Como Alain Poletto recriou um bistrô francês em SP com gestão e técnicas próprias

Criado em um pequeno restaurante na França, o chef foi pioneiro no desenvolvimento de técnicas de cozimento a vácuo, o que melhora o desempenho e a produtividade na produção de alimentos e que incorporou ao Bistrot de Paris, nos Jardins

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Bloomberg Línea — O chef e restaurateur francês Alain Poletto nasceu dentro de um bistrô.

Filho de pequenos empreendedores, ele cresceu entre panelas, mesas apertadas e a rotina de um restaurante familiar na minúscula Thonon-les-Bains, na fronteira da França com a Suíça. E diz que desde cedo aprendeu a importância de fazer do restaurante não apenas um lugar de serviço e gastronomia mas uma fonte de renda.

“Era meu pai na cozinha, minha mãe no salão e dois quartos. Então, o negócio era pequeno, mas era um negócio. Era o trabalho que sustentava a família”, disse Poletto em entrevista à Bloomberg Línea.

Meio século depois, após acumular experiência como chef, gestor, professor e inventor de processos em restaurantes, ele recriou um ambiente parecido em São Paulo ao abrir o Bistrot de Paris, em uma vila nos Jardins, em funcionamento há uma década.

A entrevista com Poletto faz parte da série “Mesa de Negócios” da Bloomberg Línea, que conta histórias em que a gastronomia e o empreendedorismo se entrelaçam de forma destacada no mundo dos negócios no Brasil.

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Seu objetivo era combinar a tradição da cozinha francesa com uma gestão rigorosa que garantisse produtividade e lucro em um setor conhecido por margens apertadas. Tudo em um espaço que reproduzisse da forma mais fiel possível as casas em que passou boa parte da sua vida na França.

“O desafio era trazer o verdadeiro bistrô para o Brasil, porque tem muita coisa que se chama bistrô, mas que não é bistrô”, afirmou.

Segundo ele, esse tipo de restaurante francês é definido por ser um espaço pequeno, com a presença direta dos donos, serviço familiar e cardápio de clássicos. Mesas pequenas, estofados vermelhos, barras de latão, espelhos e gravuras originais dos anos 1930 ajudam a dar o clima do lugar. Muitos dos objetos da sua casa em São Paulo foram trazidos pessoalmente da França.

O menu combina pratos emblemáticos da culinária francesa, como confit e magret de pato e steak tartare, receitas autorais (como um wellington de pato e codorna) e preparações de memória afetiva, como a linguiça de repolho da avó.

A paleta de leitão, cozida lentamente a baixa temperatura, tornou-se um dos pratos mais populares da casa e, segundo Poletto, não pode sair do cardápio.

O resultado é uma experiência que atrai tanto clientes em busca de pratos tradicionais quanto um público de alto poder aquisitivo disposto a gastar em vinhos e ingredientes mais sofisticados.

O Bistrot de Paris mantém o selo Bib Gourmand do guia Michelin há oito anos consecutivos, único restaurante francês no Brasil a conservar essa distinção, comemora o restaurateur.

A casa recebe entre 4.000 e 4.500 pessoas por mês e opera com 35 funcionários. O ticket médio varia de R$ 200 no almoço a R$ 350 no jantar - e pode chegar a R$ 1.000 por pessoa em ocasiões especiais, segundo Poletto. O crescimento foi expressivo, contou. Quando começou, o gasto médio dos clientes era de R$ 90.

O motor desse resultado é uma gestão detalhista, segundo ele.

“Meu desafio é trazer um CMV todo mês o mínimo possível, porque sei que, se quero resultado positivo no fim do mês, preciso começar com o custo da mercadoria vendida”, afirmou.

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O controle inclui negociar diretamente com fornecedores, monitorar desperdícios de ingredientes e até orientar a equipe sobre o uso racional de água e gás.

Ele deu exemplos simples: pedir que cozinheiros não deixem a torneira aberta ao lavar verduras ou que aproveitem frutas parcialmente danificadas em sucos, em vez de jogá-las fora. “Nós utilizamos até a pele da cebola aqui”, disse.

“Você pode ser o melhor cozinheiro do mundo, mas, se não fizer boa gestão, não funciona”, afirmou.

