Bloomberg Línea — Fintechs, plataformas de câmbio de criptomoedas e neobancos podem se tornar as principais formas para os migrantes latino-americanos mitigarem, pelo menos parcialmente, os efeitos do imposto de 3,5% sobre remessas em estudo nos EUA.
Enquanto a proposta de tributar as remessas naquele país avança, os latino-americanos exploram alternativas para evitar um impacto maior na transferência desses fluxos de recursos, essenciais para as finanças familiares na região.
O projeto de lei faz parte do pacote legislativo promovido pelo presidente Donald Trump, denominado “The One, Big, Beautiful Bill”, apresentado pelo Comitê de Meios e Recursos da Câmara em 12 de maio.
Nesse contexto, “as fintechs e as plataformas de câmbio de criptomoedas na América Latina estão definitivamente se posicionando como alternativas viáveis para minimizar o impacto dos impostos sobre as remessas”, disse Erick Rincón Cárdenas, diretor do TicTank no Centro de Pensamento para a Inovação da Universidade del Rosario, à Bloomberg Línea na Colômbia.
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Essas tecnologias oferecem vantagens como custos de transação consideravelmente mais baixos, velocidades de transferência quase instantâneas e, em muitos casos, a capacidade de evitar alguns impostos tradicionais operando em ecossistemas digitais descentralizados.
No ano passado, a América Latina recebeu um recorde de US$ 161 bilhões em remessas, um aumento de 5% em relação a 2023, segundo dados do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O México é um mercado particularmente exposto, já que 96% das remessas que o país recebe vêm dos Estados Unidos e apenas 1,8% do Canadá.
O analista Rincón Cárdenas, também ex-diretor da Associação Colombiana de Empresas de Fintech, afirmou que plataformas de criptomoedas e serviços de stablecoins estão ganhando força entre comunidades migrantes que buscam otimizar o valor de suas remessas.
“A adoção de stablecoins permite que o valor seja mantido sem a volatilidade típica do bitcoin, enquanto as fintechs tradicionais oferecem interfaces mais amigáveis para usuários menos familiarizados com criptomoedas”, observou.
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Alternativas para o Envio de Remessas
Em 2022, o custo do envio de US$ 200 para a América Latina foi estimado em uma média de 5,8% do valor final, em comparação com 5,6% no ano anterior.
Esse valor é superior ao pago no Leste Asiático e Pacífico (5,7%); mas inferior ao do Oriente Médio e Norte da África (6,2%) e da Europa e Ásia Central (6,4%).
Além dos impostos aplicados às remessas, há também a alíquota de 5% a 10% já cobrada sobre os pagamentos por remetentes como a Western Union e a MoneyGram International.
Esses são serviços que os migrantes nos EUA normalmente usam para enviar dinheiro para seus parentes em casa, informou a Bloomberg.
No caso do México, a empresa argentina Ualá não cobra taxa para receber remessas do exterior por meio de seu aplicativo, desde que os depósitos não excedam MX$ 21.990 por mês (US$ 1.139).
No entanto, as transferências de dinheiro dos Estados Unidos são feitas por meio de serviços como Western Union, MoneyGram, Orlandi Valuta ou Vigo, que aplicam suas próprias taxas.
No caso da Ualá, o parente nos EUA envia o dinheiro por meio dessas remessas e, em seguida, compartilha o código de cobrança de 8 a 10 dígitos. A pessoa então acessa o aplicativo da Ualá, acessa “Dinheiro do Exterior” e insere o código.
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Para fintechs como a chilena Global66, todo o processo é feito internamente no aplicativo, carregando o valor em uma carteira virtual e, em seguida, depositando os fundos em uma conta bancária com uma taxa de 2,8%.
De acordo com dados da plataforma chilena, a taxa média de mercado é de 6,2%.
Remessas de criptomoedas
Outra alternativa que pode ganhar força no contexto atual são as remessas de criptomoedas por meio dos serviços oferecidos pelas exchanges.
Por exemplo, no corredor México-EUA, a plataforma Bitso administrou 10% do volume total de remessas em 2024 por meio de sua divisão de negócios, o que até o momento representa quase US$ 6,5 bilhões em remessas, segundo dados fornecidos pela empresa.
Empresas como a plataforma de criptomoedas Azteco estimam que mais de 500.000 pessoas atualmente usam algum tipo de criptomoeda para fazer transferências diárias na América Latina.
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“Seja por dificuldades de acesso ou limitações na oferta de dólares ‘bancarizados’, ou por suas próprias qualidades, como dólares digitais de alta liquidez, as stablecoins começaram a desempenhar um papel fundamental nesse tipo de cenário adverso”, disse Will Hernández, gerente de desenvolvimento da corretora de criptomoedas Bitfinex para a América Latina, à Bloomberg Línea.
“Os dólares estão em alta demanda, pois são mais sólidos do que o bolívar venezuelano ou o peso argentino, e as stablecoins têm ajudado a atender a essa demanda por cobertura”, observou.
As remessas e os pagamentos a trabalhadores em criptomoedas aumentaram nos últimos meses, como resultado da alta inflação e da desvalorização na Argentina, das restrições financeiras enfrentadas pela Venezuela e de um ambiente regulatório mais estável e desenvolvido no Brasil e em El Salvador.
A América Latina contribuiu com 9,1% do valor recebido em criptomoedas registrado entre julho de 2023 e junho de 2024, completando movimentações no valor aproximado de US$ 415 bilhões, segundo dados da empresa Chainalysis.
De acordo com o relatório da empresa, a Argentina liderou a região em termos de valor de criptomoedas recebidas entre julho de 2023 e junho de 2024, com aproximadamente US$ 91 bilhões, superando por pouco os US$ 90,3 bilhões do Brasil.
Desafios para remessas
Apesar dos benefícios, fontes como o diretor do TicTank afirmaram que essas soluções apresentam desafios significativos.
Por exemplo, ele observou que a volatilidade inerente de algumas criptomoedas, as barreiras à entrada tecnológica para populações com menor alfabetização digital e a constante evolução dos marcos regulatórios podem limitar sua ampla adoção.
Além disso, ele afirmou que muitos países estão desenvolvendo regulamentações específicas para capturar esses fluxos digitais, o que poderia reduzir as vantagens fiscais a médio prazo.
“O verdadeiro sucesso dessas alternativas dependerá de sua capacidade de manter os custos baixos, melhorar a experiência do usuário e navegar pelo cenário regulatório em constante mudança, ao mesmo tempo em que constrói a confiança necessária entre as comunidades migrantes”, disse Rincón Cárdenas.
Segundo dados do BID, o número de startups de tecnologia financeira na América Latina aumentou de 703 empresas em 18 países em 2017 para 3.069 em 26 países em 2023.
Ele explica que esse aumento se deve à alta demanda dos consumidores financeiros, ao estado da infraestrutura financeira digital e à disponibilidade de uma força de trabalho especializada.
Os segmentos mais importantes na região são pagamentos e remessas, representando 21% de todos os negócios, empréstimos, com 19%, e gestão financeira empresarial, com 13%.