Força de moedas em LatAm carece de fundamentos sustentáveis, avalia JPMorgan

Valorização do real, peso e outras moedas não reflete força econômica, mas sim a fraqueza do dólar, diz estrategista do JPMorgan, Nur Cristiani, à Bloomberg Línea

Nur Cristiani, do JPMorgan, diz que o Brasil carrega a maior pressão quando se fala em preocupações fiscais
25 de Junho, 2025 | 10:24 AM

Bloomberg Línea — A América Latina atravessa 2025 em meio a uma aparente força cambial que contrasta com o crescente enfraquecimento de seus fundamentos macroeconômicos.

Nur Cristiani, responsável pela estratégia de investimentos para a América Latina no JPMorgan Private Bank, explicou em entrevista à Bloomberg Línea que a valorização recente das moedas da região “é simplesmente um reflexo da fraqueza do dólar, e não da força das moedas locais”.

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Para a analista, que tem mais de 20 anos de experiência no mercado financeiro, não há motivos para que as moedas da região fechem o ano nos níveis observados no primeiro semestre.

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“As idiossincrasias locais continuam complexas para nós, em sua maioria, pelo menos neste ano e no próximo”, afirmou.

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Embora o JPMorgan não use esse termo, o cenário atual se assemelha a uma espécie de miragem cambial: as moedas latino-americanas aparentam força, mas carecem de fundamentos sustentáveis no longo prazo.

A especialista destacou que o ambiente econômico da região continua desafiador, com condições fiscais frágeis, baixo crescimento, queda nas receitas de remessas e expectativas de cortes nas taxas de juros — o que reduz o apelo do carry trade.

“Todos os bancos centrais da região devem cortar juros. Então, não há mais suporte nem do carry, nem do crescimento. Vai haver muito pouco investimento na região este ano, até que haja mais clareza sobre o que vai acontecer com a política tarifária dos EUA, e isso desacelera a atividade econômica", disse.

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Os desafios da América Latina

Esse panorama ressalta ainda mais os desafios específicos enfrentados por cada país da região, marcados por fragilidades estruturais.

O México, por exemplo, vive um cenário de desaceleração econômica prevista para 2025. “Estamos vendo uma recessão, não tão técnica, de 0,5% na comparação anual”, disse Cristiani.

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Um dos principais fatores dessa contração é a queda no investimento privado, que cresceu apenas 4%. Soma-se a isso um excesso de capacidade instalada, fruto dos altos investimentos internos feitos em 2022 e 2023 diante das expectativas do nearshoring.

No entanto, Cristiani alertou que essa estratégia “não vai chegar com a velocidade e o ímpeto que muitos antecipavam”.

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Ela também destacou o risco que representa a próxima renegociação do T-MEC com Estados Unidos e Canadá, que pode levar a acordos bilaterais entre os três países.

A Colômbia, por sua vez, oferece outro retrato da região. Apesar de apresentar crescimento positivo em 2025, a maior preocupação está na área fiscal.

Embora o país cresça mais do que em 2024 e haja expectativa de alguma sustentabilidade, esse avanço se apoia em bases frágeis: “Esse crescimento tem sido sustentado por fontes não sustentáveis”.

Segundo Cristiani, o principal motor da economia tem sido o gasto público, algo difícil de ser revertido em um ano eleitoral, o que pressiona as contas públicas. Nesse contexto, o JPMorgan projeta um déficit fiscal próximo de 6%.

Apesar da cautela, Cristiani afirmou que parte desse risco já pode estar precificado pelos mercados. “Para quem investe na Colômbia, acredito que a maior parte disso já está descontada”, disse.

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Ela acrescentou ainda que o Brasil carrega a maior pressão quando se fala em preocupações fiscais, por seu peso nos índices regionais.

Os cenários de Brasil e Argentina

Tanto o Brasil quanto a Argentina enfrentam seus próprios desafios, embora, no caso argentino, as oportunidades estejam ligadas aos avanços do novo governo.

