Bloomberg Línea — No gabinete do ministro argentino Federico Sturzenegger, os detalhes falam por si só: a biografia de Elon Musk, escrita por Walter Isaacson, está sobre uma mesa de centro na antessala, enquanto, já dentro do escritório, uma ilustração do cartunista Nik marca o tempo restante para sua pasta reformar o Estado argentino sem precisar passar pelo Congresso. Entre os adereços, destaca-se um boneco de Javier Milei empunhando uma motosserra.
Na sexta-feira (16 de maio), o contador marcava 53 dias até que o ministro da Desregulamentação e Transformação do Estado perdesse os poderes especiais delegados por deputados após a regulamentação da Lei de Bases em julho de 2024, que permite fazer algumas reformas sem passar pelo Congresso.
O ministro confirmou em entrevista à Bloomberg Línea que o governo não pretende renovar esses poderes delegados e anunciou que as próximas semanas até 8 de julho serão “bastante interessantes”, com decretos para fundir órgãos, encerrar outros e centralizar entidades que cresceram de forma descentralizada.
“A ideia sempre foi não renová-los [os poderes], porque eu precisava que minha equipe estivesse muito consciente do tempo que tínhamos”, disse Sturzenegger.
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Na visão de Sturzenegger, “destruir” o “castelo legal”, como classifica uma estrutura normativa erguida pela “casta” empresarial, política e sindical com o peronismo como eixo central, seguido de um ciclo de ordem e crescimento econômico que beneficie até mesmo os que apoiavam o regime anterior, é a melhor forma de construir um consenso político duradouro na Argentina.
Para o economista, essa é a maneira de garantir a permanência das reformas do governo Milei, além de alcançar a estabilidade institucional que caracteriza países vizinhos como Peru, Chile e Uruguai, em que esquerda e direita respeitam regras econômicas básicas e asseguram sua continuidade.
Assim, sugere ele, o risco-país continuará em queda até se aproximar dos níveis dessas economias citadas. O risco-país da Argentina fechou abril em 722 pontos, contra 176 do Peru, 133 do Chile e 102 do Uruguai.
Redução do tamanho do Estado
Durante as próximas semanas, o governo planeja uma “profunda reformulação do Estado”, mirando especialmente “órgãos com autonomia financeira que levaram à proliferação de trâmites burocráticos”, segundo o ministro.
Sturzenegger afirmou que os poderes delegados pelo Congresso estiveram mais ligados à “motosserra” do que à desregulamentação, o que permitiu eliminar atividades estatais consideradas desnecessárias, mesmo quando estabelecidas originalmente por lei.
Sturzenegger defendeu a estratégia do presidente Milei de dedicar tempo à “batalha cultural” para explicar a importância do equilíbrio fiscal.
O ministro desenvolveu sua teoria do “Triângulo das Bermudas” argentino, que seria uma armadilha construída por setores como sindicatos, parte do empresariado e o partido peronista.
Para desmontar essa estrutura, Sturzenegger propõe uma estratégia dual: “Primeiro, é preciso destruir o castelo legal, a arquitetura jurídica que eles montaram”, e depois, enfraquecer financeiramente esses grupos de interesse.
Esse diagnóstico remonta ao ponto já defendido há mais de uma década no Brasil por economistas como Marcos Lisboa e Zeina Latif, que escreveram artigo em 2013 - “Democracia e Crescimento no Brasil”- que alertaram que a concessão de privilégios fiscais e de outras ordens a grupos de interesse empresariais e sociais ajuda a frear o crescimento da economia, com uma conta bilionária à sociedade.
Embora nunca tenha falado diretamente com Elon Musk, Sturzenegger acredita que as conversas entre Milei e o fundador da Tesla sobre a agenda de desregulamentação argentina podem ter inspirado a criação do Departamento de Eficiência Governamental (DOGE) nos EUA.
“Musk tinha uma fixação com desregulamentação, especialmente pelas operações da SpaceX”, afirmou.
Eleições de outubro e agenda reformista
Para Sturzenegger, o apoio eleitoral nas eleições legislativas será decisivo para ampliar o horizonte das reformas.
“Dependendo do volume de votos que obtivermos, se abre uma nova janela, que é a da reformulação de leis para as quais não tínhamos poderes delegados”, disse.
Com uma eventual e maior representação no Congresso, ele antecipou reformas estruturais — como a trabalhista, a tributária, a previdenciária e a da abertura econômica —, que, segundo ele, são essenciais para que a Argentina faça um “upgrade” em sua estrutura produtiva e desenvolva seu potencial.
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Para viabilizar essas mudanças, ele insiste que o apoio nas eleições locais e legislativas será fundamental.
“Quando a inflação desaparecer da Argentina — e acho que isso vai acontecer antes do que as pessoas imaginam —, seremos obrigados a repensar a rigidez do nosso mercado de trabalho. E isso, sim, exigirá uma discussão no Congresso.”
Abrir a economia para salvar a indústria
Sturzenegger defendeu a maior abertura às importações, mesmo diante de temores de dumping.
“Em um regime de câmbio flutuante, cada importação gera uma exportação”, disse, argumentando que fechar a economia desestimula exportações.
Ele citou Hong Kong, que importa e exporta o equivalente a 140% do PIB sem, segundo ele, problemas de emprego, enquanto na Argentina essa entre 12% e 14%. “Para salvar a indústria, temos que abrir a economia.”
No setor agropecuário, Sturzenegger destacou a desregulamentação das indústrias da carne e da erva-mate.
Explicou que a liberação das exportações de carne foi benéfica inclusive para o mercado interno, pois “os cortes consumidos no exterior não são os mesmos que os consumidos aqui”.
O ministro lembrou que, no início dos anos 1990, os rebanhos argentinos e brasileiros eram parecidos, mas o Brasil cresceu muito mais por não ter proibido exportações.
A Argentina registrou em 2024 o maior volume de exportações de carne em 100 anos, enquanto o preço interno aumentou 80%, abaixo da inflação geral de 118%.
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Diante das críticas de opositores e economistas sobre a rápida valorização do peso, Sturzenegger defendeu o regime de câmbio flutuante: “O mercado está dizendo qual é o câmbio adequado.”
Ele afirmou que a Argentina vive um “choque exportador genuíno” com Vaca Muerta e o futuro boom da mineração, o que tende naturalmente a levar à valorização cambial. “É algo lógico e saudável, que acontece por bons motivos.”
“Isso não é valorização causada por especulação financeira, como o famoso carry trade.”
Preços do turismo argentino ‘deveriam cair’
O ministro criticou o que classificou como “altos preços” do turismo na Argentina, especialmente na Patagônia, onde caminhadas no glaciar Perito Moreno custavam cerca de US$ 400 por pessoa.
“Uma família de quatro pessoas? US$ 2.000 para um passeio à tarde? Não faz o menor sentido”, declarou.
Ele explicou que os altos preços se deviam a monopólios concedidos por Parques Nacionais a empresas privadas.
Segundo ele, o governo reformou o regime há um mês e meio, para permitir maior concorrência. “Esses preços devem cair rapidamente”, disse.
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