Granos en Ucrania
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Bloomberg Opinion — Quando 26,5 toneladas de milho saíram do porto de Odessa esta semana – a primeira exportação agrícola da Ucrânia desde a invasão da Rússia – muitos especialistas em segurança alimentar ficaram aliviados. A notícia, combinada com a queda do custo do trigo depois que os preços globais quase dobraram, fez investidores e autoridades se perguntarem se a ameaça da escassez global de alimentos está diminuindo.

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Bem, não exatamente. Ainda é muito cedo para sermos demasiadamente otimistas, pois muitos dos problemas que impulsionaram a inflação de alimentos mesmo antes da invasão da Ucrânia persistem: os preços de energia e de agroquímicos continuam altos, encarecendo a operação de fazendas mecanizadas e a movimentação de alimentos através da cadeia de abastecimento. O clima escaldante e a seca estão dizimando safras de Waterloo, no Canadá, a Bangalore e Bordeaux, e espera-se que as questões climáticas sejam mais variadas e extremas.

Contudo, não é cedo para apreciar o que aprendemos nos últimos cinco meses com uma das mais significativas interrupções no fornecimento de alimentos que o mundo teve em décadas. A invasão da Ucrânia pela Rússia forçou os produtores globais de alimentos, distribuidores e programas de assistência a se adaptarem rapidamente para superar a escassez – e assim o fizeram com grande agilidade. Essa resposta proporcionou uma compreensão mais profunda de como os produtores, investidores e formuladores de políticas alimentares podem enfrentar problemas no futuro.

Aqui estão as três principais lições da guerra entre Rússia e Ucrânia sobre como garantir o futuro de um negócio alimentar global:

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Fazendeiros são resilientes

Quando o abastecimento de grãos da Rússia e da Ucrânia – que juntas produzem um quarto do trigo do mundo – foi subitamente reduzido, os agricultores dos principais países produtores entraram em ação. A oferta limitada e o aumento dos preços do trigo incentivaram os agricultores de outras culturas como a soja e o milho a mudar para o trigo – e assim o plantaram desde o centro-oeste dos Estados Unidos e o Brasil até a Austrália e o Japão, restaurando as reservas prejudicadas pela guerra.

Também aprendemos o valor de manter grandes estoques de grãos das colheitas anteriores, que foram utilizados em quase todos os principais países produtores para preencher a lacuna deixada pela Rússia e pela Ucrânia. Agora, essas reservas devem ser totalmente restabelecidas, e, nesse ínterim, podemos reconhecer e apreciar a eficácia da estratégia de manter reservas robustas enquanto plantamos novas safras.

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Culturas perecíveis

Os últimos seis meses ressaltaram as diferenças entre o mercado de commodities, que pode contar com produtos estocados, e os mercados de alimentos frescos. As culturas perecíveis de alto teor de nutrientes, incluindo frutas, legumes, carnes e laticínios, são mais vulneráveis às pressões climáticas, exigem condições mais específicas de cultivo e produção e são mais difíceis de produzir e distribuir espontaneamente em caso de interrupções no fornecimento. As instalações de armazenamento de longo prazo para alimentos frescos usam muita energia e recursos.

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As interrupções nos lembram da importância de que cada país rico amplie o fornecimento local e regional de frutas e legumes frescos. Em algumas regiões, isso pode incluir redes de estufas de alta eficiência e fazendas verticais que possam cultivar estes alimentos nutritivos durante todo o ano em instalações protegidas de riscos ambientais. O incentivo a novos esforços para a obtenção de carne cultivada em laboratórios deve ser uma parte fundamental desse plano. Esses investimentos serão onerosos no curto prazo, mas cada vez mais prudentes à medida que a indústria agrícola se adaptar às realidades da mudança climática.

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Os mais pobres sofrerão mais

A fome vem aumentando em todo o mundo, juntamente com as tensões geopolíticas e ambientais, e as interrupções na produção de alimentos em qualquer lugar atingem mais duramente os países com insegurança alimentar. Cerca de 300 milhões de pessoas não têm um abastecimento alimentar confiável e 45 milhões estão à beira da fome. Países atingidos pela fome, como o Iêmen, foram os que mais sofreram com as interrupções nas exportações de alimentos da Ucrânia, assim como no Egito, Turquia e Bangladesh, que normalmente importam bilhões de dólares de trigo ucraniano anualmente.

Os países ricos devem economizar uma parcela maior de seus estoques de grãos para as populações mais vulneráveis ao mesmo tempo em que alocam mais fundos para a ajuda alimentar internacional. Nos últimos meses, esses fundos foram tão escassos que o governo Biden optou por gastar todos os fundos da Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID, na sigla em inglês) em regiões assoladas pela fome. A diretora da USAID, Samantha Power, acaba de comprometer mais US$ 1,2 bilhão para o alívio da fome, mas esse dinheiro se esgotará rapidamente.

Não importa o quanto os agricultores de países ricos sejam ágeis, a fome severa continuará se espalhando e piorando nos próximos anos, tanto pelos conflitos humanos quanto pelas mudanças climáticas. A segurança alimentar deve se tornar parte de todos os principais acordos comerciais e econômicos internacionais entre o G-10. O foco desse esforço colaborativo deve ir além da ajuda emergencial e incluir investimentos substanciais em uma mudança de paradigma rumo a uma agricultura sustentável.

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Os danos e a destruição causados pela invasão russa da Ucrânia deram perspectivas importantes sobre o futuro da agricultura em um mundo de crescente instabilidade ambiental e geopolítica. Absorver estas lições e agir nos dará uma chance de nos prepararmos melhor para as inevitáveis interrupções que estão por vir.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Amanda Little é colunista da Bloomberg Opinion. Ela é professora de jornalismo e redação científica na Vanderbilt University e autora de “The Fate of Food: What We’ll Eat in a Bigger, Hotter, Smarter World”.

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