Bloomberg Línea — É difícil ver a empresária Ana Paula Sater parada quando ela está no Mercado Municipal de Pinheiros, em São Paulo.
Em poucos minutos, atravessa os corredores do entreposto comercial, limpa talheres e conversa com a equipe na padaria Feliciana, ajusta uma mesa e confere a cozinha do restaurante italiano Manduque, e discute ideias com a equipe do Azur do Mar, especializado em frutos do mar. E, a cada instante, encontra tempo para dar atenção aos clientes que enchem as três casas, especialmente na hora do almoço.
“Tomo conta de tudo, mas o primeiro ponto dos meus negócios é o acolhimento, a hospitalidade”, disse em entrevista à Bloomberg Línea.
Segundo ela, acolher não se trata de uma ideia abstrata. “Eu acho que é o primeiro passo para permitir as pessoas se desarmem e aproveitem aquele momento que o alimento oferece”, explicou.
A entrevista com Sater faz parte da série “Mesa de Negócios” da Bloomberg Línea, que conta histórias em que a gastronomia e o empreendedorismo se entrelaçam de forma destacada no mundo dos negócios no Brasil.
Essa proatividade da empresária é facilitada pelo fato de as suas três casas ficarem a menos de 100 metros uma do outra e funcionarem, na prática, como uma operação integrada. É nesse vaivém diário que ela sustenta um modelo de negócio baseado em controle, proximidade e na citada hospitalidade.
“Eu sempre dei muito valor à procedência dos alimentos, como cada comida é feita desde o princípio, sempre fui muito preocupada com o que eu como”, disse Sater. Essa visão orienta as decisões desde o desenho dos espaços até a forma de atender.
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A proposta aparece na transparência da operação.
Nos restaurantes e na padaria, o cliente pode ver todo o processo do alimento sendo preparado. “Tudo o que eu faço, o cliente vê sendo preparado”, afirmou. Segundo ela, essa exposição do processo aumenta a confiança. “A credibilidade para o seu negócio e para o produto é muito maior”, disse.
A atenção aos detalhes não se limita à cozinha.
Do seu sítio na Serra da Cantareira, ela leva produtos frescos diariamente para as três casas. Até mesmo parte da água usada no preparo vem de uma nascente em sua propriedade, e uma parcela das verduras e ervas também é produzida por ela. “Todo pão aqui é feito com a minha água”, disse.
Esse nível de envolvimento é também uma forma de gestão. Sater diz que faz questão de dominar todas as etapas do funcionamento das três casas.
“Nos meus negócios, eu sei fazer tudo o que é preciso. Isso significa que, se alguém não souber, se alguém faltar, estou ali para substituir. Por essa razão eu não fico parada nem por um segundo”, explicou.
Essa centralização não exclui método, segundo ela. “Isso inclui sentar com a planilha e calcular tudo”, disse. Ficha técnica, controle de estoque e acompanhamento de custos fazem parte da rotina.
O cuidado é uma resposta direta a um setor marcado por margens apertadas e ingredientes altamente perecíveis.
“O alimento você fez hoje, amanhã não pode usar. É preciso ter uma organização perfeita para evitar perdas. O uso de matérias-primas de primeira linha, muitas vezes importadas, eleva o risco. Você perde aqui, perde ali e no final as coisas vão saindo pelos dedos”, disse.

Apesar de a operação das três casas ser conectada, o portfólio de Sater é dividido em três operações com propostas distintas e planilhas separadas.
A empresária não revela o faturamento total dos negócios, mas afirmou que, desde a abertura do Feliciana, em 2021, o faturamento cresce cerca de 15% ao ano.
O Manduque, por sua vez, cresce em torno de 10%, enquanto o Azur do Mar avançou 22% de um ano para o outro.
O Feliciana, padaria artesanal e café, tem ticket médio de R$ 90. O Manduque, dedicado a massas frescas, opera com ticket médio de R$ 150. O Azur do Mar, focado em frutos do mar preparados na brasa, registra ticket médio de R$ 210.
A empresária disse que a operação funciona como um conjunto.
“Por eu estar no mercado, considero como se eu tivesse um negócio só”, afirmou. Na prática, a proximidade física permite compartilhar atenção, ajustar equipes e responder rapidamente a imprevistos. “Se não fosse assim, eu não teria”, disse.
Os próximos passos seguem a mesma lógica de controle e domínio do processo, e de presença no mercado.
Sater planeja abrir uma sorveteria artesanal de inspiração italiana em um espaço livre no mercado bem ao lado do Manduque. A expansão, explicou, só faz sentido se estiver alinhada ao que ela consegue acompanhar de perto.
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Transformação do Mercado de Pinheiros
Depois de um ensaio com um pequeno café no Mercado que já passava por uma transformação com um projeto de Alex Atala, restaurantes de Rodrigo Oliveira e Checho González, o Feliciana foi o primeiro passo formal de Sater no Mercado de Pinheiros.
A padaria foi inaugurada em 2021, em meio à pandemia, quando o local já havia deixado de ser apenas um lugar que vendia alimentos in natura para ter também restaurantes de chefs premiados.
Depois vieram o Manduque Massas e Maçãs, com cerca de 25 lugares, e o Azur do Mar, inaugurado em 2024 no primeiro andar do mercado, em parceria com Alexandre Santos, da Peixaria Nossa Senhora de Fátima. As cozinhas são lideradas por Mariane Adania e pelo chef Fábio Sinbo, que também integra a sociedade.
A escolha do mercado não foi casual.
“Aqui é um lugar que tem a ver comigo”, disse Sater. “Logo que vim conhecer o projeto, comecei a ter ideias para levar adiante.”
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O fluxo de pessoas, porém, impõe desafios. A maior parte do movimento se concentra no almoço, impulsionada pela presença de escritórios na região.
Os restaurantes funcionam sem fechar durante o dia, o que eleva custos operacionais, mas não abre à noite, o que retira a possibilidade de ter faturamento no jantar. “Isso faz com que você tenha que equilibrar bem a operação”, afirmou.
Além do comando dos restaurantes, Sater atuou na associação de comerciantes do Mercado de Pinheiros e participou de iniciativas para ampliar a circulação e a visibilidade do espaço.
Para ela, ainda há pessoas insatisfeitas com o processo, mas o papel dos mercados mudou.
“Hoje em dia as pessoas não vêm ao mercado para fazer compras. As pessoas vêm para comer e a compra está em segundo plano”, disse. Na avaliação da empresária, mercados precisam se posicionar como espaços de serviço e convivência.
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Para manter o equilíbrio, Sater afirmou que prioriza a saúde financeira da operação e da equipe. “Uma coisa muito importante para mim é que eu pago minhas contas e pago bem meus funcionários”, disse. Segundo ela, o negócio só se sustenta se todos conseguirem se manter.
O sucesso dos restaurante proporcionou uma imagem pública independente para a empresária - casada com o cantor Almir Sater -, com direito ao seu próprio espaço.
“Nunca tive vaidade em aparecer mais e minha preocupação sempre esteve no trabalho em si, não na repercussão”, disse.
Segundo ela, é possível traçar um paralelo entre as duas atividades.
“O mundo da gastronomia é quase como o mundo da música. Assim como a música, a comida também alimenta e carrega afeto, mas a responsabilidade de quem alimenta é ainda maior”, disse.
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