O que você precisa saber para usar bem uma carteira digital
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Bloomberg Opinion — O fim do dinheiro físico está próximo. No entanto, como consumidores, devemos esperar que ele não chegue logo.

Não é a pandemia que está eliminando esse popular meio de pagamento. Tudo o que o Covid-19 fez foi acelerar uma tendência que já estava emergente. Quando Steve Jobs revelou o primeiro iPhone em 2007, ele começou a eliminar a necessidade de cédulas. Carros autônomos, geladeiras que fazem pedidos de mantimentos e nossos avatares digitais no metaverso selarão o destino do dinheiro vivo.

O Covid levou US$ 5 trilhões das vendas de varejo no mundo dos meios físicos para os meios on-line. À medida em que uma grande parte desse valor foi transacionada em dinheiro (47% na zona do euro), a ideia de que a moeda emitida pelo banco central era obrigatória para a compra de itens essenciais diários foi sumindo, Após um aumento inicial no acúmulo de dinheiro por precaução, restrições à mobilidade e medo de contaminação ao manusear papel-moeda forçaram uma mudança de hábitos.

Quando os governos distribuíram vales para aumentar os gastos – como em Hong Kong – milhões de consumidores e milhares de comerciantes tornaram-se novos usuários de sistemas de pagamento on-line apenas para utilizá-los. Muitos provavelmente continuarão usando essas novas formas de pagamento.

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Mas qual foi a importância dessas mudanças para o todo? A trajetória diferente das cédulas na China e na Índia oferece uma experiência natural para avaliar a importância relativa de choques temporários e mudanças tecnológicas constantes.

O uso de dinheiro vivo despencou na Índia após o primeiro-ministro Narendra Modi cancelar 86% da moeda corrente existente de um dia para o outro como parte de um experimento econômico fracassado. Isso foi há cinco anos. No momento, os pagamentos digitais estão crescendo, mas o dinheiro vivo representa 14% do dinheiro que circula na economia – o mesmo índice de antes da desmonetização. Na China, onde a moeda física se tornou irrelevante pela crescente onipresença do Alipay e do WeChat Pay, a dívida do banco central com o público representa apenas 4% do dinheiro

O progresso tecnológico não apresenta o drama de um choque comportamental, mas não é menos impressionante. Como Jeremy Balkin e Neha Wattas do JPMorgan Chase & Co. lembram, a maneira mais rápida de mover dinheiro de Nova York para Londres em 2010 era pegar um voo do aeroporto JFK para Heathrow e entregá-lo pessoalmente. Seu relatório, provocativamente intitulado “Os pagamentos estão engolindo o mundo”, observa várias mudanças ocorrendo concomitantemente. Na China, as plataformas de super aplicativos transformaram o dinheiro; em outros lugares, o motivo da transformação é a ascensão de uma economia de criadores e de flexibilidade. Globalmente, 50 milhões de pessoas estão blogando, fazendo vídeos curtos ou dizendo às pessoas o que comprar na Internet – recebendo pagamentos on-line.

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Nem o grande choque do fim das cédulas na Índia impediu a recuperação do uso do dinheiro físicodfd

As carteiras digitais estão surgindo em todos os lugares, mas o que é armazenado nelas está mudando por causa de outra revolução tecnológica: o blockchain. A fintech Circle firmou parceria com a Visa para permitir que clientes empresariais utilizem o USD Coin – uma moeda no blockchain Ethereum que atrela seu valor ao dólar – em 70 milhões de comerciantes. Um fenômeno igualmente importante é o “compre agora, pague depois”, que incorpora finanças (e pagamentos sem dinheiro) até mesmo em transações de baixo valor, como comprar um batom em três parcelas.

Espere só até que cada um de nossos 15 dispositivos com internet das coisas faça suas próprias compras, usando dinheiro digital programável emitido pelo banco central para pagar apenas quando receberem os produtos certos. Enquanto tudo isso acontece no mundo real, um fluxo paralelo inteiramente novo de consumo na realidade alternativa do metaverso pode chegar ao valor substancial de US$ 390 bilhões até 2025.

A inovação na área de pagamentos é um fenômeno ainda maior em mercados emergentes que em economias desenvolvidas. No mês passado, aplicativos de smartphones executados em um serviço público compartilhado liberaram o equivalente a US$ 100 bilhões em pagamentos indianos, em comparação com menos de US$ 15 milhões cinco anos antes. E esse é só o começo. O Google, que, sozinho, processou US$ 38 bilhões dessas transferências instantâneas, desenvolveu um telefone Android que custa menos de US$ 100. A ideia é levar a internet móvel para as massas da Índia.

O dinheiro ainda é cobiçado, principalmente em uma economia altamente informal como a da Índia. No entanto, sua importância como meio de pagamento está diminuindo. Em 2003, na zona do euro, cerca de 35% do dinheiro vivo foi usado em transações domésticas; esse número caiu para cerca de 20% em 2019. Qualquer valor entre 30% e metade das notas foram parar em território internacional, ao passo que o resto fica acumulado na zona do euro: para alguns investidores, um passivo soberano seguro que não paga nada é melhor que títulos do governo com rendimento negativo.

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Conforme o dinheiro vai para os cofres – sem uma moeda digital do banco central (CDBC, na sigla em inglês) para substituí-lo – a confiança do público na conversibilidade dos depósitos em dinheiro oficial pode se tornar “mais uma construção teórica do que uma experiência cotidiana”, segundo um artigo de Ulrich Bindseil, do Banco Central Europeu, e outros. Isso pode desestabilizar sistemas financeiros inteiros.

Se todo o dinheiro em circulação é privado, controlado por plataformas de e-commerce e redes sociais, as autoridades não conseguirão proteger os consumidores da exploração. É por isso que, mesmo em países onde a tecnologia transformou o dinheiro em um apêndice anacrônico, ele não pode morrer. Pelo menos não antes que as CBDCs estejam prontas.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

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Andy Mukherjee é colunista da Bloomberg Opinion, cobrindo indústrias e serviços financeiros. Anteriormente, foi colunista da Reuters Breakingviews. Também trabalhou para o Straits Times, ET NOW e Bloomberg News.

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