Bloomberg Línea — A Quinta do Olivardo, em São Roque (a cerca de 70 km de São Paulo), serve refeições de temática portuguesa, mas não é apenas um restaurante.
A casa criada por Olivardo Saqui faz vinho, mas não é exatamente uma vinícola. Ela serve bebidas e salgados, mas não pode ser vista como um bar. Tem doces, mas não é uma confeitaria. Ao lado há chalés para receber hóspedes, mas não é um hotel. E tem ainda um complexo com tirolesa, arvorismo, pedalinho e contato com a natureza, mas também não é só isso que define o lugar.
“Somos um complexo com foco em experiências. Queremos que as pessoas passem o dia aqui, comam, bebam, se divirtam, conheçam nossa história, vivam um pouco de tudo”, disse Saqui em entrevista à Bloomberg Línea.
O projeto funciona como uma “Disney da enogastronomia”, com estratégias para criar experiências variadas para os clientes e impulsionar o crescimento dos negócios.
“Eu passei a não só vender vinho ou bacalhau, mas a vender história”, afirmou. Segundo ele, essas iniciativas garantem fluxo constante de visitantes e fidelização.
A entrevista com Saqui faz parte da série “Mesa de Negócios” da Bloomberg Línea, que conta histórias em que a gastronomia e o empreendedorismo se entrelaçam de forma destacada no mundo dos negócios no Brasil.
A operação recebe entre 5.000 e 7.000 visitantes por fim de semana, chegando a cerca de 25.000 por mês. O ticket médio, segundo Saqui, fica entre R$ 250 e R$ 280, valor que inclui refeições, atividades, degustações e a compra de vinhos. O faturamento, portanto, passa de R$ 7,5 milhões por ano.
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Gastronomia e vinhos
A empresa mantém cerca de 300 funcionários e opera de forma lucrativa. “A gente faz tudo com o pé no chão”, afirmou.
Apesar da variedade de ofertas, o restaurante surgido a partir do sonho de Saqui em 2007 responde por boa parte do movimento, com insumos comprados em escala industrial.
“Comecei comprando 2 kg de bacalhau, hoje uso 4,5 toneladas por mês”, disse Saqui. A casa também produz cerca de 50.000 pastéis de nata mensalmente, com um ritual que se repete a cada fornada: o sino toca, e os clientes aplaudem, e toda a produção é vendida rapidamente.
Com produção própria de cerca de 20.000 litros de vinho por ano, a Quinta vende quase tudo dentro do complexo. O portfólio inclui rótulos de mesa e vinhos finos de castas como Cabernet Sauvignon e Touriga Nacional.
“Eu sou um pequeno produtor de vinho, mas não quis fazer vinhos para competir com vinhos”, explicou.
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A opção dele é oferecer experiências ligadas à bebida para os clientes e por vender apenas de forma direta, o que aumenta o valor recebido, elimina intermediários e reforça o caráter artesanal do negócio.
A expansão da marca se apoia em experiências temáticas. A cada verão, a colheita da uva atrai turistas que pagam para participar da pisa e do processamento das frutas.
Crianças e adultos vestem chapéus de palha, usam tesouras e cestas e aprendem sobre a produção de vinho. “As pessoas vêm para cá, trabalham, pagam para trabalhar e saem felizes”, disse Saqui.
Outra experiência que se tornou símbolo da casa e ajuda a impulsionar as vendas é o chamado “vinho dos mortos”. Inspirado em uma tradição portuguesa, o ritual convida visitantes a enterrar suas garrafas por seis meses em uma área do terreno e voltar para desenterrar em cerimônia à luz de velas, com música e gastronomia lusitana.
“Criei um ritual que acontece todo terceiro sábado de cada mês. Em torno de 200 a 250 garrafas por mês são enterradas”, explicou. “E os clientes acabam voltando várias vezes por ano”.
Profissionalização e disciplina financeira
Depois de montar o negócio sem muito planejamento e de crescer de forma empírica, o empresário profissionalizou a gestão. Hoje, uma consultoria financeira acompanha os resultados semanalmente.
“Eu olho mais a última linha. Eles me mostram os números, mas eu gosto de ver o resultado final”, disse.
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Saqui afirma evitar dívidas e prefere investir com recursos próprios, uma prática reforçada pela experiência da pandemia.
“Se eu vou trocar de carro, eu preciso ter o dinheiro guardado, mesmo que não precise dele. Foi assim com os restaurantes. A gente trabalha com segurança”, explicou.
A operação exige planejamento detalhado especialmente por conta da sazonalidade, já que é no fim de semana que o movimento se concentra. A preparação começa na quarta-feira, explicou Saqui, com escala de folgas e montagem de insumos. “A gente tem que estar muito bem alinhado para que na sexta-feira já estejamos todos prontos”, disse.
A equipe é composta majoritariamente por jovens treinados para oferecer atendimento personalizado. “A gente fala que é acolhimento para que as pessoas saiam daqui felizes”, afirmou.
Mesmo com o crescimento e a presença de gestores, Saqui continua envolvido na rotina. “Eu sofro porque ainda quero estar muito próximo de todos. Para mim, estar bem é estar aqui”, contou. “Quando você faz o que gosta, não é trabalho, mas é cansativo.”
Crescimento e diversificação
Por mais que o espaço seja um complexo com experiências e ofertas variadas, a Saqui tem planos de expansão e novos projetos.
O primeiro deles começou a ganhar forma durante a pandemia, quando o empresário criou um ponto de delivery e drive-thru em São Paulo, que evoluiu para a primeira filial urbana da marca, no Brooklin.
“Se eles não podiam vir até nós, nós fomos até eles”, disse.
A unidade serviu como teste para entender o comportamento do público paulistano. Agora, o empresário estuda abrir uma nova casa em Pinheiros.
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A expansão também ocorre na própria São Roque.
A Quinta do Olivardo investe R$ 5 milhões em um novo restaurante de 600 lugares, o Quinta do Galeto, com inauguração prevista para este ano. O projeto terá cardápio de galeto e massas e prevê recuperar o investimento em três anos, segundo o empresário.
O novo espaço se soma ao Senhor Vinho, restaurante de perfil mais sofisticado aberto dentro do complexo para fortalecer o turismo noturno e apoiar a pousada, que hoje tem 11 acomodações entre tonéis convertidos, chalés e suítes. “Eu sofria porque não tinha onde indicar os hóspedes à noite, então resolvi abrir um espaço próprio”, afirmou.
O empresário também avalia adotar a colheita de inverno na produção de vinhos, técnica que tem transformado outras regiões do Sudeste em polos de vinhos finos. “Eu sei que está dando certo, mas ainda não parei para pensar nisso. Tenho quase certeza que isso vai acontecer”, disse.
O sucesso da Quinta do Olivardo reflete o avanço de São Roque como destino gastronômico e vitivinícola. A cidade, que já teve mais de 150 vinícolas e hoje mantém cerca de 11, passou a atrair turistas das regiões de São Paulo, Campinas e Sorocaba. “Estamos no quintal de grandes cidades. São Roque é a bola da vez”, disse Saqui.
A proximidade com centros urbanos e o crescimento da Rota do Vinho impulsionaram investimentos privados e ampliaram o fluxo turístico. Para o empresário, o aumento de pousadas e restaurantes complementares é positivo. “Tem um hotel abrindo aqui na frente, com 40 quartos. Eu vejo isso como vantagem. As pessoas vão passar na minha porta”, afirmou.