Como Telma Shimizu fez do Aizomê um ‘império’ nipo-brasileiro em expansão em SP

Fiel a seus princípios, chef e empresária ergueu um grupo que conta com restaurantes, café, confeitaria e braço de eventos. E prepara uma casa voltada à alimentação para longevidade e bem-estar, segundo contou à Bloomberg Línea

Gestão afiada: foco empresarial de Telma Shimizu fez do Aizomê um negócio milionário
Por Daniel Buarque
02 de Novembro, 2025 | 07:00 AM

Bloomberg Línea — Quem vê Telma Shimizu concentrada, com uma faca na mão, cortando peixes e legumes enquanto prepara um prato para o almoço do Aizomê, nos Jardins, em São Paulo, pode presumir que a cena resume a sua vida.

Segundo a chef, entretanto, o sucesso do restaurante que se transformou em uma rede com diferentes negócios, tem faturamento milionário e já foi escolhido por júris diversos como o melhor japonês da cidade, não está só na cozinha. É parte fundamental considerar o negócio por trás da comida.

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“Com os reality shows e a televisão, o chef se tornou uma estrela”, disse Shimizu em entrevista à Bloomberg Línea. “Mas restaurante é empresa. Precisa de gestão, planilha, finanças. O que mais falta às pessoas é essa visão empresarial. Hoje eu sou tão chef quanto sou empresária.”

A entrevista com Shimizu faz parte da série “Mesa de Negócios”, da Bloomberg Línea, que conta histórias em que a gastronomia e o empreendedorismo se entrelaçam de forma destacada no mundo dos negócios no Brasil.

Para Shimizu, portanto, o sucesso do Aizomê não vem “apenas” da cozinha mas da mentalidade empresarial.

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“Não existe sustentabilidade se o negócio não é rentável. Só dá para ser ético, autoral e coerente quando a empresa se sustenta. E isso se faz com controle, planejamento e muita conta na ponta do lápis - ou da planilha”, explicou.

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Se essa abordagem já é importante em restaurantes de forma geral, é ainda mais fundamental na gestão de uma casa de inspiração nipo-brasileira, que combina elementos do Brasil e do Japão e lida com uma equação complexa, disse.

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Diferentemente de uma hamburgueria ou uma tratoria, entre outros exemplos, a cozinha japonesa depende fundamentalmente de matéria-prima fresca, de origem controlada e armazenada sob condições específicas.

“Nosso CMV [Custo da Mercadoria Vendida] é altíssimo. Trabalhamos com o produto mais perecível e mais caro que existe: o peixe cru. O custo logístico é enorme. O insumo precisa atravessar o mundo, depende da cotação do dólar e do iene, e ainda passa por uma cadeia de fiscalização rígida”, disse.

Essa estrutura de custos exigiu que o Aizomê se organizasse como uma operação de alta eficiência com controle diário de estoque, margens e desperdício.

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“Cada corte, cada grama, faz diferença. Nós não temos sobra de gordura no prato nem no balanço”, disse.

Ao longo dos anos, a chef e empreendedora transformou o aprendizado empírico em método: fichas técnicas, engenharia de cardápio e acompanhamento de rentabilidade por item.

O grupo hoje tem o apoio de consultoria e ferramentas analíticas para medir performance, inclusive no delivery. “Eu posso gostar de um prato, mas, se ele não se paga, sai do menu. A paixão não pode cegar a gestão.”

Este tipo de abordagem leva Shimizu a tratar do risco de operar um restaurante, que encara com realismo.

“As pessoas acham que abrir restaurante é ter liberdade criativa. Na prática, é o contrário. Você precisa disciplina e consistência todos os dias.”

No caso do Aizomê, disse, isso se traduziu em uma conquista real. Em conjunto, as três casas do Aizomê atualmente atendem em média 10.000 pessoas por mês (sem contar o delivery, que soma mais 3.500 refeições mensais).

O ticket médio dos restaurantes é de R$ 250,00 (e de R$ 160,00 no delivery e R$ 35,00 no café). O grupo tem registrado um crescimento mensal da ordem de 3% - ou seja, acima de 40% ao ano.

“Atendemos milhares de clientes e temos um negócio milionário”, disse, sem dar detalhes sobre o faturamento total do grupo.

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Duas décadas de trajetória

O Aizomê chega à maioridade consolidado como um pequeno império da culinária nipo-brasileira, com duas casas (nos Jardins e na Japan House, na avenida Paulista), um café, uma confeitaria, um braço de eventos e uma nova unidade em fase de implantação no bairro da Saúde.

Mas o projeto não conquistou espaço com facilidade desde o início de sua trajetória. E foi construído na contramão da lógica da moda e da volatilidade do setor, com foco em propósito, autenticidade e rentabilidade em equilíbrio.

O projeto deu certo apesar das dificuldades para uma chef mulher, sem formação em gastronomia, nascida no Brasil e que no início sequer falava japonês.

“Desde o início, eu tinha um conceito claro, mesmo sem formação técnica. Queria uma cozinha japonesa de raiz, coerente com a tradição e com a minha história”, contou.

