Perdas de bancos com Americanas azedam safra de bônus na Faria Lima

Remuneração variável já tinha queda prevista de até 40% diante de mercado mais fraco e notícias podem vir ainda piores com exposição de bancos à varejista

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Bloomberg Línea — A revelação do rombo da ordem de R$ 20 bilhões da Americanas (AMER3), seguida da perspectiva de recuperação judicial - que se concretizou -, caiu como uma bomba entre bankers e profissionais da Faria Lima. As notícias de exposição e perdas bilionárias dos maiores bancos não poderiam vir em pior hora. A razão: esta é a época de definição e pagamento dos bônus relativos ao exercício do último ano.

Segundo fontes que falaram à Bloomberg Línea sob condição de sigilo porque as questões são privadas e não foram decididas, mesmo bancos que já anunciaram valores estão sujeitos a revisá-los. E isso azedaria de vez uma rodada de pagamentos que já embutia queda na comparação anual com 2021, em razão da desaceleração do mercado, principalmente no mercado de equity no país.

Assim como em Wall Street, em que o menor volume de transações pesou sobre a receita dos grandes bancos, por aqui instituições financeiras reduzem gastos para se adequar ao cenário adverso.

Há diferentes casos: bancos que não anunciaram o pagamento e outros que já informaram os executivos os valores a quais terão direito, mas ainda não efetuaram a transferência – faz parte do processo que haja um período entre os dois momentos, sendo o segundo geralmente em fevereiro e março.

Mesmo nesses casos, há um risco de diminuição dos valores pagos em razão das perdas que terão que ser provisionadas com a exposição à Americanas. A empresa terá que informar até amanhã a relação de credores e valores a receber como parte do processo de recuperação judicial.

Bradesco (BBDC4), Santander (SANB11), Itaú (ITUB4) e BTG são as instituições financeiras mais expostas a empréstimos da Americanas, de acordo com uma análise do Citi divulgada nesta semana.

Em valores, o Bradesco é o banco com o maior volume de empréstimos à Americanas, com R$ 4,7 bilhões, seguido de Santander (R$ 3,7 bilhões), Itaú (R$ 3,4 bilhões), BTG (R$ 1,9 bilhão) e Banco do Brasil (R$ 1,3 bilhão).

O Citi estimou que o impacto financeiro no lucro líquido dos bancos pode variar de 3% a 7% para Santander, BTG e Bradesco a depender do grau de provisionamento, da ordem de 30% a 50%. Já no caso do Itaú e do Banco do Brasil, o impacto deve variar de menos de 1% a 3%.

Quedas de até 40%

No BTG Pactual (BPAC11), o bônus e as tradicionais promoções de fim de ano foram anunciados na semana antes do Natal, com direito a celebrações dos executivos agraciados.

Os valores serão pagos até o início de março e já refletem a desaceleração do mercado, com queda da ordem de 40% no volume total em cima de uma base de comparação considerada elevada, em 2021. Mas há tensão também entre executivos, dado que o banco tem exposição de R$ 1,9 bilhão à Americanas, ainda que tenha conseguido bloquear R$ 1,2 bilhão do montante com respaldo da Justiça.

No Safra e no Credit Suisse (CS), há também preocupação com o pagamento de bônus, previsto para as próximas semanas. Uma exceção seria o Itaú BBA depois de um ano em que diferentes áreas tiveram desempenho descrito como “muito forte”, mas não há ainda confirmação.

Na XP (XP), o pagamento do bônus acontece semestralmente, com cerca de 40% do valor liberado em agosto, e o restante, em fevereiro. Por lá, as recentes demissões têm sido citadas como uma forma de permitir que os profissionais que ficaram possam ser recompensados de forma justa. A exposição à Americanas é considerada limitada, mas há tensão entre os profissionais.

Perdas de receitas pesam

Os processos de aumento salarial e bonificação combinados no fim de 2022, entre novembro e dezembro, devem sofrer impacto, com o percentual variável chegando a 70% ou 80% do pago anteriormente, disse Lucas Oggiam, diretor executivo da PageGroup, gigante global de recrutamento.

Mais do que o impacto negativo dos últimos meses de 2022, em que as incertezas locais e globais aumentaram, o movimento acontece diante das perspectivas de novas perdas de receita para os próximos meses, dados os temores de uma desaceleração ou até recessão econômica, segundo ele.

Enquanto em outros setores os salários fixos tendem a ser mais significativos, no mercado financeiro são os bônus que acabam compensando o trabalho e fazendo a diferença na retenção de talentos.

