da política de covid zero e tivemos uma recuperação muito rápida da atividade, que ficou muito baseada em serviços.

Só que serviços não consomem commodities. Quando o mercado passou a entender isso, os preços das matérias-primas começaram a cair. No começo deste mês, contudo, começaram a surgir rumores de estímulos do governo chinês, o que levou a novos ganhos nas commodities.

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Isso é muito relevante para um país como o Brasil, que no fim do dia depende de três coisas: soja, minério e petróleo. Se eles vão bem, o PIB cresce, a Receita arrecada e o fiscal melhora.

Temos um viés negativo de que esses estímulos do governo ao setor imobiliário chnês não serão suficientes para reanimar os preços das commodities. Mas seja como for, os preços caíram na margem, mas estão historicamente altos, então não necessariamente vai ser algo ruim para o Brasil se ficarem onde estão.

O que tem pressionado o dólar para baixo? E isso deve continuar?

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Tem duas coisas que ajudam o dólar a ficar baixo aqui: os juros altos e as commodities. No juro alto, o mercado está precificando que a taxa deverá cair. Então o carry trade, que está super atrativo, uma hora deverá ficar menos – mas isso só mais para frente.

Nós estávamos comprados [aposta na alta] em dólar, principalmente com o cenário de queda das commodities, mas agora temos posições bem pequenas. Como estamos aplicados [à espera da queda das taxas] em prefixados, essa posição acaba funcionando como um hedge.

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Mariana d'Ávila

Editora assistente na Bloomberg Línea. Jornalista brasileira formada pela Faculdade Cásper Líbero, especializada em investimentos e finanças pessoais e com passagem pela redação do InfoMoney.