Hamptons da América do Sul: como o Uruguai se tornou um polo para ultrarricos

País vizinho atrai visitantes ricos há muitos anos, mas essa vocação ganha força com mudanças na lei e novos empreendimentos residenciais e de turismo de luxo

Migração impulsiona empresas e serviços locais que atendem aos novos moradores mais ricos (Fonte: Municipio de Maldonado)
Por Ken Parks - Daniel Cancel
11 de Novembro, 2023 | 02:44 PM

Bloomberg — No balneário atlântico de Punta del Este, no Uruguai, há sinais de um fluxo de moradores ricos por toda parte. O iate clube está ativo durante todo o ano, as matrículas nas escolas públicas aumentaram e a incorporadora imobiliária italiana Cipriani iniciou a construção do que, segundo ela, será o “maior resort de luxo da América do Sul”.

Localizado entre a Argentina e o Brasil, o Uruguai há muito tempo atrai visitantes ricos de ambos os países, especialmente durante os meses de verão, de dezembro a fevereiro. Mas, nos últimos anos, mais estrangeiros ricos, incluindo americanos e europeus, têm se aventurado pelo país.

O apelo não se limita aos cerca de 225 quilômetros de costa atlântica pontilhada de vilarejos, que inclui uma seção que foi apelidada de Hamptons da América do Sul.

Meses depois de assumir o cargo em março de 2020, o presidente Luis Lacalle Pou, um defensor de 50 anos da política de livre mercado (e ávido surfista), emitiu um decreto facilitando o estabelecimento de domicílio fiscal no Uruguai para estrangeiros.

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Para se qualificar de acordo com as novas regras de residência fiscal, os estrangeiros devem passar um mínimo de 60 dias no Uruguai e comprar uma propriedade no valor de pelo menos US$ 500.000 ou investir um mínimo de US$ 2,2 milhões em um negócio. A recompensa: nenhum imposto sobre a renda de investimentos estrangeiros por 11 anos.

“Com o passar do tempo, vimos mudanças muito importantes em termos de leis uruguaias que atraíram uma presença maior de indivíduos com patrimônio líquido muito alto”, disse Thiago Alonso de Oliveira, CEO da incorporadora de luxo brasileira JHSF (JHSF3), que opera um condomínio fechado em Punta del Este.

Essas mudanças contrastam fortemente com a lógica de taxação dos ricos que se consolida em outras partes da América Latina, à medida que governos buscam cobrir os déficits orçamentários e lidar com os problemas de desigualdade exacerbados pela pandemia. A Colômbia impôs um novo imposto sobre os ricos que entrou em vigor este ano, e o Congresso no Brasil debate uma legislação semelhante.

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Em uma região frequentemente abalada por turbulências políticas e assolada por enormes disparidades de renda, o Uruguai há muito tempo se destaca por sua invejável estabilidade e um dos mais altos padrões de vida da América Latina, graças a um amplo estado de bem-estar social e a exportações dinâmicas de produtos agrícolas e software.

O país também não registra o tipo de crime violento (como sequestros) que assola os ricos no Brasil, no México e em outros países latino-americanos.

O país agora abriga alguns dos principais empreendedores de tecnologia da região, incluindo o argentino Marcos Galperín, cofundador do Mercado Livre (MELI); David Vélez, cofundador do Nubank (NU); e Martín Migoya, cofundador e CEO da Globant.

Nos últimos anos, houve um aumento significativo na imigração da Argentina, devido à queda da economia local e ao aumento da inflação. O índice de preços ao consumidor da Argentina registrou um aumento anual de 138% em setembro, em comparação com 3,9% no Uruguai.

Mais de 22.400 argentinos obtiveram residência permanente entre 2020 e 2022, de acordo com dados compilados pelo Ministério de Relações Exteriores do Uruguai, quatro vezes mais do que nos três anos anteriores.

O êxodo diminuiu neste ano, mas pode ser retomado depois que os argentinos elegerem um novo presidente neste mês (as autoridades fiscais do Uruguai não publicam dados sobre o status de residência fiscal).

