Tratamento diferencial quanto ao uso das máscaras tem recebido tão poucas críticas que talvez seja necessário um certo tratamento de choque
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Bloomberg Opinion — Estou cada vez mais perturbado com o que chamo de “apartheid das máscaras”. Se você foi a uma conferência ou evento público recentemente, deve ter notado: os participantes mais ricos geralmente não usam máscaras, mas os prestadores de serviço e funcionários mais pobres quase sempre usam.

Mesmo que os participantes usem máscaras no início, as máscaras são retiradas assim que eles começam a comer e beber - e geralmente não colocam de volta. Não é um sinal de que o uso da máscara não é mais tão essencial? No mínimo, transmite uma mensagem ambígua: se você quiser se sentir confortável comendo e bebendo com seus colegas, não há problema em tirar a máscara, já no caso de você querer se sentir confortável servindo comida, carregando bandejas pesadas e descrevendo o menu de sobremesas, aí é um problema.

Sim, existem razões para essa diferença - por exemplo, você não pode comer ou beber com uma máscara - mas, ainda assim, essa diferença é injusta. E essa injustiça é agravada pela realidade de que, pelo menos nos Estados Unidos, a maioria das pessoas que participam de conferências ou eventos tende a ser branca, rica e bem-educada. Os que servem costumam ser negros e, em geral, ganham menos. Eles também trabalham duro. Estamos mesmo distribuindo o fardo de maneira justa aqui?

Mais de uma vez nos últimos meses, sentado à mesa em uma conferência, tive vontade de me inclinar para trás e sussurrar para meu garçom: “Está tudo bem, você pode tirar sua máscara!” Mas eu não quero que eles se compliquem com seus chefes, então eu mordo minha língua.

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Eu entendo que haja algumas razões práticas que obriguem garçons e garçonetes a usarem máscaras, e uma delas é a possibilidade de nem todos estarem vacinados, ou uma parcela menor, se comparada aos participantes. Além disso, eles podem estar trabalhando para empresas terceirizadas e não estarem enquadrados em qualquer exigência de vacina imposta pelo evento ou conferência em si.

Ainda assim, essas são razões suficientes para o tratamento diferenciado quanto ao uso da máscara? A esta altura, todos devem perceber o quanto pode ser seletiva a aplicação das regras de uso de máscara. Se esses mesmos funcionários estão bebendo ou comendo juntos na sala dos fundos, suas máscaras são retiradas e todos estão bem com isso. De repente, a possibilidade de espalhar Covid deixa de ser grande coisa.

Como complicação adicional, muitos prestadores de serviço podem querer usar suas máscaras, mesmo que estejam totalmente vacinados e em boas condições de saúde. Seu público não sabe e não tem como saber se eles estão vacinados, e assim pode acontecer de um garçom sem máscara ver um convidado se afastando dele ou se apressando para colocar uma máscara quando ele se aproxima. Nessas circunstâncias, esses trabalhadores podem simplesmente preferir usar suas máscaras.

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Muitos intelectuais e especialistas em saúde pública podem se sentir desconfortáveis com o apartheid da máscara. Mas eles promoveram tão fortemente a norma do uso de máscaras, que fica difícil para eles contestarem. Poderiam argumentar que os convidados de elite deveriam ser obrigados a usar suas máscaras antes e depois da comida e das bebidas serem servidas, ou mesmo entre as mordidas, mas neste ponto a recomendação seria ignorada.

Além disso, dadas as críticas essencialmente morais (e corretas) da segregação e do apartheid, a existência de alguns benefícios práticos do uso da máscara por parte dos que estão trabalhando e servindo não justifica a prática. Pense desta forma: nos EUA em 2021, alguns trabalhadores são obrigados a cobrir o rosto quando se aproximam das pessoas que estão servindo. Como isso é aceitável?

Para ser claro, acho que as máscaras são um tanto eficazes para diminuir a propagação da Covid, e eu mesmo tenho sido usuário fiel de máscaras durante a maior parte da pandemia. Mas as pessoas não podem continuar usando-as para sempre, e muitos americanos não serão vacinados tão cedo. Será que uma compreensão do apartheid da máscara pode nos ajudar a sair deste nosso estado de complacência atual?

Talvez você ache o termo “apartheid da máscara” muito severo. Mas acho impressionante como esse tratamento diferencial tem recebido tão poucas críticas, então talvez seja necessário um certo tratamento de choque. Também me preocupo que a prática atual de envergonhar as pessoas menos instruídas, cujas escolhas relativas a vacinas e máscaras são menos eficazes, vá sair pela culatra e elas parem de ouvir as elites de vez. Aí a sociedade americana ficará ainda mais dividida do que já está.

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Tyler Cowen é colunista da Bloomberg Opinion. É professor de economia na George Mason University e escreve para o blog Marginal Revolution. Um de seus livros é “Big Business: A Love Letter to an American Anti-Hero.”

Os editoriais são escritos pela diretoria editorial da Bloomberg Opinion

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

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