Fundador da Netshoes: como a era digital chegou ao conserto do carro

Bloomberg Línea — O mercado automotivo, um dos maiores da economia, está gradualmente aderindo às práticas da jornada digital - como a compra de carros pela internet -, mas alguns de seus segmentos ficaram para trás. É o caso do conserto e da troca de peças de uma frota que se aproxima de 60 milhões de carros no país.

De olho nessa oportunidade, o empreendedor Marcio Kumruian, fundador e ex-CEO da Netshoes, acaba de lançar a Peça.aí, uma startup que é um marketplace de autopeças com serviço logístico para entrega em oficinas - o chamado last mile - em até duas horas na Grande São Paulo para a maioria das categorias de produtos. Em janeiro de 2023, deve chegar a Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre.

Trata-se de um mercado endereçável de mais de 100 mil oficinas em todo o país, que movimenta estimados R$ 63 bilhões ao ano, segundo o empreendedor.

Kumruian diz que o objetivo é resolver uma das principais queixas de consumidores finais e, portanto, de donos de oficina: a necessidade de espera de dias ou até semanas de peças de reparos, o que deixa o carro parado além do desejável.

“O mercado de carros usados ficou ainda mais valorizado na pandemia [por causa dos gargalos para a produção de novos]. E, ao olharmos toda a cadeia, vimos que o mecânico é a ponta fragilizada que precisa de mais ajuda, porque é um setor fragmentado e com baixo acesso à tecnologia”, disse Kumruian à Bloomberg Línea.

Kumruian é um dos empreendedores mais experientes do país, pioneiro em levar a sua startup - a Netshoes - para a Bolsa de Nova York (NYSE) em 2017, antes da venda posterior para o Magazine Luiza (MGLU3) dois anos mais tarde. O empreendedor segue no conselho de administração do Magalu.

A empresa nasce com sortimento de cerca de 35 mil peças de todas as marcas presentes nos sellers - distribuidores e varejistas - já conectados à plataforma, das quais 20 mil se enquadram na categoria da entrega imediata. O plano é chegar ao fim do ano com estoque de 250 mil autopeças, o que vai consolidar o seu status de maior marketplace digital de equipamentos automotivos do país.

Foi montado um catálogo proprietário digital com especificações e aplicabilidade de mais de 450 mil autopeças de todas as marcas, que permitem direcionar o uso para cada modelo de carro de forma assertiva com o uso de tecnologia. Com a placa do carro, a startup consegue encontrar a peça necessária no seller e efetuar a compra, com o financiamento pré-aprovado, em menos de três minutos, disse ele.

Segundo Kumruian, com o uso de IA, será possível no futuro oferecer ao proprietário do veículo de forma resumida e antecipada as informações não só da necessidade de conserto e reparo de alguma peça como os valores e o tempo do serviço.

Na outra ponta, já são cerca de 400 oficinas que estão na plataforma, em um ritmo de acréscimo de 100 novos CNPJs por semana. É um dos desafios do início da operação: fazer a integração de oficinas em um setor altamente pulverizado.

A Peça.Aí cobra um take rate abaixo dos habituais 15% de marketplaces em cima da venda das autopeças, justamente com o objetivo de ganhar escala. Kumruian disse que há outras alternativas em estudo, tanto em crédito como no serviço de entrega e até no acesso aos dados do catálogo.

A nova startup se integra com a que lançou há pouco mais de um ano no mesmo segmento, a Tunne, mas oferecendo a digitalização do serviço automotivo conectando oficinas com consumidores finais. E nasceu justamente da identificação da necessidade em particular de donos de oficina de gerenciar o estoque de peças.

“O mecânico precisa consertar o carro no menor tempo possível para devolver para o cliente e ainda tomar conta do ciclo de caixa enquanto isso. Para ele, o tempo de entrega da peça é muitas vezes mais importante que o preço”, disse Kumruian. Mas, segundo ele, a startup vai permitir que o dono da oficina decida se prefere priorizar tempo ou preço, algo que tende a ser um diferencial por causa da escala.

A Peça.Aí oferece também financiamento para os donos de oficinas, inicialmente por meio de análise própria de crédito, mas em breve também como um marketplace de serviços financeiros para essa demanda.

A Tunne, por sua vez, nasceu como uma plataforma digital no modelo B2B2C que oferece do agendamento de reparos e da instalação de equipamentos até serviços como a gestão de pagamentos dos consumidores às oficinas.

O modelo com uso de inteligência artificial, desenvolvido por um sócio que fica na Califórnia, permite fazer recomendações em tempo real de peças de acordo com o modelo, o ano do veículo e a localização do cliente, oferecendo informações de preços e avaliações das oficinas.

Depois que deixou o dia-a-dia da Netshoes, há dois anos, Kumruian lançou também a ZiYou, uma startup de aluguel de equipamentos fitness como esteiras e bikes de spinning.

Na atualização mais recente do negócio, a startup lançou aparelhos conectados por bluetooth que permitem que as bicicletas funcionem no modelo da americana Peloton, mas com preços mais acessíveis - a assinatura mensal sai por R$ 129, contra US$ 2.500 (cerca de R$ 13.100) de aquisição na companhia americana.

Leia também

Plano de assinatura para carros elétricos é a nova tendência nos EUA

Por que ir ao mecânico virou um problema nos Estados Unidos?