No discurso de Bolsonaro pela reeleição, religião prevalece sobre economia

Em evento na sede do PL em Brasília, presidente disse que só pretende “entregar o comando deste país lá na frente”

Bolsonaro lança campanha à reeleição em evento na sede do PL, em Brasília, em 27/3/2022
27 de Março, 2022 | 01:26 PM

Bloomberg Línea — O presidente Jair Bolsonaro (PL) deu neste domingo (27) a largada para sua campanha para reeleição. Como o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) estabeleceu o início da campanha para 12 de agosto, não houve menções explícitas à palavra “reeleição”. Mas Bolsonaro disse que só pretende “entregar o comando deste país lá na frente, bem lá na frente”.

O general Braga Netto, ministro da Defesa e cotado para ser vice de Bolsonaro nas eleições deste ano, não compareceu ao evento. Estava prevista para este domingo sua filiação ao PL.

Em discurso mais longo que o de costume, Bolsonaro retomou os principais assuntos que vem levantando em seus pronunciamentos públicos dos últimos meses: armamento dos “cidadãos de bem”; “nosso lema simples ‘Deus, pátria, família, liberdade e povo’”, uma derivação do lema integralista “Deus, pátria, família e liberdade; defesa da família; críticas aos governadores que adotaram medidas de isolamento para combater a pandemia, que chamou de “ações nefastas”; a história de superação da facada - “vocês sabem que vivi o milagre da vida”.

Bolsonaro subiu ao palco sabendo que não é o favorito nas eleições deste ano. Segundo as pesquisas eleitorais, ele fica em segundo lugar, atrás do ex-presidente Lula (PT). De acordo com os institutos, o presidente vem oscilando em torno dos 25%, enquanto Lula aparece sempre na casa dos 43%.

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E fez referência a isso no discurso. “Vocês já ouviram no passado dizer que uma mentira repetida mil vezes transforma-se numa verdade. Vou dizer para vocês agora: uma pesquisa mentirosa publicada mil vezes não fará um presidente da República”, disse.

“Todo poder emana do povo, mas - agora o ‘mas’ não é da imprensa, o ‘mas’ é meu - mas nós temos que ter lideranças sérias. O povo é a parte mais importante desse processo. A segunda parte mais importante sou eu. Os governadores, prefeitos, deputados e senadores também”, discursou.

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O discurso teve forte teor religioso. Bolsonaro foi precedido do narrador de rodeios Cuiabano Lima, que disse que as eleições deste ano não serão “uma batalha política”, mas uma “batalha espiritual”.

Em sua fala, o presidente da República disse que “Deus tem uma missão para cada um de nós. Talvez, entre todos aqui presentes, a missão mais espinhosa seja a minha. Mas você vence isso primeiro com Ele a teu lado e depois com uma família presente”.

E emendou: “As decisões não são fáceis, mas aprendi na minha carreira militar que, pior que uma decisão mal tomada, é uma indecisão. Se [for] para defender nossa liberdade, a nossa democracia, eu tomarei a decisão contra quem quer que seja. E a certeza do sucesso é que eu tenho um exército ao meu lado. E esse exército é composto por cada um de vocês. Podemos até perder umas batalhas, mas não perderemos a guerra por falta de lutar. Vocês sabem do que estou falando”.

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Economia

Aliados do presidente reconhecem que este será um ano difícil. Bolsonaro entra na campanha para reeleição com a pior avaliação que um presidente-candidato já teve - é rejeitado por 59% dos eleitores, segundo pesquisa BTG/FSB.

O principal problema é a economia e, dentro disso, a inflação, conforme vêm mostrando as pesquisas de opinião. E a campanha de Bolsonaro sofrerá com isso.

De acordo com o IBGE, a inflação medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) de 2021 foi de 10,06%, o pior índice desde 2015. E o recorde foi repetido em março, quando foi registrada alta de 0,95% (depois de alta de 0,99% em fevereiro), a maior para o período também desde 2015.

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Em 2021, segundo o IBGE, o que mais puxou a inflação para cima foi o preço dos alimentos, especialmente das carnes e do café moído.

Já a alta dos preços de março deste ano tem como um dos principais culpados o reajuste do preço dos combustíveis na refinaria pela Petrobras (18,7% na gasolina e 24,9% no diesel).

Segundo a última pesquisa XP/Ipespe, divulgada na sexta-feira (25), 63% dos eleitores acham que a economia está no caminho errado, e 70% veem Bolsonaro como responsável pela inflação.

a última edição da pesquisa BTG/FSB, também divulgada na semana passada, mostrou que 29% dos eleitores consideram Bolsonaro o maior responsável pela alta dos combustíveis. Outros 22% apontaram a política de preços da Petrobras como culpada.

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CULPA DOS GOVERNADORES

Mas a única referência feita por Bolsonaro ao assunto no discurso deste domingo foi que “ao longo destes três anos [de governo], sofremos as consequências econômicas da pandemia e outros efeitos adversos. Alguns próximos de mim falavam: ‘se complicar, vou mudar para um país lá do norte’. Não se esqueçam que esse país lá do norte está ficando complicado também”.