Formação além da cozinha

A história de Poletto tem duas camadas indissociáveis: a do cozinheiro que preserva receitas familiares e a do gestor que transformou a cozinha em processo produtivo.

Por causa da experiência da família, seus pais sempre cobraram dele uma formação que fosse além da cozinha. Mais do que um chef, ele sempre se viu como alguém que precisava administrar, controlar custos, reduzir desperdícios e inventar processos que ajudassem a melhorar o resultado dos restaurantes.

“Eu sou um cozinheiro que teve, por sorte, uma formação acadêmica bastante baseada em gestão, administração e marketing. Isso me ajudou a enxergar o restaurante como negócio”, explicou.

Antes de chegar ao Brasil, Poletto foi professor titular de gastronomia na rede pública francesa por 22 anos. Essa experiência moldou sua visão de gestão e disciplina dentro da cozinha.

“Foi sensacional, porque tive essa formação acadêmica de professor certificado, muito baseada em administração, direito, marketing. Isso me ajuda até hoje”, contou.

Essa visão ficou ainda mais clara quando, nos anos 1980, ele se aprofundou no estudo do sous vide, técnica de cocção a vácuo que permite preparar alimentos em baixa temperatura por longos períodos. Poletto defendeu uma tese sobre o tema em 1989 e publicou um livro que se tornou referência mundial.

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A pesquisa científica se tornou peça fundamental do negócio: cozinhar a vácuo reduzia perdas, aumentava a produtividade e garantia padrão de qualidade, e acabou incorporada a sistemas de restaurantes em todo o mundo.

Foi a partir desse trabalho, nos anos 1990, que ele ajudou a estruturar cozinhas centrais capazes de abastecer diversos restaurantes na França, introduziu a tecnologia em hospitais e companhias aéreas e se consolidou como especialista global.

Em 2002, o conhecimento o trouxe ao Brasil, convidado pelo empresário Jacques Benchetrit para aplicar a técnica na rotisserie Paola di Verona, em São Paulo. Vieram depois uma sociedade com Alex Atala no Dalva e Dito e uma consultoria para o Grupo Pão de Açúcar.

Em 2015, Poletto passou a se dedicar integralmente ao Bistrot de Paris. Ali, incorporou todas as técnicas desenvolvidas nas décadas anteriores e aplicou à produção do seu próprio restaurante.

Carnes como a paleta de cordeiro ou de leitão, cozidas por horas a baixa temperatura, podem ser produzidas em grandes quantidades, refrigeradas e regeneradas no momento do serviço. Isso reduz perdas, garante padrão e amplia a capacidade de atendimento de uma cozinha que ocupa os cômodos de uma casa em uma antiga vila.

“Se você me tira o sous vide daqui, eu fecho o bistrô”, disse, ao resumir o peso da técnica para sua operação.

‘Não’ para propostas de expansão

A consolidação veio não apenas da fidelidade de muitos dos clientes mas também no foco de Poletto em manter o negócio com a mesma estrutura “familiar” com a qual cresceu na França.

O empresário disse que recebe propostas para transformar a marca em franquia ou expandir para outras cidades, mas que rejeita sempre. “Se eu virar uma franquia, deixo de ser bistrô”, disse.

Um dos pontos centrais é que ele disse temer perder o controle de detalhes que considera inegociáveis. “Imagine alguém me falar que não posso mais usar manteiga francesa e tenho que trocar por margarina. Eu vou ficar doente”, contou.

Esse controle se estende ao dia a dia. Poletto acompanha pessoalmente as operações, treina funcionários e ainda cuida da manutenção.

“Às vezes coloco o short no domingo à noite para pintar o bistrô ou trocar as lâmpadas. Eu aprendi isso com meu pai: no bistrô, você faz tudo”, disse.

Em 2023, ao completar 50 anos de carreira, Poletto foi homenageado pelo governo francês com o título de Cavaleiro da Ordem do Mérito Agrícola, concedido a quem presta serviços notáveis à agricultura e à gastronomia.

O prêmio reconheceu sua contribuição científica com o sous vide e sua trajetória de professor e chef dedicada à difusão da cozinha francesa no Brasil.

“Foi muito emocionante, porque lembrei do meu pai e da minha mãe. Acho que eles estariam orgulhosos de ver que consegui recriar aqui o que eles tinham lá atrás”, disse.

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