Até que ponto isso faz parte de aprender a lidar com os riscos da vida?
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Bloomberg Opinion — Como se tudo o que está acontecendo no mundo já não gerasse preocupaçao suficiente, a Bloomberg News informa que os jovens estão buscando tratamento de saúde mental para ajudá-los a quebrar os ciclos de negociação excessiva de criptomoedas, que tem os consumido. Os jovens em questão reclamaram que o ritmo frenético de transações na esperança de obter riquezas rápidas em uma classe de ativos de US$ 2 trilhões, que não para de crescer, os levou a negligenciar a vida comum e destruiu sua paz de espírito.

Isso me traz à mente uma conversa que tive anos atrás com Ed Thorp, o professor de matemática que inventou a contagem de cartas do blackjack e desenvolveu ou refinou a maioria das estratégias clássicas quantitativas de hedge funds usadas hoje. Seus livros da década de 1960, Beat the Market: Um sistema de mercado de ações científico e Quebrando a banca, inspiraram muitas pessoas – inclusive eu – a embarcar em jornadas de vida usando matemática para ter sucesso em apostas de alto risco. Perguntei a Ed se ele se preocupava com as pessoas que se depararam com seus livros e arruinaram suas vidas em competições e esforços malsucedidos. “Não”, ele respondeu, “acho que eles teriam se metido em confusão com ou sem a minha ajuda.”

Goste ou não, a vida é cheia de apostas de alto risco. Esperamos que os formandos do ensino médio decidam se apostam centenas de milhares de dólares em despesas com faculdade e salários perdidos na esperança de aumentar os ganhos vitalícios em dezenas de milhares de dólares por ano. Sabemos que muitos deles fazem más escolhas. E isso é apenas um de uma longa série de riscos futuros. Escolher carreiras, casar-se, iniciar negócios, fazer investimentos, ingressar no exército, sonegar impostos – tudo isso são apostas.

Como os jovens aprendem a tomar decisões sábias sobre riscos? Palestras e livros didáticos podem ajudar, mas principalmente se aprende com a experiência. Os jogos são bons para isso, tanto esportes quanto jogos com cartas, dados ou outros elementos aleatórios. Para entender o risco, no entanto, as apostas devem ser pessoalmente significativas e os jogadores devem realmente se preocupar com os resultados. E uma das qualidades mais importantes transmitidas é a coragem de participar de jogos com apostas significativas em primeiro lugar.

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Uma consequência necessária disso é que algumas pessoas vão se machucar. Acidentes de treinamento nas forças armadas matam duas vezes mais pessoas em serviço do que em combate. Não é irracional sugerir uma proporção semelhante para jogos de azar – duas vezes mais pessoas precisam de tratamento de saúde mental ou perdem todo o seu dinheiro ou arruínam relacionamentos pessoais, envolvidas jogos de azar ou day trading ou especulação em criptomoedas, pois enfrentam problemas semelhantes com a tomada de risco “responsável”. Um jovem que comete esses erros pode obter algum tipo de reabilitação e recomeçar a vida mais triste, mas mais sábio, sem danos permanentes. Aqueles que tomam suas primeiras decisões sérias de investimento na meia-idade podem não se recuperar tão facilmente.

A negociação financeira – seja gritando na bolsa, trabalhando na sala de negociação de um grande trader, administrando um hedge fund ou negociando criptomoedas em seu telefone – é uma forma particularmente intensa de assumir riscos. Há nessas atividades uma adrenalina devoradora que faz com que a vida comum longe desse ambiente pareça insossa e sem graça. Mesmo os traders quantitativos que não dão a última palavra nas decisões de negociação individuais sentem a emoção enquanto agonizam ao terem que escolher entre ajustar seus modelos ou parar.

A longa experiência sugere que a negociação no nível mais alto não pode ser feita com calma. Os traders profissionais aprendem a refinar emoções brutas, como medo e ganância, em intensidade psicológica igualmente forte, mas produtiva – assim como os melhores atletas estão imbuídos de uma vontade focada de vencer, e as pessoas bem-sucedidas na maioria dos campos aprendem a aproveitar não apenas seus cérebros, mas seus corações no seu trabalho diário. “Proteger” os jovens contra aprender essas técnicas os prejudica duplamente. Eles permanecem vulneráveis a emoções cruas que levam a más decisões de risco e nunca experimentam a paixão focada necessária para se obter grande êxito. Tentar reduzir a zero o estresse psicológico e as perdas financeiras dos jovens pode ser como eliminar qualquer treinamento perigoso nas forças armadas – mais danos gerais, em apostas muito mais altas.

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Muitos reguladores veem a “gamificação” das finanças com suspeita, juntamente com criptomoedas, day trading e outras aividades que tornam divertido o aprendizado sobre risco. Eles veem o mal das pessoas que exageram, mas não o ganho muito maior de pessoas equipadas para lidar de forma inteligente com os riscos da vida.

Aaron Brown foi diretor operacional e chefe de pesquisa de mercado financeiro no AQR Capital Management. Ele é autor de “The Poker Face of Wall Street.” Ele pode ter conflito de interesses nas áreas em que faz cobertura.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

– Esta coluna foi traduzida por Marcelle Castro, Localization Specialist da Bloomberg Línea.

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