De resto, repetiu as críticas aos governadores e às políticas de isolamento social. “Vocês sentiram ao longo da pandemia o gosto da ditadura, onde alguns chefes de Executivo, em especial estaduais, tiraram o direito até de ir e vir de vocês, obrigaram a ficar em casa”, disse. “Vimos ações nefastas, vimos pessoas, por decreto, determinando ações simplesmente absurdas.”

É o que ele vem dizendo ao longo dos últimos meses. Em diversas falas, o presidente procurou culpar os governadores pela situação econômica do país e argumentar que, se ele não continuar presidente, o PT, que ele associa a corrupção e comunismo, vai voltar a governar o país.

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Na maioria dos discursos que vem fazendo, Bolsonaro diz que o isolamento social é a causa da inflação e da baixa perspectiva de crescimento da economia.

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“Lamentamos os anos de 2020 e 2021, onde a pandemia se abateu sobre nós e a política equivocada e desastrosa de muitos governadores, sob o lema ‘fique em casa, a economia a gente vê depois’, trouxe desemprego e perda de renda para muita gente”, disse ele em Quixadá, no Ceará, na terça-feira (23).

Na sexta, durante o lançamento de um programa de injeção de dinheiro na economia, Bolsonaro chamou as políticas de isolamento social de “covardia”.

O mesmo movimento vem fazendo em relação aos combustíveis. Em suas lives semanais, costuma dizer que o principal responsável pela alta dos preços da gasolina e do diesel é o ICMS, imposto estadual, que incide sobre o preço final na bomba. O presidente argumenta que o governo federal zerou os tributos incidentes sobre os combustíveis, enquanto os governadores aumentaram os impostos sobre os quais têm competência.

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No ano passado, o governo federal enviou ao Supremo Tribunal Federal um pedido para que a corte obrigue o Congresso a regulamentar uma emenda constitucional que obriga o ICMS a ter valores únicos por categoria de produtos em todo o território nacional - ainda não houve decisão no caso, que está com a ministra Rosa Weber.

Já foi aprovada e sancionada uma lei estabelecendo que o ICMS sobre os combustíveis deve ser único no Brasil inteiro. Em reunião do Comsefaz (Comitê dos Secretários de Fazenda dos Estados), os secretários de Fazenda chegaram a um consenso sobre o assunto e propuseram cobrar R$ 0,999 por litro de diesel. Bolsonaro chamou a proposta de “esculacho”.

No início deste ano, o governo consultou o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para saber se podia adotar uma política de redução de preços de combustíveis em ano eleitoral, ou se incorreria no crime de abuso de poder. A consulta foi rejeitada pela corte sem resposta.

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“Vocês sabiam que há cinco ou seis semanas o preço do álcool vem caindo [nas refinarias]? E na bomba não diminui. É culpa do dono do posto? Não, é dos governadores, porque eles cobram o imposto não do etanol lá na usina, mas o da bomba”, disse Bolsonaro, em discurso no Rio Grande do Norte, em fevereiro.

PT

O presidente também tem procurado criticar as administrações petistas em suas falas públicas.

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Na sexta, durante o lançamento de um programa para injetar R$ 150 bilhões na economia, Bolsonaro disse: “Imagine se tivesse o cara do PT no meu lugar. Vocês não estariam aqui, talvez não tivesse mais cães e gatos no Brasil, como na Venezuela”, insinuando que os brasileiros passariam fome.

Durante discurso para investidores em fevereiro, em evento organizado pelo banco BTG, Bolsonaro associou uma vitória do PT nas eleições deste ano à legalização do aborto e do tráfico de drogas, além do comunismo e da aliança com “ditaduras”, citando Cuba e Venezuela.

No início do ano, Bolsonaro fez diversas viagens ao Nordeste, região onde apresenta o pior desempenho nas pesquisas (Lula aparece com cerca de 60% dos votos por lá).

Em todas elas, disse que a culpa pela alta dos combustíveis é do endividamento contraído pela Petrobras durante os governos do PT e de “14 anos de desvios e projetos malfeitos”, segundo ele. “Vocês estão pagando essa conta no preço do combustível na bomba”, disse.

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Juntando com o que ele diz ser “o prejuízo” do BNDES, de R$ 500 bilhões, seria possível fazer “cem transposições do Rio São Francisco”, obra iniciada ainda no governo Lula, mas que tem trechos sendo entregues neste ano.

No discurso deste domingo, voltou ao assunto: “Estão descontentes conosco. Acabou a farra com dinheiro público. Buscam qualquer coisa, qualquer gota d’água para transformar num tsunami”. “Nessas questões, se aparecer alguma coisa, colaboraremos para que os fatos sejam elucidados. Todos nós somos humanos, podemos errar. Quem nunca errou?

“Por vezes, me embrulha o estômago ter que jogar dentro das quatro linhas [da Constituição], mas eu jurei jogar dentro da Constituição. Àqueles que estão ao meu lado, aos meus 23 ministros, digo ‘vocês têm a obrigação de fazer com que quem esteja fora das quatro linhas, seja obrigado a voltar a jogar dentro das quatro linhas”, discursou.

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Pedro Canário

Repórter de Política da Bloomberg Línea no Brasil. Jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero em 2009, tem ampla experiência com temas ligados a Direito e Justiça. Foi repórter, editor, correspondente em Brasília e chefe de redação do site Consultor Jurídico (ConJur) e repórter de Supremo Tribunal Federal do site O Antagonista.