Bloomberg — Dezenas de pessoas da tribo indígena Munduruku do Brasil se reuniram na COP30, em Belém, e exigiram uma reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Eles denunciaram a mineração ilegal de ouro e questionaram a infraestrutura para o transporte de soja que está sendo construída perto de seu território, na bacia do rio Tapajós, na região amazônica.
E chegaram a bloquear a entrada do evento na manhã de sexta-feira (14).
“Chega de usar nossa imagem para reivindicar sustentabilidade e bioeconomia enquanto destroem nossa floresta”, disse Alessandra Korap, líder Munduruku que ganhou o Prêmio Ambiental Goldman em 2023.
O presidente da COP30, André Corrêa do Lago, e a CEO Ana Toni se reuniram com os manifestantes e negociaram a reabertura da entrada na manhã de sexta-feira.
“A razão de termos uma COP na Amazônia é para ouvirmos as pessoas que são mais vulneráveis”, disse Toni posteriormente. “Estamos ouvindo a voz delas.”
No dia seguinte, uma multidão de dezenas de milhares de pessoas marchou pelas ruas de Belém, exigindo mais participação nas discussões a portas fechadas da COP30.
Na metade das duas semanas de negociações, várias questões importantes ainda não haviam sido resolvidas, sendo a mais controversa um possível roteiro para a transição dos combustíveis fósseis.
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“Precisamos fazer parte das decisões. Essas negociações devem incluir as pessoas que vivem no território”, disse Mayara Cinta-Larga, de um grupo indígena do estado de Rondônia.
Os manifestantes pediram o fim dos combustíveis fósseis, uma transição climática justa e a preservação de rios e florestas. Muitos condenaram a exploração de petróleo na foz do rio Amazonas, aprovada pelo Brasil pouco antes da cúpula.
O frade franciscano Vicente Imhof carregava uma faixa onde se lia “Mais Soluções, Menos Diplomacia”.
“Continuamos ouvindo propostas, mas o que importa são ações concretas”, disse ele. “Ser excessivamente diplomático apenas para evitar confrontar os que estão no poder não tem funcionado desde a época de Jesus Cristo.”
Os protestos marcam o ressurgimento do papel da sociedade civil nas reuniões da Conferência das Partes da ONU, ou COPs.
Antes da COP30, a última conferência realizada em um país democrático foi a COP26, em Glasgow, no Reino Unido, onde cerca de 80.000 pessoas se reuniram para pedir aos líderes que fizessem mais para combater o aquecimento global.
Os três eventos posteriores foram sediados por Egito, Emirados Árabes Unidos e Azerbaijão, países com governos autoritários que reprimem a dissidência.
Na preparação para a COP29 em Baku no ano passado, por exemplo, os ativistas falaram de uma repressão à sua já limitada expressão política.
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Belém quebra esse padrão.
“É incrível estar aqui no Brasil. Há uma enorme quantidade de energia da sociedade civil aqui, e estamos determinados a fazer a diferença”, disse Louise Hutchins, uma das organizadoras da campanha Make Polluters Pay.
Na sexta-feira, cerca de 80 pessoas marcharam do antigo complexo portuário de Belém até a Praça da República da cidade, organizadas pelo grupo Fridays for Future.
Foi a primeira vez em anos que o grupo levou sua Greve Global pelo Clima para as ruas locais durante uma COP, disse o estudante ativista Daniel Holanda.
Limites para protestos
Mas a inclusão tem limites.
No início desta semana, um grupo entrou em conflito com a segurança ao se dirigir à chamada Blue Zone (Zona Azul), a área restrita onde ocorrem as negociações oficiais da ONU.
Um dos manifestantes disse que alguns grupos indígenas não tinham conseguido se registrar para participar da cúpula. Mais tarde, as medidas de segurança foram reforçadas.
Dentro do local da conferência, no Parque da Cidade, pequenos grupos levantaram faixas, gritaram slogans e exigiram o fim do uso de combustíveis fósseis e impostos mais altos para os mais ricos do mundo.
A ONU permite que os ativistas protestem em áreas designadas, mas pede que eles observem “regras básicas de decoro”.
Defesa da Amazônia
O Brasil é o lar de grande parte da floresta amazônica.
Parte essencial do sistema climático do planeta, a Amazônia sofre desmatamento à medida que os fazendeiros derrubam árvores para limpar mais terras para pasto.
Está marcada por mineração e extração ilegal de madeira, bem como por secas e incêndios que as mudanças climáticas exacerbam.
Os grupos indígenas querem uma proteção mais forte para a floresta e um papel maior na tomada de decisões para garantir essa proteção.
Cerca de 1,7 milhão de indígenas vivem no Brasil, aproximadamente metade deles na região amazônica.
Eles são um grupo grande e visível na COP30, com milhares de pessoas em Belém para o evento e mais de 400 representantes de 361 grupos étnicos diferentes oficialmente credenciados, de acordo com o governo brasileiro.
Cerca de 30 líderes indígenas estão dentro das salas de negociação da cúpula, de acordo com a Ministra dos Povos Indígenas do Brasil, Sônia Guajajara.
Eles atuam como monitores e, quando surge uma questão que exige a defesa dos indígenas, o ministério entra em ação para abordar os delegados, disse Guajajara durante uma entrevista à Bloomberg News em Belém.
“Ter esse nível de participação - tanto em números quanto na qualidade do engajamento - já é uma grande conquista, porque sempre lutamos por esse espaço”, disse ela.
Guajajara quer garantir o reconhecimento da demarcação e proteção de terras indígenas como uma medida de mitigação climática.
“Vamos trabalhar para incluí-la como um tópico formal na Contribuição Nacionalmente Determinada atualizada do Brasil”, ou compromisso climático nacional, disse ela.
Na quarta-feira (12), uma flotilha de barcos navegou pela Baía de Guajará, que circunda Belém, levando ativistas de comunidades indígenas e outras comunidades tradicionais brasileiras.
No barco principal, as pessoas relaxavam em redes e as mães cuidavam dos bebês enquanto os líderes se revezavam ao microfone.
“Os povos indígenas estão muito mais avançados, muito à frente do que os governos estão discutindo” na COP, disse Patxon Metuktire, membro do povo Kayapo. A preservação das florestas para combater as mudanças climáticas é algo que eles já fazem, acrescentou.
Outra mensagem é simplesmente que a mudança climática está tornando a vida mais difícil.
“Sentimos a seca de 2024. Sofremos muito com isso”, disse Cleudivaldo Munduruku, líder jovem de uma comunidade a cerca de 800 milhas de Belém.
“Viemos aqui para contar essa realidade para o mundo: Nossos igarapés secaram, nossos rios secaram, os peixes diminuíram.”
-- Com a colaboração de Abigail Daisy Morgan e John Ainger.
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