O mercado já estava vivendo três mudanças de paradigma, mas o ambiente se deteriorou por dois novos fatores
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Bloomberg Opinion — Passageiros frequentes estão acostumados a turbulências em alguns voos. Muitos até as esperam. Apesar dessa antecipação, no entanto, a turbulência pode, de vez em quando, criar uma ansiedade significativa até mesmo entre os viajantes mais experientes.

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Foi isso que aconteceu nos mercados na semana passada. A turbulência “esperada”, relacionada em grande parte a três contínuas mudanças de paradigma, foi turbinada por dois fatores menos esperados, cuja duração desempenhará um papel importante na determinação do funcionamento ordenado dos mercados.

A maioria dos economistas, investidores e traders já internalizaram em grande parte que a economia global e os mercados financeiros estão navegando por três mudanças de regime:

  • Injeções previsíveis de liquidez do banco central e taxas de juros baixas foram substituídas por um aperto global generalizado da política monetária.
  • O crescimento econômico está desacelerando significativamente à medida que as três regiões mais sistemicamente importantes da economia global perdem impulso ao mesmo tempo.
  • A natureza da globalização está mudando da presunção de uma integração econômica e financeira cada vez mais estreita para uma maior fragmentação, em parte devido às persistentes tensões geopolíticas.

Tanto por si só quanto coletivamente, essas três mudanças envolvem uma maior volatilidade econômica e financeira. Em termos de distribuição de possíveis resultados econômicos e financeiros, o básico está se tornando menos atraente e mais incerto, e a possibilidade de cenários muito negativos está se tornando maior.

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Os acontecimentos no mercado na última semana, incluindo as movimentações de preços de renda fixa e câmbio, geraram mais consequências do que investidores e traders teriam que lidar com estas três mudanças de paradigma inconvenientes. Dois fatores adicionais tornaram a semana particularmente inquietante.

O primeiro foi a perda acelerada da confiança na elaboração de políticas. Os mercados, que durante anos consideraram o Federal Reserve e o governo britânico como supressores de volatilidade, passaram a considerá-los fontes significativas de instabilidade inquietante.

Depois de ser seduzido pela noção de inflação “transitória” e não ser agressivo nas políticas, o Fed está correndo atrás do prejuízo para combater a inflação alta e prejudicial. Mas agora que está ficando para trás, o banco central americano está forçado a aumentar agressivamente as taxas. Com isso, a antiga possibilidade de um pouso suave foi substituída pela desconfortável probabilidade de o banco central levar os EUA a uma recessão, e os danos resultantes irão muito além da economia doméstica.

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No Reino Unido, o novo governo da primeira-ministra Liz Truss optou não apenas por reformas estruturais e estabilização dos preços de energia, mas também por cortes de impostos não financiados de uma magnitude não vista em 50 anos. Preocupados com as implicações para a inflação e as necessidades de crédito, os mercados derrubaram a libra a um nível não visto desde 1985. Eles também estabeleceram o maior aumento da história nos custos de empréstimos, medidos pelo rendimento dos títulos do governo de cinco anos.

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Ambos acontecimentos são inerentemente desestabilizadores, tanto econômica quanto financeiramente. E ambos são difíceis de reverter no curto prazo.

O segundo fator adicional diz respeito aos fluxos de fundos e às implicações para a liquidez do mercado.

De acordo com dados compilados pelo Bank of America (BAC), cerca de US$ 30 bilhões fluíram dos fundos de capital e de títulos e para o caixa. Este e outros indicadores, como o aumento recorde de proteção relacionada a opções contra quedas nas ações, apontam para a possibilidade de grandes realocações de ativos que pressionam o funcionamento ordenado dos mercados.

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Quanto maiores as tensões no funcionamento do mercado, mais os traders e investidores se preocupam com o fato de não conseguirem reposicionar suas carteiras como desejado. E quanto mais eles não conseguem fazer o que desejam, maior é o risco de contágio. Este é particularmente o caso da renda fixa, em que tantos títulos agora residem nos balanços dos bancos centrais.

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Eu já esperava um aumento da volatilidade e uma queda de preços à medida que os mercados navegavam pelas grandes mudanças de paradigma. Os acontecimentos da semana passada apontam para o risco de mais instabilidade que complica uma jornada já difícil para novos equilíbrios econômicos e financeiros – uma jornada que torna mais prováveis os erros de investimento.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

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Mohamed A. El-Erian é colunista da Bloomberg Opinion. Foi CEO da Pimco, é reitor do Queens’ College, Cambridge; consultor econômico chefe da Allianz; e presidente da Gramercy Fund Management. É autor de “The Only Game in Town”.

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