Bloomberg Línea — Reduzir o teor de açúcares em produtos de seu portfólio infantil para 10% é uma das metas perseguidas pela Danone em um plano decenal que mira 2030.
É também um dos objetivos mais desafiadores.
“É mais complicado do que se pensa. Precisa ser algo gradual, porque se muda muito o sabor de uma vez, a criança não come, e, se a criança não come, a mãe deixa de comprar, e isso deixa de ser sustentável como plano de negócios”, disse Tiago Santos, CEO da Danone Brasil, em entrevista à Bloomberg Línea.
Ao mesmo tempo, segundo ele, a mudança precisa acontecer de fato e não pode, por exemplo, ser executada por meio da substituição do açúcar por adoçante. “Isso seria uma falácia. O perfil é o mesmo e a criança vai manter o gosto pelo açúcar e consumir em outro produto”, afirmou na primeira parte da entrevista.
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O caso citado pelo executivo português, que está no comando da Danone no mercado brasileiro desde abril de 2024, ilustra o tamanho do desafio da indústria de alimentos, que enfrenta um movimento global sem precedentes de busca da população por hábitos de consumo e de vida mais saudáveis.
Na agenda de melhora da composição dos produtos, a despeito dos desafios reconhecidos, os avanços têm sido alcançados em ritmo até mais acelerado do que o previsto a considerar a extensão de dez anos do plano.
Um exemplo citado dentro do portfólio no Brasil da empresa francesa é o do Danoninho, com redução no teor de açúcar de 11,5% para 10%, o que representa 45% menos do que o principal concorrente, segundo ele.

Executivo com 17 anos de experiência na gigante global de alimentos - sem contar outras grandes empresas -, ele chegou ao comando no Brasil de já ter atuado em cargos de liderança em mercados diversos de Europa, Ásia Central e África.
E, com essa bagagem, reafirmou uma convicção que, segundo ele, permeia a Danone e sua liderança globalmente.
“Performance sem sustentabilidade não tem futuro; e sustentabilidade sem performance não tem impacto, porque não tem quem pague a conta”, disse Santos, que explicou parafrasear o CEO global, Antoine de Saint-Affrique.
É justamente nesse contexto que se insere a preocupação de não derrubar as vendas ao avançar no processo de redução de açúcares em produtos infantis.
“Você precisa criar uma resiliência do P&L [demonstrativo financeiro] para sustentar tais programas. E avançar de forma gradual, para que isso não funcione em ciclos, com idas e vindas”, disse sobre os desafios.
Santos participou recentemente de um painel em um evento em São Paulo em que expôs a sua visão e a da Danone sobre como aumentar a sustentabilidade na cadeia produtiva da indústria de alimentos.
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No Brasil, a questão ganha tons de complexidade diante de desafios econômicos, que levaram cerca de 15% dos produtores de leite a deixar a sua atividade entre 2023 e 2024, e de saúde pública, dado que 68% da população está acima do peso, segundo o Atlas Mundial da Obesidade 2025, em números citados no painel.
Avanço em metas para 2030
A Danone, por sua vez, busca avançar no plano citado anteriormente chamado Jornada de Impacto, apresentado em 2020 com metas de sustentabilidade para 2030, com base em três pilares: natureza, pessoas & comunidades e saúde.
No primeiro caso, o cumprimento dos objetivos passa por iniciativas como o Flora, um programa que busca estimular a adoção da agricultura regenerativa.
Produtores de leite recebem assistência técnica e financeira da empresa e se comprometem a adotar práticas sustentáveis e de bem-estar na criação dos animais, o que se reflete na recuperação da terra; em geral, ampliam a produtividade e as margens, dado que são remunerados pela entrega de leite de melhor qualidade, e isso também resulta em menor emissão de metano e CO2.
O programa lançado em 2020 ajuda a Danone a atingir as suas metas de médio e longo prazo de redução de gases de efeito estufa, ao mesmo tempo em que melhora o principal insumo de sua produção - e com escala, dado que mais da metade do leite que utiliza já vem de produtores que participam do Flora.
“É uma parceria ‘ganha-ganha’ que funciona no modelo de coalizão, que envolve todo o ecossistema: nós lideramos e também estão presentes agricultores, Embrapa, Banco do Brasil, startups e governo”, disse o executivo.
A jornada adotada pela companhia prevê cinco metas principais: redução da emissão de metano e de CO2 (dióxido de carbono), da presença de açúcar em produtos do portfólio para crianças, aumento do percentual de mulheres em posição de liderança e diminuição da diferença salarial entre gêneros e raças.
“Estamos na metade do período do plano e à frente do que seria esperado a esta altura para atingir as metas”, disse Santos.
Mais da metade dos cargos de liderança no Brasil é ocupada por mulheres (51%), que na média recebem o equivalente a 102% da remuneração dos homens.
Ele ressaltou que o momento de questionamento de programas ESG em certos mercados - em particular os Estados Unidos sob Donald Trump - não alterou os planos e os compromissos assumidos pela empresa.
“Adotamos essas metas de forma orgânica, porque a empresa acredita nesses valores e que isso vai fazê-la melhor e gerar um impacto para a sociedade, e não porque existe uma lei ou algo que nos obrigue”, ressaltou o executivo.
Segundo ele, a incorporação de tais temas na agenda da empresa faz parte de “convicção” corporativa que remonta à década de 1970 e que inclui a busca por igualdade de gênero e de raça e a requalificação dos colaboradores.
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“Entendemos que os skills de hoje, com a IA e outras tecnologias, não serão aqueles de que as pessoas vão precisar amanhã e por isso temos o compromisso de retreinar todos os danoners“, disse o executivo.
Ao mesmo tempo, Santos disse que o uso de IA funciona como oportunidade ao tornar a operação mais eficiente e assertiva, em frentes como planejamento da cadeia de suprimentos e de previsão de demanda.
“Antes de tudo, a IA é uma ferramenta de produtividade brutal. Distribuímos inicialmente para todos os líderes, mas a ideia é que todos tenham acesso”, disse sobre a forma como a empresa tem adotado a tecnologia.
Como reflexo das políticas, segundo Santos, a Danone Brasil obteve recentemente a renovação de sua certificação como Empresa B - B Corp -, selo concedido globalmente pela B Lab a empresas comprometidas a causar impacto social e ambiental, com verificação considerada rigorosa de diferentes critérios.
“É mais do que cumprir um check list para ganhar pontos. Exige uma transformação da forma de administrar a empresa para gerar impacto. Não à toa, o processo de obtenção da certificação inicial demora de dois a três anos para grandes empresas“, disse o CEO da Danone Brasil, que defendeu o entendimento de que isso se traduz em resiliência maior para o negócio a médio e longo prazo.
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