Entenda a aposta de Eduardo Leite contra Doria para liderar 3ª via

Derrotado nas prévias do PSDB, Leite renunciou ao governo do RS. O racional por trás da decisão: pesquisas. O que ele tem a perder? Pouco

Renúncia ao governo é passo para substituir Doria como candidato
28 de Março, 2022 | 05:53 PM

Bloomberg Línea — Ao renunciar ao mandato de governador do Rio Grande do Sul para insistir na candidatura presidencial que as prévias do PSDB lhe negaram em novembro, Eduardo Leite faz uma aposta com dois fundamentos – pesquisas e apoio político – para substituir João Doria como nome tucano na urna em outubro.

Numa concorrida cerimônia no Palácio Piratini (sede do governo gaúcho), Leite anunciou a renúncia ao cargo, a permanência no PSDB e ainda disse que pretende ser candidato sem explicitamente dizer que seria candidato a presidente, já que sua pretensão ainda depende de que o vencedor das prévias abra mão.

“Estou me apresentando para dar essa colaboração para que a gente viabilize uma alternativa para o país, para que a gente promova a união do centro democrático, que a gente consiga viabilizar um entendimento, uma cooperação de forças para apresentar alternativa para aos brasileiros e, assim, promovermos a partir de 2023 as mudanças mais importantes no Brasil, com respeito e com diálogo”, disse Leite.

“As prévias aconteceram no ano passado, há quatro meses, naquele contexto e naquela circunstância política. Têm toda condição de se confirmarem ou não, a partir do momento político que vem pela frente. O importante é que nos mantenhamos no mesmo espírito: acima das prévias, acima do partido e acima das aspirações pessoais, o Brasil e o futuro dos brasileiros”, disse.

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O argumento de Leite contra o resultado das prévias não convence uma parte do do PSDB. Mais cedo, antes da renúncia do governador do RS, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi ao Twitter para defender o resultado da disputa interna. Doria retuitou.

PESQUISAS: O primeiro fundamento da aposta de Leite é que as prévias do PSDB definiram um pré-candidato, mas não unificou de verdade o partido em torno de Doria – um problema recorrente que todo presidenciável do partido tem enfrentado desde 2006. O fato de Doria patinar nas pesquisas desde as prévias alimenta as apostas internas contra a candidatura do governador de São Paulo.

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Segundo o último Datafolha, divulgado na semana passada, Doria aparece com 2% das intenções de voto – patamar que já vinha se mantendo inalterado em diferentes institutos de pesquisa nos últimos meses. Quando o nome de Doria foi substituído por Leite no questionário, o gaúcho apareceu com 1%.

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O argumento dos apoiadores de Leite é que ele, diferentemente de Doria, tem uma avenida para crescer nesta eleição. Segundo o último Datafolha, divulgado na semana passada, Leite é desconhecido por 58% dos eleitores (23% dizem que não conhecem o governador de São Paulo).

“As pesquisas têm de ser analisadas para muito além das intenções de voto. Elas têm de ser analisadas à luz de avaliação de governo, a expectativa das pessoas sobre o futuro, a imagem pessoal de cada um dos candidatos e..”, disse, interrompendo-se em uma breve pausa para enfatizar: “...e à rejeição que cada um deles têm e a possibilidade de crescimento das candidaturas”.

No quesito rejeição (“em quem você não votaria de jeito nenhum” foi a pergunta do Datafolha), Doria tem 30%, só fica atrás de Bolsonaro (55%) e Lula (37%). Leite é rejeitado por 14%.

“Não se trata apenas da capacidade de gestão e da capacidade política, que os nomes que estão colocados, e o meu também, oferecem, mas também sobre a capacidade eleitoral. A gente precisa entender neste momento histórico o que a população está buscando. Nós precisamos oferecer essa esperança”, disse.

APOIO POLÍTICO: Este é o pano de fundo da carta de tucanos que resistem a Doria publicaram há dez dias para pedir a permanência de Leite no partido (o governador era sondado por Gilberto Kassab para se filiar ao PSD para ser candidato). Entre as assinaturas estão ex-presidentes da legenda, como José Aníbal, Aécio Neves e Tasso Jereissati.

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O segundo racional da aposta de Leite contra Doria é o arco de alianças. O gaúcho e outros tucanos têm mantido conversas com outros partidos para construir uma aliança eleitoral robusta, capaz de sustentar o crescimento das intenções de voto durante a campanha.

O Cidadania e o PSDB já discutem estar juntos numa federação partidária. Leite disse hoje que tem conversado com o MDB e o União Brasil (ex-DEM) em torno de uma aliança eleitoral. Esses apoios fora do PSDB poderiam, pela tese do governador gaúcho, ajudar o partido a indicar um outro candidato que não o indicado pela prévia de novembro.

“As prévias são legítimas, eu respeito as prévias, mas nós estaremos diante de uma discussão que envolve outros partidos políticos, de forças que vão se alinhando em um objetivo comum e que não foram consultadas naquele momento das prévias”, disse.

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TELEFONEMA E CITAÇÃO A FRASE DE DORIA NO BTG: Eduardo Leite disse que telefonou para João Doria, antes de anunciar a renúncia. Segundo Leite, o tom da conversa com o governador de São Paulo – e adversário interno – foi cordial.

O governador do RS foi cuidadoso para tentar evitar a impressão de ser um mau perdedor. Em duas ocasiões, citou textualmente uma declaração em que Doria admite, durante encontro do BTG Pactual em fevereiro, que poderia eventualmente desistir da disputa para apoiar um nome com mais chance de quebrar a polarização Lula-Bolsonaro.

A frase de Doria lida duas vezes por Leite foi: “Eu amo o Brasil e, em nome desse meu amor pelo Brasil, eu não vou colocar o meu projeto pessoal à frente daquilo que sempre foi a índole que me fez ter orgulho de ser brasileiro. O meu país, o povo do meu país, é mais importante do que eu mesmo. Então, se chegar lá adiante, e lá adiante tiver que oferecer o meu apoio para que o Brasil não tenha mais essa triste dicotomia - de ter Lula e Bolsonaro - eu estarei ao lado daquele e de quantos forem os que serão capacitados para oferecer uma condição melhor ao Brasil”.

PLANO B: Na entrevista coletiva, Leite foi insistentemente perguntado sobre o que fará, caso não consiga a almejada candidatura presidencial. Ele repetiu ao menos sete vezes a seguinte frase: “A renúncia me abre muitas possibilidades, mas não me tira nenhuma”.

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Tradução para leigos: se não conseguir ser candidato a presidente, Leite está livre para disputar o Senado, uma vaga de deputado federal e, não há nada que o impeça legalmente, até a reeleição ao cargo a que acabou de renunciar.

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Graciliano Rocha

Editor da Bloomberg Línea no Brasil. Jornalista formado pela UFMS. Foi correspondente internacional (2012-2015), cobriu Operação Lava Jato e foi um dos vencedores do Prêmio Petrobras de Jornalismo em 2018. É autor do livro "Irmã Dulce, a Santa dos Pobres" (Planeta), que figurou nas principais listas de best-sellers em 2019.