O problema não é a inflação alta, e sim sua imprevisibilidade
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Bloomberg Opinion — A inflação finalmente surpreendeu os mercados positivamente, e os traders estão compreensivelmente animados com a possibilidade de que as piores pressões de preços podem finalmente ter ficado para trás. Mas a verdadeira guinada virá quando a inflação deixar de ser chocante por completo – positiva ou negativamente – e puder ficar em segundo plano novamente.

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O índice de preços ao consumidor dos Estados Unidos subiu 8,5% em julho em relação ao mesmo mês do ano anterior, segundo informado pelo Departamento do Trabalho do país nesta quarta-feira (10), menos do que a estimativa mediana de 8,7% em uma pesquisa da Bloomberg.

De 46 projeções, apenas duas acertaram em cheio: a do Credit Suisse (CS) e a da consultoria High Frequency Economics. O consenso agora acertou apenas quatro das 17 últimas previsões do índice, e os economistas de Wall Street subestimaram a inflação 12 vezes durante o período. Mesmo que as perspectivas pareçam estar melhorando, o Federal Reserve e os mercados financeiros ainda estão dando tiros no escuro, o que significa que as chances de um erro na política continuam altas.

Inflação vem superando as projeções dos economistasdfd

A inflação não é inerentemente ruim porque está elevada, mas porque tem sido muito imprevisível, embora uma inflação alta sustentada seja de fato prejudicial. Se todos soubessem que os preços inflariam, por exemplo, 6%, todas as empresas poderiam ajustar os salários e os preços ao consumidor de acordo e a maioria das pessoas ficaria relativamente bem.

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É a inflação inesperada que dificulta para empresas e famílias tomarem decisões de investimento prudentes, tornando voláteis os ganhos reais e restringindo a economia. A desinflação inesperada é certamente melhor do que a alternativa neste momento, mas também não é lá muito boa. A certeza é o resultado ideal.

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Números ainda surpreendentes (mesmo que para o lado negativo) significa que economistas ainda não compreendem o que está acontecendo. Com que rapidez a inflação vai diminuir agora? Será que ela vai ficar em um nível aceitável para o Fed? Ou persistirá na casa dos 4% em meio a fortes pressões salariais? Sem muita visibilidade até mesmo do relatório de inflação do mês que vem, é difícil responder a essas perguntas com confiança, o que significa que o presidente do Fed, Jerome Powell, ainda terá dificuldades para estabelecer uma política monetária apertada o suficiente para acabar com a inflação sem causar uma recessão.

No mesmo período no ano passado, os economistas pareciam ter a situação bem diagnosticada, com projeções corretíssimas e poucos desvios que mostraram que as pressões inflacionárias pareciam estar diminuindo. Então, a inflação acelerou e quase ninguém previu isso.

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Novamente na virada do ano, muitos especialistas esperavam “o pico da inflação” em um futuro próximo. Mais uma vez, a ideia de que os economistas haviam compreendido a inflação desapareceu nos meses seguintes enquanto as projeções erradas ficavam comuns. Até agora, a tendência é subestimar o problema – a última vez que os economistas de Wall Street superestimaram a inflação foi para o relatório de 10 de fevereiro de 2021.

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O problema é multifacetado e exige muito exame de consciência. Mesmo com todas as pesquisas e os dados em tempo real disponíveis, ainda há muitos pontos cegos, e muitos modelos ainda utilizam tendências passadas e relações estatísticas. Isso pode torná-los propensos a um baixo desempenho em uma economia em constante mudança, principalmente em pontos de inflexão.

Além disso, a inflação de 2021 e 2022 se originou em parte na pandemia de covid-19 e na guerra na Ucrânia, e não dá para culpar os economistas pelas inadequações dos epidemiologistas e analistas geopolíticos. Mas também não dá para perdoar a avidez inicial dos economistas para considerar muitos desses acontecimentos como “fatores especiais” que logo se dissipariam sozinhos, não reconhecendo rapidamente que a inflação estava aumentando.

Sem dúvidas, havia muitos pontos positivos no relatório desta quarta-feira além dos efeitos da queda nos preços de energia: as pressões subjacentes sobre os preços de produtos e serviços essenciais diminuíram em julho, e há motivos para esperar que boas notícias estejam por vir. Menos pequenas empresas estão relatando planos para aumentar preços, e os fabricantes estão pagando preços mais baixos por seus insumos.

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Por outro lado, os salários continuam bem acima do nível que seria consistente com as metas de inflação de longo prazo do Fed. E a grande pergunta continua: seria este o fim do susto inflacionário ou será apenas o pico de uma única onda de um regime inflacionário mais longo e difícil de derrotar, como o período entre o final dos anos 60 e o início dos anos 80, marcado por vários altos e baixos?

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É difícil afirmar com muita certeza porque os especialistas, incluindo o próprio Fed, vêm errando consistentemente. Os formuladores de políticas correm o risco de fazer muito pouco e permitir que a inflação fique fora de controle ou fazer muito e acabar causando uma recessão. Essa incerteza persistente dificulta para que o Fed ajuste as taxas precisamente para esfriar a economia sem levá-la a uma recessão.

Um “soft landing” para a economia parece muito mais provável hoje do que ontem, por exemplo, mas seria muito mais provável se as empresas e os formuladores de políticas conseguissem prever o que vem pela frente.

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Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Jonathan Levin trabalhou como jornalista da Bloomberg na América Latina e nos EUA, cobrindo finanças, mercados e fusões e aquisições. Mais recentemente, ele atuou como chefe da sucursal da empresa em Miami. Ele é analista financeiro certificado pelo CFA Institute.

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