Produção de hambúrgueres à base de plantas gera até 90% menos emissões de gases estufa do que a de hambúrgueres de carne bovina
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Bloomberg Opinion — Na última semana, a maior produtora de carne bovina do mundo sinalizou acreditar que o fim das alternativas à carne chegou - ao menos no maior mercado do mundo, o americano. A gigante da carnes JBS (JBSS3) encerrou seu negócio Planterra Foods nos Estados Unidos e fechou uma fábrica no Colorado de produtos à base de plantas. Isso reflete uma crise de confiança em um momento em que investidores deveriam estar fortalecendo – não reduzindo – seus investimentos no setor.

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Não há dúvida de que as vendas de produtos à base de plantas nos Estados Unidos vêm caindo.

O crescimento meteórico da categoria em 2020 aplainou em 2021 e, desde setembro passado, uma parte fundamental de suas vendas no varejo caiu mais de 10%.

Sua reputação também foi muito prejudicada pelo desempenho das ações da Beyond Meat (BYND), que despencaram quase 80% de seu pico após uma oferta pública inicial espetacular em 2020.

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Ainda assim, é um erro para os investidores anular o valor e o potencial do setor como um todo, que será fundamental entre as soluções climáticas no futuro.

A queda nas vendas de alternativas para a carne foi motivada parcialmente pela flutuação nos preços. O aumento da demanda por produtos de origem vegetal em 2020 ocorreu juntamente com o aumento dos custos da carne de animais devido a rupturas na cadeia de abastecimento no início da pandemia. Agora os preços da carne convencional diminuíram e a inflação está prejudicando produtores como a Beyond Meat, que passam dificuldades para tornar seus produtos à base de plantas mais acessíveis.

Por enquanto, os consumidores estão compreensivelmente relutantes em pagar mais por produtos alternativos, mas muitos analistas preveem que, em breve, os preços voltarão a favorecer a proteína vegetal. Muito mais preocupantes são os problemas de percepção do consumidor quanto aos produtos à base de plantas.

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Um estudo divulgado na semana passada pela Deloitte Consulting, que entrevistou 2 mil consumidores, constatou que estes estão cada vez mais céticos sobre os benefícios ambientais e para a saúde humana das carnes de origem vegetal.

Essa falta de confiança é errônea. As vantagens ambientais dos produtos de origem vegetal são bem documentadas e profundas: análises recentes mostram que a produção de hambúrgueres à base de plantas gera até 90% menos emissões de gases estufa do que a de hambúrgueres de carne bovina, ao mesmo tempo em que requer menos de um quarto das terras agrícolas, cerca de 95% menos água e causa uma poluição substancialmente menor da água e do ar.

Os investidores também devem se lembrar do relatório recente do Boston Consulting Group que concluiu que os investimentos no setor de alternativas à carne e laticínios resultam em reduções de gases estufa sete vezes maiores do que os investimentos no setor de construção sustentável, e uma redução 11 vezes maior do que os investimentos na produção de carros com emissão zero.

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Estes números são especialmente pungentes haja vista que, ainda esta semana, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, advertiu que a humanidade enfrenta agora “uma luta de vida ou morte” pela sobrevivência com “o caos climático pela frente”.

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Os investidores em alternativas à carne também não devem ser desencorajados pelo enfraquecimento da confiança dos consumidores nos benefícios destes produtos para a saúde.

As startups de alternativas para a carne deram grandes passos para melhorar não apenas o sabor e a textura de seus produtos (o estudo da Deloitte constatou que 70% de seus entrevistados concordaram que o sabor do produto tinha melhorado), mas também em seus benefícios à saúde.

Um estudo no American Journal of Clinical Nutrition mostrou que quando os participantes trocaram suas proteínas de carne animal por hambúrgueres à base de vegetais, seus níveis de peso e colesterol caíram, assim como o risco de doenças cardíacas.

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Outro estudo europeu recente constatou que um percentual muito maior de produtos convencionais à base de carne foi classificada como “menos saudável” em comparação com seus homólogos à base de plantas.

Embora as vendas de muitas marcas de proteínas alternativas tenham decepcionado este ano, outras empresas do setor, como a NotCo e a Impossible Foods, relataram crescimento. O CEO da Impossible, que vende seu hambúrguer vegetal para o Burger King, relatou aumento de 70% em suas vendas do varejo este ano.

Fora dos EUA, as vendas de proteínas alternativas estão aumentando. Até mesmo a JBS teve aumento na demanda por seus produtos baseados em plantas no exterior, e a empresa optou por continuar desenvolvendo a Planterra no Brasil e na Europa. E embora a demanda pelo hambúrguer vegano do McDonald’s (MCD) tenha estagnado nos EUA, ela segue forte na Europa.

O setor de alimentos e agricultura são a terceira maior categoria de investimentos do mundo depois de transportes e energia, e as proteínas são a área mais significativa de inovação dentro da categoria. A população humana dobrou nos últimos 50 anos, e a demanda por proteínas triplicou. No futuro, populações cada vez mais ricas em todo o mundo continuarão exigindo mais dietas densas em proteínas.

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De acordo com o relatório do Boston Consulting Group, o investimento em proteínas alternativas, inclusive na promissora nova categoria de carnes de laboratório (que em breve deverão entrar nos mercados dentro e fora dos EUA), quintuplicou de US$ 1 bilhão em 2019 para US$ 5 bilhões em 2021. Considerando as tendências de crescimento atuais, o BCG espera que as proteínas alternativas comandem 11% das vendas globais de carne, ovos e laticínios em 2035 - acima dos 2% atuais.

As alternativas para a carne estão competindo contra uma indústria subsidiada que teve mais de um século para chegar a uma boa economia. Mesmo nos EUA, podemos esperar que as alternativas tenham um bom preço.

Os custos crescentes da água, alimentação e interrupções na cadeia de abastecimento na era da mudança climática aumentarão o custo da produção pecuária e, eventualmente, os consumidores pagarão menos por alternativas para a carne.

Mesmo com todas as dificuldades para o setor atualmente, ainda há muitos ventos favoráveis. Como a demanda por proteína cresce globalmente, não há maneira ambientalmente sustentável de aumentar significativamente a produção de produtos de origem animal. Todos nós - consumidores e especialmente os investidores - devemos estar comprometidos em ajudar o setor a prosperar.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Amanda Little é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobre agricultura e clima. Ela é professora de jornalismo e redação científica na Vanderbilt University e autora de “The Fate of Food: What We’ll Eat in a Bigger, Hotter, Smarter World”.

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