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O fluxo beneficia as empresas e os serviços locais que atendem aos ricos. “Há cinco ou seis anos, o clube praticamente fechava no inverno. Agora ele está ativo o ano todo”, disse Juan Etcheverrito, que dirige o iate clube de Punta del Este com o título honorário de comodoro.

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Na The Garzón School – uma escola bilíngue do jardim de infância até a quinta série na área de La Barra que custa US$ 20.000 por ano –, os imigrantes constituem mais de quatro quintos do corpo discente, de acordo com o codiretor Samuel Irving, um expatriado britânico.

A lista de espera da escola é tão grande que ela planeja começar a construir no início do próximo ano um campus de US$ 7 milhões para 180 alunos que combinará recursos de alta tecnologia, como um laboratório de robótica, em um terreno de 38 hectares.

“Temos muitas famílias do setor de startups de tecnologia e muitas famílias que têm empresas locais”, disse Leona Dauphin, que dirige a escola com Irving.

As matrículas no Colégio Internacional bilíngue de Punta del Este, que vai do jardim de infância ao ensino médio, cresceram cerca de 28% desde 2019, chegando a cerca de 550 alunos. Dois terços dos matriculados nasceram no exterior e vêm de 22 países diferentes, disse a diretora de admissões Marcia Alves.

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A proximidade com países que abrigam grandes fortunas familiares e dinheiro de novas tecnologias - como Brasil, Argentina e Chile - fez do Uruguai um destino popular para gestores de ativos nos últimos anos.

“Se você estiver baseado em Miami, talvez veja um cliente uma vez por ano”, disse Rodolfo Castilla, gerente de vendas da plataforma de gestão de patrimônio Insigneo Financial Group. “Se você mora no Uruguai, que tem um regime tributário, uma estrutura regulatória e uma estabilidade melhores, talvez veja seus clientes uma vez por mês”.

No final de 2022, 951 consultores financeiros administravam quase US$ 29 bilhões em nome de mais de 36.000 clientes, de acordo com dados do banco central do Uruguai.

Muitas das empresas operam em zonas de livre comércio dentro e nos arredores da capital, Montevidéu, e em breve em Punta del Este, porque isso as isenta da maioria dos impostos. “O Uruguai tomou uma decisão consciente de ser um centro de serviços”, disse Castilla.

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As incorporadoras imobiliárias internacionais não perderam tempo e construíram instalações caras para os recém-chegados.

A JHSF está expandindo seu condomínio fechado Fasano Las Piedras, próximo a Punta del Este, onde as casas podem ser vendidas por vários milhões de dólares. A infraestrutura inclui um hotel de luxo com diárias a partir de US$ 500, um campo de golfe profissional de 18 buracos e uma pista de pouso particular.

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“Há um número crescente de residentes permanentes em Las Piedras”, disse Alonso, CEO da JHSF. “Estamos vendo mais americanos e europeus do que nunca.

A construção da primeira fase do Cipriani Ocean Resort Club Residences & Casino em Punta del Este, um empreendimento imobiliário de US$ 450 milhões que incluirá um hotel e três torres residenciais de 30 a 60 andares, começou neste ano.

Muitos executivos de alto escalão também estão se estabelecendo em Montevidéu ou nas proximidades, devido ao seu aeroporto internacional e à maior variedade de serviços. A proporção de estrangeiros que vivem em La Tahona – um condomínio fechado de 350 hectares próximo à capital – aumentou desde a pandemia para cerca de um terço de suas 1.200 famílias, disse Ignacio Añon, cuja família controla o complexo.

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La Tahona planeja dobrar seu estoque de moradias para cerca de 2.600 unidades até 2030 para atender à demanda. Parte da expansão será financiada pela venda de US$ 60 milhões em títulos de seis anos, programada para este mês, disse Añon.

Durante uma entrevista em abril em Miami, o cofundador do Mercado Livre, Marcos Galperín, argentino que vive no Uruguai há duas décadas, resumiu o apelo de seu país de adoção: “Infelizmente, parece ser uma exceção na América Latina. É basicamente um país que eu diria que abraça a democracia e o capitalismo. E essas duas coisas, em geral, são boas para os negócios”.

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