Matéria da Bloomberg Línea de junho passado mostrou que o montante variável de um profissional dessa indústria chega a representar, no acumulado do ano, cerca de 60% do valor total recebido. Em áreas comerciais de instituições financeiras, esse percentual é ainda maior e pode chegar a até 100%.

Impacto no Investment Banking

Ana Carla Guimarães, diretora de negócios da Robert Half, chama a atenção para reduções na remuneração variável de executivos do mercado financeiro no Brasil que trabalham com Investment Banking.

“Observamos empresas se ajustando para acomodar uma melhor rentabilidade, o que exige reestruturações, já que muitos executivos foram contratados em momentos de alta demanda e com salários bastante elevados, situação que no contexto atual impacta a lucratividade do negócio”, afirmou.

Segundo ela, o total compensation (remuneração total no ano, que inclui salários fixos, bônus e outros pagamentos) desses profissionais estimado para 2023 vai acompanhar as mudanças de mercado e as adequações de necessidades de contratações em determinadas áreas, como por exemplo Private Banking, áreas regulatórias e M&A (fusões e aquisições, na sigla em inglês).

“Isso não quer dizer, todavia, que os aumentos necessariamente serão menores do que os de anos anteriores, mas que existirá um reajuste, que pode oscilar de 4% a 12%.”

Demanda aquecida em M&A e crédito privado

Embora as negociações de aumento de salário e pagamento de bônus generosos estejam sob revisão pelas instituições, a remuneração fixa não tem sido reduzida nos novos processos de contratação nem isso deve acontecer em um horizonte de três a seis meses, segundo Oggiam, da PageGroup.

“Em momentos mais desafiadores da economia, os targets ficam mais difíceis de serem atingidos e aqueles pagamentos que são discricionários, que dependem de rentabilidade, lucro, são mais incertos.”

Mas, segundo o executivo da PageGroup, apesar dos cortes ainda há contratações no setor financeiro, em especial para posições-chave consideradas mais fundamentais em momentos de crise.

É o caso, por exemplo, da área de crédito privado bem como de M&A - esta última foi a que mais recrutou profissionais nos últimos 12 meses, segundo a consultoria.

“Os bancos com caixa têm aproveitado para comprar ativos mais baratos. E, se tivermos um ano de dificuldade financeira global, devemos ver oportunidades significativas de M&As novamente, assim como foi no ano passado”, afirmou Oggiam.

Um exemplo é justamente a Americanas, que contratou uma ex-banker como nova CFO, Camille Faria, que foi managing director do Morgan Stanley, do Bradesco BBI e do Bank of America Merrill Lynch entre 2008 e 2019, além de diretora financeira da Oi (OIBR3) e da TIM Brasil (TIMS3) depois disso.

A avaliação no mercado é a de que Faria terá condições não somente de negociar com os bancos credores como estruturar potenciais e necessárias vendas de ativos, como a rede Hortifruti Natural da Terra, em um momento em que precisa reforçar o caixa para manter a operação e reduzir a dívida.

Sara Santos, gerente da empresa de recrutamento Robert Half, também aponta aumento de demanda por profissionais em M&A e crédito se destacando neste ano.

Os cargos de RM (relationship manager) private banking, finanças (diretores, gerentes e VPs), profissionais de compliance, auditoria e riscos (analistas e gerentes), RM Corporate e ESG (analistas, especialistas e gerentes) também podem ganhar espaço no mercado em 2023.

“No que tange à contratação, não enxergamos nenhuma desaceleração para o mercado financeiro. A tendência é a de uma cadência positiva até o fim do primeiro semestre”, disse Santos.

Primeiros sinais vêm de Wall Street

Como costuma ocorrer, Wall Street sai na frente. Os temores de uma recessão nos Estados Unidos, lucros menores dos bancos e juros mais altos pesando sobre ativos de risco em 2022 fizeram com que as projeções para o pagamento de bônus caíssem fortemente, com cortes de 30% a 50%.

Em entrevista à Bloomberg News no Fórum Econômico Mundial em Davos nesta semana, Viswas Raghavan, co-head global de investment banking do JPMorgan, disse que os bônus para bankers de investimento cairão após um “ano bastante anêmico”.

“Todos os bancos pagam por desempenho, portanto, se o desempenho não aparecer, a compensação não vai existir”, resumiu de uma forma direto ao ponto.

Nos primeiros nove meses de 2022, a receita com a área de Investment Banking nos cinco maiores bancos dos Estados Unidos despencou 47%, para US$ 18,8 bilhões.

Desde o fim do ano passado, bancos têm feito ajustes para conter custos. O Morgan Stanley demitiu 1.600 funcionários, por exemplo, enquanto o Goldman Sachs anunciou o corte de até 3.200 empregos.

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