Para a Argentina, o JPMorgan Private Bank mantém uma visão positiva, porém cautelosa, especialmente após os primeiros movimentos do governo de Javier Milei. O desafio agora, segundo Cristiani, é sustentar esse impulso com reformas estruturais.

“É hora de demonstrar efetivamente o compromisso com a ortodoxia econômica e fiscal que o governo Milei prometeu”, afirmou.

As expectativas estão voltadas para as eleições de meio de mandato, que podem fortalecer o capital político do partido La Libertad Avanza e facilitar reformas nas áreas fiscal, trabalhista e previdenciária.

Já o Brasil enfrenta um cenário mais complexo. Cristiani alertou que alguns investidores podem estar reagindo de forma precipitada a um eventual giro político.

“Achamos que ainda é cedo demais para tomar uma posição ou justificar movimentos de mercado com base nisso”, afirmou.

Apesar de certa melhora nas expectativas inflacionárias, persistem desafios relevantes como a consolidação fiscal e a retomada do crescimento. O JPMorgan espera que o Banco Central comece a cortar juros ainda este ano.

O impacto do Oriente Médio

Cristiani também comentou sobre o possível impacto econômico do conflito no Oriente Médio. Embora reconheça que a tensão geopolítica gera volatilidade, ela acredita que o efeito sobre os mercados será limitado no curto prazo.

“Em termos de impacto econômico ou nos mercados, vemos como algo mais contido”, afirmou.

Um dos fatores-chave é a estabilidade do fornecimento global de petróleo. O banco já considerava que os preços estavam “exageradamente altos” na semana passada, níveis que só se justificariam com uma intervenção no Estreito de Hormuz.

Cristiani considerou improvável um bloqueio dessa rota comercial, pois ela é essencial para o transporte do petróleo iraniano à China. Além disso, os Estados Unidos têm capacidade para aumentar rapidamente sua produção, o que afasta riscos de escassez.

Ainda assim, Cristiani reconheceu que o impacto de uma crise no Oriente Médio seria desigual na América Latina. Países como Brasil e Colômbia, exportadores líquidos de petróleo, poderiam se beneficiar de preços altos. Já outros, como o Chile — que é importador líquido —, devem agir com cautela.

Uma carteira resiliente

Para além da América Latina, o JPMorgan Private Bank vê 2025 como um ano que exige uma estratégia de investimento baseada em carteiras resilientes.

Cristiani explicou que, apesar do cenário macroeconômico ter apresentado dois anos de bons resultados — impulsionados por empresas com baixo endividamento e inflação em queda —, o ano começou com muitas incertezas: novo governo nos EUA, tensões geopolíticas e mercados que já anteciparam boa parte do otimismo.

“Construir carteiras resilientes” não significa liquidar posições ou correr para o caixa, mas sim diversificar com inteligência. Isso inclui ativos não tradicionais, que têm baixa correlação com o mercado e oferecem proteção contra inflação ou volatilidade.

Entre os temas destacados estão inteligência artificial, infraestrutura energética, cibersegurança e segurança alimentar.

O “excepcionalismo americano” foi, inicialmente, o eixo da estratégia, mas o JPMorgan ajustou sua tese diante de sinais de erosão institucional nos EUA e maior potencial em outras regiões.

“Adicionamos a diversificação regional como um componente-chave”, disse Cristiani.

Ela explicou que a volatilidade nos primeiros meses do ano confirmou a visão do banco de que 2025 exigiria a construção de carteiras resilientes — com ativos pouco correlacionados e exposição a temas que vão além dos ciclos econômicos e políticos.

Carlos Rodríguez Salcedo (BR)

Jornalista colombiano, especializado em economia. Fui jornalista e editor do jornal La República, com experiência em questões macroeconômicas, comerciais e financeiras. Eu também trabalhei para a agência de notícias Colprensa.