Segundo ela, essa ligação com o Japão tradicional inclui a utilização de produtos brasileiros, frescos e sazonais, que dialoguem com a cultura japonesa de valorização do local e que leva a uma abordagem bem própria de menu.

Um símbolo da combinação hoje em dia é o uso do tucupi - caldo preparado da mandioca tão importante e tradicional no Brasil - em preparos que os japoneses usam shoyu para alcançar o sabor umami. No menu do Aizomê, isso se apresenta em um tartare de atum com gelatina com sabor característico de tucupi, em uma harmonização pouco óbvia mas muito coerente.

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Da medicina à cozinha ‘por acaso’

A trajetória de Shimizu, porém, começou longe da cozinha e das planilhas. Antes de se tornar chef, estudou medicina, trabalhou com moda e eventos e disse que, até duas décadas atrás, sequer imaginava abrir um restaurante.

Segundo ela, o Aizomê nasceu quase por acaso, “na raça”, em 2005.

“Eu não era da área nem tinha formação em gastronomia. Tudo começou como uma oportunidade. Abrimos uma casa para receber a comunidade japonesa em São Paulo e eu fazia de tudo: pagava contas, contratava funcionários, fazia compras e ainda recebia os clientes na porta.”

O restaurante, então um salão de 40 lugares sem placa e aberto apenas sob reserva, começou atendendo executivos e diplomatas do Japão que frequentavam o espaço pela autenticidade dos pratos, inspirados na culinária tradicional de Tóquio, muito antes de expressões como izakaya ou omakase virarem moda.

O projeto atravessou anos, mudanças de sócios e até a vida pessoal, sempre alinhado a esses princípios. Após uma fase em que dividiu a gestão com o então marido (de quem adotou o sobrenome Shiraishi por anos), Telma Shimizu reassumiu o controle total do grupo neste ano, rebatizou sua própria marca com o nome de nascimento e profissionalizou de vez a administração.

“Chegou um momento em que eu percebi que não dava mais para fazer tudo sozinha. Contratei uma consultoria e terceirizei parte do controle das finanças. Mas precisei estudar para entender os demonstrativos, falar a língua do financeiro.”

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Império nipo-brasileiro

De um restaurante artesanal, o Aizomê se transformou em um grupo com diferentes unidades e públicos.

Na casa original no Jardim Paulista, Shimizu mantém um cardápio autoral e o menu omakase (degustação em que o cliente “se coloca nas mãos do chef”) que mistura técnica japonesa e ingredientes brasileiros.

Na Japan House, o conceito é mais acessível: pratos do dia, obentos e receitas caseiras, pensadas para alto giro e margem controlada.

No Aizomê Café, no mesmo local na avenida Paulista, ela explora cafés especiais e confeitaria japonesa, um novo eixo de negócio que amplia o ticket médio e o tempo de permanência dos clientes, além de celebrar a história da migração japonesa para o Brasil, voltada no início à produção do café.

Há ainda os eventos corporativos e diplomáticos, entre eles as recepções oficiais do Consulado do Japão, do qual Shimizu é chef há mais de uma década.

Atualmente ela está envolvida na finalização de uma nova casa, o Aizomê Saúde, dentro de um empreendimento voltado à longevidade e ao bem-estar. O novo restaurante terá foco em alimentação equilibrada, com menu funcional e café da manhã japonês.

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“Mais do que tendência, isso é futuro. A pirâmide etária do Brasil está mudando, e a gastronomia precisa acompanhar. É economia prateada e também coerência com a essência da cozinha japonesa, que é equilíbrio e harmonia.”

A estratégia geral de Shimizu é ampliar o alcance da marca sem diluir sua identidade.

“Meu trabalho sempre foi de diferenciação. Cada unidade tem uma personalidade, mas todas partem do mesmo DNA: respeito ao produto, sazonalidade e equilíbrio. É assim que eu penso negócio, com coerência e propósito”, disse.

“Cada passo é calculado. Crescer por crescer não faz sentido. Eu cresço quando encontro propósito.”

Coerência como obsessão

Na entrevista à Bloomberg Línea, a empresária repetiu a palavra “coerência” mais de uma dezena de vezes.

No Aizomê, o conceito se traduz em decisões de gestão que priorizam autenticidade, mesmo que no curto prazo signifique perder clientes.

“Durante anos, eu não servia salmão. Não tenho nada contra o peixe, mas ele não fazia sentido dentro do conceito do meu cardápio. E isso consolidou a reputação da casa.”

Agora, ela prepara o lançamento pela primeira vez de um prato com o peixe de cultivo certificado, da Patagônia, produzido sob protocolos de sustentabilidade.

“Não adianta demonizar o ingrediente. A questão é apoiar quem faz melhor, de forma responsável, transparente, com rastreabilidade”, disse.

Essa coerência também garantiu diferenciação em um mercado saturado por modismos.

“Nunca quis competir com rodízio ou temakeria. Eu queria ter uma identidade. Vemos muitos restaurantes nascerem e morrerem porque mudam de rumo conforme o público. O Aizomê sobreviveu porque sempre teve uma linha.”

“Coerência dá trabalho. Mas é o que sustenta um negócio no longo prazo”, resumiu. “Porque moda passa. Propósito e consistência ficam.”

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Daniel Buarque
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