Trabalho excessivo? Uma semana de quatro dias úteis poderia funcionar

Ideia tão óbvia que muitos sábios do passado ficariam embasbacados em descobrir que só estamos pensando na possibilidade agora

Por Andreas Kluth
14 de Julho, 2021 | 07:18 AM

(Bloomberg Opinion) – O Japão, país que cunhou o termo karoshi – que significa “morte por trabalho excessivo” – está pensando em introduzir uma semana de quatro dias úteis de caráter opcional. A ideia também está sendo analisada em países como a Islândia, Nova Zelândia, Espanha, entre outros. Na verdade, é uma ideia tão óbvia que muitos sábios do passado ficariam embasbacados em descobrir que só estamos pensando na possibilidade agora.

Um desses sábios foi o economista John Maynard Keynes. Em 1930, quando a Grande Depressão ameaçava a prosperidade do economista e do mundo, Keynes escreveu um ensaio clássico sobre as “Possibilidades econômicas para nossos netos”. Keynes argumentou, de forma contraintuitiva, que as tendências econômicas e tecnológicas de prazos mais longos na verdade sugeriam que, dentro de um século (ou seja, mais ou menos no momento em que vivemos), poderíamos atender às nossas necessidades de maneira tão eficiente que trabalharíamos por hábito ou diversão, provavelmente por 15 horas por semana no máximo.

Uma observação rápida comprova o quanto ele estava correto em alguns pontos e completamente errado em outros. Sim, a espécie Homo sapiens superou amplamente o problema tradicional da economia – a escassez – apesar dos focos insistentes de pobreza. A maior parte dos habitantes de países desenvolvidos pode facilmente alimentar, vestir e abrigar a si mesmos e às suas famílias.

Ainda assim, o número médio de horas trabalhadas por pessoa só apresentou uma ligeira redução nas últimas décadas, continuando muito maior do que o previsto por Keynes. Na maioria dos países, a semana padrão de trabalho é definida em cerca de 40 horas, mas na realidade, as pessoas fazem muitas horas extras, sejam elas formais ou não.

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A maior surpresa é que normalmente quem possui as maiores rendas – logo, os que possuem menos necessidades físicas a serem atendidas – trabalha mais. Os jovens trabalhadores promissores da China se vangloriam de seu trabalho “996” – das 9h00 às 21h00, seis dias na semana. Quando fui banqueiro de investimentos em uma vida passada, alguns de meus colegas trabalhavam 100 horas por semana. É esse tipo de vida que leva à karoshi – que na China, se chama guolaosi e na Coreia do Sul, gwarosa.

Além de Keynes, outros especialistas que acham o fenômeno intrigante incluem nossos ancestrais caçadores-coletores. Durante a maior parte da existência da espécie, os humanos de fato tinham um trabalho keynesiano – que significa por poucas horas – e, mesmo assim, eram saudáveis e estavam satisfeitos, conforme concluído pelo antropólogo James Suzman em seu livro recente Work: A Deep History from the Stone Age to the Age of Robots (“Trabalho: uma história aprofundada da Idade da Pedra até a Era dos Robôs”, em tradução livre).

Parte do motivo era a noção de tempo e o igualitarismo da espécie, afirmou Suzman no podcast de Ezra Klein. Como confiavam na capacidade da natureza de alimentá-los todos os dias, os caçadores-coletores raramente planejavam com antecedência, vivendo o momento. E como ficavam em pequenos grupos que não apreciavam a desigualdade, acumular patrimônio era basicamente inútil, pois todos poderiam exigir a divisão de qualquer excedente.

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Essa inocência foi perdida há cerca de 10.000 anos, quando surgiu a agricultura. Atualmente, humanos vivem constantemente no futuro, plantando as sementes agora e colhendo os frutos meses depois, armazenando outras sementes e colheitas para os anos de escassez, e assim por diante.

Além de viverem em sociedades maiores e sedentárias que se tornaram escancaradamente desiguais. Quem não tem nada passou a trabalhar com quem tem muito, descobrindo novos desejos materiais. Não trabalhamos mais para atender nossas necessidades e sim para saciar nossos desejos. E os desejos são limitados apenas por nossa imaginação.

A industrialização, a urbanização e a modernidade turbinaram esse acontecimento. As propagandas surgiram para alimentar nossas fantasias sobre consumo e status. Mais recentemente, as redes sociais assumiram o controle, mostrando uma lista permanente e global de outras pessoas que parecem ter tudo. É difícil passar um dia sem fazer comparações, sentir-se inadequado e concluir que é necessário trabalhar mais.

Então nos tornamos hamsters, correndo em nossas rodas lado a lado, pensando no porquê de continuarmos exaustos no mesmo lugar. De certa forma, a explicação para isso não se encontra na economia (escassez), e sim na filosofia budista: não são mais as necessidades do corpo que nos motivam; agora, são as vontades da mente que nos guiam e atormentam.

Felizmente, as prioridades começaram a mudar em algumas culturas. Os alemães, outrora famosos pelo trabalho árduo, agora são notórios pelas longas férias em Maiorca. A população da Europa Ocidental como um todo descobriu as vantagens de desacelerar, principalmente em comparação aos norte-americanos – o que gerou uma piada, na qual os britânicos rimam “lazer” e “prazer” e os norte-americanos, com “fazer”.

A tendência chegou até a Ásia Oriental – vide o debate sobre a semana de trabalho no Japão. Quando morei em Hong Kong, há duas décadas, frequentemente pensava que, se Max Weber fosse vivo, teria de reescrever A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, trocando “Protestante” por “Confucionista”. Mas atualmente até os jovens chineses (para desespero dos anciãos) estão abraçando a ideia do tangping – ficar deitado, como uma preguiça – como estilo de vida.

Sei bem que alguns leitores devem achar essas contemplações insuportavelmente indulgentes. Afinal, será que a mãe solteira que é camareira para pagar a faculdade dos filhos realmente tem a opção de viver melhor ao trabalhar menos?

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Além disso, na maior parte dos empregos é possível desacelerar se o empregador colaborar – os chefes precisarão ser convencidos de que menos horas no escritório não significa menos produtividade – embora seja exatamente o que foi constatado em testes recentes na Islândia. De qualquer forma, se os robôs e a inteligência artificial tornam certos trabalhos redundantes, isso não seria ruim?

Até Keynes já tinha medo do que chamamos de “desemprego tecnológico”. Na época, ele desconsiderava amplamente a possibilidade, pressupondo que a ansiedade estava relacionada ao que fazer quando tivéssemos tanto tempo livre. Para usar bem esse tempo, temos de cultivar novos (ou seriam antigos?) aspectos de nossa natureza, o que pode suspeitosamente parecer trabalho.

Keynes pensava que era um esforço que valia apena, pois “por muito tempo fomos treinados para nos esforçar, não desfrutar”. Amém.