Bancos aferiram grandes lucros porque, desde a crise financeira de 2008, ficaram obcecados em proteger o capital
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Bloomberg Opinion — Quinze dos maiores bancos americanos e europeus acumularam mais de US$ 125 bilhões em excesso de capital após os primeiros nove meses de 2021. Os lucros dispararam após um período de negociações corporativas recordes, aquecendo os mercados financeiros e diminuindo os temores de inadimplência. Mas, por um tempo, os credores foram impedidos de readquirir ações ou pagar dividendos.

Embora esses bilhões de dólares estejam aparentemente livres para distribuição aos acionistas, alguns bancos continuam como se os investidores não tivessem percebido.

É o caso do UniCredit: o credor italiano estima que até o final do ano terá dois pontos percentuais a mais de capital acionário em sua principal unidade de medida de solidez do balanço patrimonial do que deseja ou precisa. O excedente atualmente vale cerca de 6,6 bilhões de euros (US$ 10,4 bilhões) – que deveriam ser pagos aos acionistas.

Mas o banco negocia com um grande desconto em relação ao valor contábil previsto: o capital excedente vale mais de um quarto de seu valor de mercado de ações. Em outras palavras, o UniCredit negocia com um potencial rendimento de retorno em dinheiro de quase 26%.

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Isso foi exacerbado, mas é comum. Da mesma forma, o Lloyds Banking Group, do Reino Unido, tem rendimento potencial de 15%; o HSBC, da Grã-Bretanha, rende quase 12%; Barclays, BNP Paribas e UBS estão todos em torno de 9%.

Do outro lado, o JPMorgan Chase & Co. e o Citigroup rendem menos de 3%, embora por razões diferentes. O JPMorgan tem mais de US$ 14,5 bilhões de capital excedente, o segundo maior depois do Wells Fargo, mas negocia pelo valuation mais alto, quase duas vezes o valor contábil previsto. O Citigroup negocia com um desconto sobre o valor contábil, mas tem muito menos capital sobressalente do que seus pares.

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O setor ficou com todo esse dinheiro porque reguladores e bancos estão obcecados em proteger o capital desde a crise financeira de 2008. Conhecido como capital principal de nível 1 em sua forma mais confiável, esse capital existe para absorver as perdas. Mais capital significa que os bancos estão menos propensos a implorar por auxílios.

Na crise da pandemia, os bancos intensificaram a proteção do capital principal, desviando bilhões dos lucros do ano passado para provisões para uma onda esperada de perdas em empréstimos inadimplentes. Com a recuperação deste ano, muitas dessas provisões estão sendo liberadas, principalmente nos Estados Unidos e no Reino Unido. Os bancos agora estão aferindo os lucros do ano passado e deste ano juntos.

Então, por que os investidores confiam em alguns bancos para pagar esse dinheiro e não em outros? Em alguns casos, o capital pode evaporar; outros casos estão mais relacionados a ceticismo, incerteza ou ambos.

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Os bancos americanos foram mais rápidos em reiniciar os grandes programas de recompra – embora os europeus também tenham começado a aumentar a distribuição de dividendos – e a maioria ainda tem bilhões de dólares restantes. O Morgan Stanley, por exemplo, tinha em torno de US$ 11 bilhões de capital excedente no final do terceiro trimestre (ao contrário de alguns pares, ele não visa um índice de capital específico, porém o CEO James Gorman informou intervalos aproximados nas chamadas com analistas).

Mas o banco negocia com um rendimento alto de quase 6% por esse dinheiro porque afirmou nos resultados do terceiro trimestre que mais da metade desse excedente será consumido por mudanças nas regras de capital que está adotando, o que padronizará alguns medidas de risco, inflando o tamanho dos balanços patrimoniais de alguns bancos. No Goldman Sachs, as mesmas regras devem reduzir cerca de um terço do excedente atual.

Algo semelhante acontece no BNP Paribas e no Société Génerale, em que as mudanças nas regras do capital europeu que estabelecem níveis mínimos de capital para algumas exposições devem consumir boa parte do capital sobressalente atual.

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No UBS, outro banco com alto rendimento, o excedente é de mais de US$ 5,5 bilhões, mas ele e seus investidores aguardam uma decisão judicial sobre seu recurso de uma multa multibilionária na França.

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Os rendimentos elevados são um pouco mais complicados para os bancos britânicos, principalmente o Lloyds, que possui cerca de US$ 7 bilhões. O banco espera fazer mudanças regulatórias em seu próprio ritmo e tem um dos maiores retornos sobre o patrimônio líquido de qualquer grande banco até agora neste ano – mesmo em contar os lançamentos das liberações de provisões. Isso ilustra como as ações britânicas são desprezadas pelos investidores.

E o UniCredit, com o maior rendimento do lote? Bem, ele tem muito a provar. Boa parte de seu excedente pode sumir com as mudanças nas regras europeias – o UBS ainda não deu orientação sobre o assunto. Além disso, o CEO Andrea Orcel, ex-banqueiro de investimentos, tem que mostrar que não será precipitado em aquisições.

Os investidores já acreditam que os bancos norte-americanos devolverão o capital excedente com rapidez e eficiência. Mas também há bilhões que possivelmente virão de alguns bancos europeus. Os investidores devem observar novamente o preço do trading de alguns desses possíveis dias de pagamento.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Paul J. Davies é colunista da Bloomberg Opinion, cobrindo bancos e finanças. Trabalhou anteriormente para o Wall Street Journal e o Financial Times.


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